sábado, 27 de janeiro de 2024

O Voo da Caturrita

                            Voo de Caturrita 

 

                   Abastecimento feito, comi um pastel de rodoviária, já pensando – se me escasseia a gasolina, vôo com o  gás produzido pelo pastel, ainda mais com essa Coca-Cola morna ...

 

                   Reiniciado o vôo, chegamos sãos e salvos a Montenegro, onde deixamos o “Marimbondo”, sendo devidamente avisados de que não hvia hagaragem disponível, uma vez que no próximo final de semana haveria uma festa no Aeroclube o o hangar seria usado para exposição de materiais etc.

 

                   Como já era tarde, seguimos de carro para Porto Alegre, a 58 km e, na manhã seguinte fomos a Gravataí, saber se ainda havia vaga.

 

                   - Mas que bom que vocês chegaram bem – falou o conterrâneo Oly, guarda-campo do Pacheco.

 

                   - Com esse monte de zebra que andou dando, vocês virem de tão longe e chegarem inteiros num Netuno é muita sorte.

 

-         Como assim, muita sorte? – retruquei.

 

-         Ué, vai dizer que tu não sabes de nada?

 

-         De nada o quê?

-      Pois o que aconteceu com o Renato. Já não bastasse o problema da coluna com a mãe dele e a doença do pai, neste final-de-semana o Netuno do Márcio, em que ele estava voando, bateu palmas e ele caiu ali na lavourinha antes do asfalto.

 

                   - Mas pelo visto nada aconteceu – insisti – pois notícia ruim corre ligeiro.

 

                   - O pior é que aconteceu. Ele quebrou um pé e está seriamente ameaçado de perder um olho. E falam que foi por problema de estrutura fraca, no Netuno.

 

                   O Renato Vargas havia feito o curso de PP comigo em São Leopoldo. Fora ele quem me avaliara o Netuno em Tubarão. A gente tinha um contato constante e aquilo mexeu comigo. Um amigo próximo quase se fora.

 

                   À tarde, no primeiro horário de visitas disponível, lá estava eu, visitando o acidentado.

 

                   Encontrei-o bastante otimista e saí com a impressão de que não perderia o olho, o que, infelizmente não se confirmou.

 

                   Desde sempre me afirmavam que o Netuno tinha problemas de estrutura, mas eu não acreditava muito, pois o próprio Renato já voava há anos, sozinho e até em duplo com o Márcio, dois sujeitos pesadões e nada acontecera.

 

                   “Isso é coisa de quem não gosta de Fusca Aéreo.”

 

                   Mas com aquele acidente tratei de pôr as barbas de molho. Ainda mais que, seguramente, eu era o Netuneiro que mais  voava em turbulências.

 

                   Chamei o Rudi e o Zabiela, craques em estrutura e velames de ultraleves básicos e estudamos os pontos em que eram aconselháveis reforços. Foi um tal de cano por dentro aqui, cabo extra ali, tubo paralelo mais adiante, que houve até quem brincasse que o meu Netuno era reforçado, sim, mas que, voar que era bom, nunca mais, dado o excesso de peso ...

                   - E por que vocês acham que eu corro Maratonas e estou sempre magrinho? Pelos cálculos, estamos acrescentantdo 12 kg de material. Como peso 65 kg e a maioria dos pilotos já passou dos 80, estou no lucro ...

 

                   Demorou, mas a revisão reforçante  da célula ficou pronta. Era hora de testar a “aparelho”, como dizia o saudoso Ivan.

 

                   Mecânicos reforçantes presentes, sábado meio enfarruscado, um ventinho já mais para o forte do que para o fraco.

 

                   Comecei as tradicionais corridas de pista.

 

                   Peguei confiança, mesmo com o ventinho.

 

                   O Rudi e o Zabiela me chamaram num canto:

 

                   - Não precisas te sentir obrigado a voar só porque nos viemos aqui. Se achares que o vento tá meio forte, voa outro dia.

 

                   - Podem ficar tranqüilos. Só voarei se me achar em condições. E o vento não está forte. O tempo nublado é que nos leva a concluir que o vento é forte, mas não é. Vou fazer um turninho de pista e já pouso.

