sábado, 23 de julho de 2011

Deoclécio - O Peão Voador - Em Busca de Financiamento




   Conforme já amplamente divulgado pela imprensa escrita, televisada, falada e gritada, o campeiro Deoclécio andou levando uns pealos nessas coisas de pila. Diz que ficou de avalista dum cunhado flor de vigário que comprou uma camionetona, amontoou os mijados com uma china da zona de S. Borja, se atracou a gastar e, quando ficou sem nada, se bandeou para a Argentina, onde procura correntinos incautos para lograr.

   O pobre do Deoclécio ficou numa pindaíba de dar dó: coisa de fritar a merda para comer o torresmo.

   Mas nunca que foi de entregar a rapadura sem peleia. Continuou trabalhando firme na Estância do seu Ponciano, contratou um advogado de S. Vicente, um tal de Vilsom Lambe-Lambe Barbosa, sujeito que não gosta de ver sujeirama braba, a fim de ver se diminui a dívida, amortiza, parcela, anula, desfaz, enfim, consegue pôr uma luz no fim do túnel financeiro do guasca.

   E o sonho de ser piloto de aparelho cada vez mais vivo e presente.

   Como fazer para pagar as despesas, agora metido neste brete?

   Enquanto mateava quase a cavalo no "pai-de-fogo", para não se congelar com a friagem da madrugada, teve o estalo: campear financiamento.

   "Pois o Lula não anda dizendo que quem quer, pode estudar, que o governo ajuda? Não tem o Pro-Uni, esse tal de Enem, sempre envolvido com falcatrua? Por que não "havéra" de ter um "Pro-Piloto de Aparelho"?

   Olhou para o cusco Ventania, bem enrodilhado no borralho e falou:

   - Temo combinado. Sexta-fera, no más, mal aponte a Estrela-da-Manhã, nos tocamo pro Alegrete, a ver se arrumo uns troco no banco pra reempeçá os estudo.

   O Ventania levantou a cabeça, pensando que o peão estava enloucando, que naquela escuridão e naquele frio não eram horas nem jeito de se sair a camperear. De madrugada, quase sempre ele só falava com o cusco na hora das lidas.

   Como não visse movimento com freio ou cabresto, concluiu que era enloucamento mesmo e voltou para seu bem-bom, na quenturinha do fogo.

   O Deoclécio, sorvendo um amargo com a erva Taquapy, não pôde deixar de rir ao lembrar-se da história do índio que acalmava a prenda com mate misturado a canela.

   Tal calmante, segundo ele contava nos bolichos funcionava assim:

   - Toda a veiz que ela se pára meio arisca, negadora de estribo, reclamenta, perparo um mate com esta erva e largo umas casca de canela junto.

   E acrescentava:

   - Prá acalmá os nervo da china: Taquapy e canela!

   O Ventania, vendo o riso fora de tempo, agora, sim, teve absoluta certeza: "Tá loco de atirar pedra. Deu até em rir solito! ..."

   De conta o Deoclécio nunca foi ruim, como já demonstrou em passadas aulas do Curso de Aparelho, onde deixou até os instrutores embasbacados.

   Atracou-se a riscar na cinza do borralho, somando despesas com aulas teóricas, taxas, material de estudo, livros, mapas, horas de vôo e chegou à conclusão de que com menos de trinta mil reais, não conseguiria finalizar o tal de PP.

   Aproveitando as iniciais, exclamou:

   - Puta que pariu! - donde vou vou cagá esses pila tudo?

   "Falando solito e rindo, vá lá. Mas gritando? Careço de me cuidar" - pensou, já meio assustado, o Ventania.

   "O mês do cachorro-louco é agosto ... Mas, pelo jeito, acho que é do dono-louco ..."

   Prevenido, disfarçadamente, começou a farejar o ar, assim como quem sente cheiro de caça, foi saindo de mansinho e encarou um frio de rachar, hora em que tudo quanto é bicho está encolhido pelas tocas, macegas, árvores e é pura perda de tempo uma caçada. Mas ficar em roda dum louco é coisa perigosa. Preferível renguear numa geada do que arriscar a levar um tiro só por causa dum destempero de momento.

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