 

                   Fui para a cabeceira. Dei manete a pleno e lá se foi o Netuno, rumo ao canto da cerca e ao buraco entre os pinus, técnica exclusivamente aplicável na pista do Paccheco. A gente dificilmente decolava no eixo da pista: já saía meio da esquerda, calculava uma distância segura da ponta da asa direita até o moirão-mestre e seguia aproado com uma falha nos pinus que um vizinho, por birra com o Pacheco, plantara na cabeceira. Caso não se ganhasse bastante altura, aquele buraco era a salvação. E muitas vezes foi. Além do mais, esse traçado era melhor orientado em relação ao vento dominante, totalmente de través no eixo da pista.

 

                   Era costume, mal se deixava a barreira dos pinus, permitir que o avião aproasse o vento, em curva para a direita, evitando outras turbulências e ganhando altitude mais rapidamente. Foi o que fiz, só que o Netuno aproou o Lestão e prosseguiu na curva.

 

                   Aí me dei conta de que algo estava errado. Tentei comandar o pé esquerdo, mas o pedal trancara. Que sinuca de bico: o leme todo à direita e trancado.

 

                   “Se dou um pedalaço, pode ser que destranque, mas pode ser que rompa totalmente o comando. Como está, estou voando em curva, mas voando. Então, não há escolha – esquece o leme.”

 

                   O caso é que a pista do Pacheco ficava no meio dumas vilas populares, media ao todo 280m, sendo que a cabeceira menos ruim tinha a tal barreira de pinus de uns oito metros de altura. Com todos os comandos funcionando já era muito crítica, imaginem, com o leme travado no final do curso, para a direita. Além do mais não sabia o que realmente estava acontecendo, nem quanto tempo conseguiria manter aquele vôo de caturrita doméstica, quando a gente corta a extremidade das penas de uma das asas e ela só consegue voar em círculos, o que evita a fuga.

 

                   Caturrita normalmente pousa sem grandes estragos. Mas quem me garantia que não iria “pousar” sobre uma das casas da vila ou, me enganchar nalguma rede de alta tensão.

 

                   Decisão rápida e acertada: pousar em frente.

 

                   Apliquei todo o aileron contrário e, mesmo com motor a pleno, continuei perdendo altitude. Pelo andar da carruagem, não iria longe.

 

                   Vi uma lavourinha, com as vergas (valetinhas) totalmente transversais ao sentido de pouso, mas não tinha grandes escolhas. Me fui.

 

                   Junto ao chão desfiz a violenta glissada, toquei, e, como a aração era atravessada, em pouquíssimos metros estava parado.

 

                   Para meu alívio, nem a bequilha se fora.


Final do Segundo "Capítalo"

    Conseguirá o manicaca Lambe-Lambe sair da lavoura? Como sairá? Já que era "De tardezinha" terá que dormir "drento" do aparelho, para evitar danos, roubos, etc., pois o pouso fora perto dumas vilas não muito bem-afamadas ...?

      Como diz a rede de TV aquela: Não saia daí! Assista o novo capítulo na semana que vem ... Quem deixar de acompanhar, nunca mais vai achar moeda de um centavo no chão!

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segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

A Utilidade dos Dedos

 

A Utilidades dos Dedos

 

                        Já pegara a mão do Netuno. Andava com ele para cima e para baixo todo confiante e acreditava que ele também confiava em mim. Saía com uns ventos ... e voltava.

 

                        Mas em 97 a bruxa andou se soltando. Um quebrava avião aqui, outro ali, e essas zebras levaram alguns  a largar o brinquedo.

 

                        A estas alturas me mandara para São Vicente do Sul, que fica a umas 50 milhas depois de Santa Maria, onde tem a Base Aérea. 

                       Lá hangarei o Netuno embaixo duns cinamomos e fiz alguns vôos pela região. Como as vendas não estivessem indo muito bem na região, resolvemos, eu e o mano Paulo, voltar de mala e cuia para a pista do Pacheco, em Gravataí.

 

                        Neste retorno houve um incidentezinho:

 

                        No momento em que eu decolava o Paulo saía com a Santana e o reboquinho, no apoio.

 

                        Acontece que eu ficara de tirar o retrato duma fazenda a uns dez minutos de vôo da pista e de lá seguir direto rumo à pista agrícola que havia em Novo Cabrais, bem ao lado da estrada e perto dum posto e lanchehria. Mas também aconteceu que esquecera de colocar meu regulador automático de temperatura do ar para o carburador. 

                    A engenharia era assim: um tubo flexível de uns 50mm tomava ar quente junto às aletas traseiras do cabeçote e conduzia o dito para a frente do carburador. Quando deixava o ar normal entrar livremente pela frente, como este fluxo era mais forte, naturalmente o ar quente não chegava à alimentação. Nos dias frios e úmidos, porém, era necessário colocar uma fita adesiva na tomada de ar, reduzindo em 90% sua abertura, de modo que a admissão puxasse o ar quente do tubo, em vez de só usar o ar gelado e úmido que criava gelo no carburador.

                 Com a falta de minha mufla tecnológica,  não deu outra: dali a pouco o velho Fuscão começou a tossir e se peidar. Como não sou de todo assustado e já sabia o que estava acontecendo, lá me fui para a Chácara, a fim de colar a tal fita. Entre ida e retomada de rota , uns vinte e tantos minutos jogados fora.  Pousei no campinho ao lado do Açude do Jacaré, subi a coxilha, peguei a fita, colei-a, mas reabastecer que era bom, nada, pois o combustível estava todo no reboquinho, a estas alturas já lá por santa Maria. Mesmo assim não desisti duma outra granja que queria sair bem na foto,  também  um pouco fora da rota.

 

                        Fui até a tal granja, retomei a rota, mas tinha um ventinho de proa, coisa pouca, mas que sempre segura  e alonga o tempo de vôo.

 

                        Passei São Pedro do Sul, onde sai o tradicional Encontro Gaúcho de Ultraleves, por Santa Maria com seus Xavantes e helicópteros Puma, já a estas alturas de olho na progressão do vôo e do consumo. Com o tanque adicional que pusera onde iriam os pés do carona, saíra na última decolagem com uns 45 litros. O consumo do Netuno era de 17 litros por hora. Tinha, assim, duas horas e quarenta minutos para chegar a algum lugar sem uma gota sobrando. O trajeto inicial previsto era duns 180 km. Isto significava, em circunstâncias totalmente favoráveis duas horas de vôo. Já queimara vinte minutos com  o retorno à pista, para “acionar o ar quente” o que já me levava para as duas horas e vinte minutos. O desvio de rota comera mais dez minutos, duas e meia. Tinha dez minutos para compensar vento de proa.

 

                        Os indicativos eram de que iriam sobrar minutos e faltar litros.

 

                        Falavam as más línguas que havia uma pista em Restinga Seca, mas que ninguém sabia em que estado estava. Se os Zurrilhos Sem  e/ou os Tatus Sem Terra não a tinham invadido, ninguém podia garantir. Além do mais, era mais um desvio e, caso a pista estivesse impraticável, aí mesmo a gasosa não daria para chegar na pistinha onde o apoio me esperava.

 

                        O que não tem solução, solucionado está: vamos ganhar uma alturinha, ficar sempre de olho num campinho pretensamente alternativo para um pouso ...

 

                        Fui até o que julguei a baba do tanque superior, cujo nível de combustível não conseguia ver direito e passei para o tanque inferior, onde visualisava direitinho a diminuição do preciosíssimo líquido.

 

                        Catei o mapa e medi os dedos que faltavam para chegar a Novo Cabrais. Também medi quantos dedos de combustível me restavam. A seguir apliquei um método rigorosamente científico de comparar dedos no mapa com dedos no tanque. A dedologia friamente calculada era implacável: somente a gasolina do tanque inferior não me levaria até lá. Quanto tínhamos em cima? Ninguém sabia. O jeito era pegar a rapa do tanque de baixo, passar para o superior e, na primeira tossida de ar, mudar de novo para o inferior e escolher o melhor pouso embaixo, questão duns quatro minutos de vôo.

 

                        Faltando meio dedo no mapa, lá se foi o tanque reserva. Passei para o normal e não sabia mais se olhava em frente ou se cuidava a primeira bolhinha de ar que passasse pela mangueira, a fim de acionar o reserva de novo, sem apagar o motor.

 

                        E nesse pavor fiquei até um quarto de dedo, já vendo a pistinha, mas sem ter a certeza de que lá chegaria.

 

                        Pois cheguei.

 

                        Começamos a pôr combustível. Parecia que os tanques estavam furados, pois não paravam mais de aceitar gasolina. Por mais uns cinco minutos de vôo, lá estaria eu mais uma vez pousado fora.

 

                        Fim do “Capítalo”

                     Segue na próxima postagem ...

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 Avião Agrícola Explode no Ar - Chile

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Pilotagem de Risco 


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Caça Mergulhando no Mar 


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