domingo, 31 de março de 2024

O Maratonista e o Piloto


 

Acompanhando o Forum da ABUL, numa oportunidade, o Ceotto repetiu que não existe almoço grátis. Em outras palavras, tudo tem seu preço.

 

Ser piloto tem o preço em pilas e o preço em outras moedas.

 

Como estou com o espírito maratonista bem aguçado, por haver completado a minha 33a. Maratona há poucos dias, achei bom dar uma escrevinhada comparando piloto e maratonista, categorias a que tenho a honra e o orgulho de pertencer.

 

Ser piloto e maratonista é um privilégio e uma conquista de poucos.

 

Sobre ser piloto muito já escrevi neste bloguezinho. Sobre maratonas, pouco, mas vou dar uma misturada nas coisas e acho que com fundamento.

 

Todo o piloto ou pretenso piloto que se meteu a voar sem preparo, acabou se dando mal. Para os afoitos, voar é a coisa mais simples do mundo. E já houve casos de loucos que, sem uma única aula, sem um único duplo quiseram se meter de pato a ganso. Infelizmente, num dos casos o preço foi altíssimo e não preciso esclarecer qual.

 

O maratonista que se meter a fazer os 42 km sem um mínimo de preparo, ou não terminará, ou terminará aos bagaços, com dores até na ponta dos cabelos, esgotamento total e, por cima, correndo o risco de sofrer um mal súbito, mesmo que seja guri novo. Um velhote de 58 anos que nem eu, então, se não tiver cuidado, está frito em pouca banha.

 

Mas como um e outro conseguirão o preparo?

 

Aí é que a porca torce o rabo.

 

O piloto terá que estudar um monte se quiser passar no exame teórico. A saúde deverá estar dentro dos conformes. Depois vem a instrução prática e aí é que se vê quem tem vocação ou está no meio só de curioso. O corredor vai ter que ler um pouco, também. No mínimo conseguir informações com veteranos, que sabem o caminho da roça. Na parte prática é que vem a problemática: sair a correr sozinho, horas e horas, dia após dia, com sol ou chuva, com frio ou calor, com boa disposição ou num bruto cansaço, requer uma disciplina e uma força de vontade medonha. Maratonista é um cabeça-dura, não duvide. Se encasquetar em fazer algo, favor sair da frente, que o sujeitinho só vai se acomodar depois de conseguir, não importando as dificuldades. Isto porque somente um teimoso conseguirá completar uma planilha de treinos para uma prova de 42 km. E planilha com menos de 700 km, nem pensar.

 

Tem piloto que, para não levantar cedo, só quer chegar no aeroclube depois do meio-dia, fazer um voozinho na hora mais turbulenta e depois ir embora. Ora, voar com térmicas, ventos e quetais até ajudam, mas depois de um certo patamar de preparo, nunca no início, quando se precisa avaliar a ação progressiva dos comandos e a reação da aeronave. Com uma térmica dando um pataço numa das asas, o novato nunca saberá se a asa subiu porque o dito deu um pouco de aileron ou se houve alguma ação miraculosa ...

 

E faço um dos meus milhares de parênteses:

 

Estava este manicaca no estágio que vai do primeiro vôo solo à confirmação do dito.

 

Vôo, outro vôo, mais outro, ad perpetuam, como diriam os meus colegas causídicos, e nada dos instrutores confirmarem o solo.

 

Até que um aluno, mais antigo do que eu me chamou num canto.

 

- Barbosa, tu não tá vendo que eles querem é ver tu gastar um monte com horas e nunca vão te dar a dica sobre como evitar o desperdício de dinheiro. É claro que voando nas horas turbulentas, quando até eles sofrem para pôr o tequinho no chão, eles não vão se arriscar a te largar num solo, e com razão. Bem que podes fazer uma cacaca.

 

E acrescentou:

 

- Pelo que eu vejo, tu estás voando bem. Num horário sem turbulências, com certeza podes sair a voar solo sem nenhum risco. Então, enquanto não confirmar o solo, só marca vôo no início da manhã ou à tardinha.

 

"Tiro dado e jacu deitado." No primeiro dia calmo em que voei, confirmado o solo, mas lá se tinham ido quase oito horas e respectivos pilas. E com isso dá para ver que fui um aluno queixo duro, dos que demoram a aprender as coisas... Ainda bem que quando aprendo, dificilmente esqueço.

 

Retomando o fio da meada, tanto um maratonista, quanto um piloto precisam abrir mão de certas coisas, se quiserem obter algum sucesso nas corridas e nos vôos. Lembrando que, se um maratonista planejar mal uma prova e "quebrar" no meio, o máximo que acontecerá é ter que voltar para casa de táxi. Já um piloto ... Então, esse tem que ter muito mais dedicação, perseverança e força-de-vontade para estar sempre aprendendo e evoluindo.

 

Um corredor que queira viver nas baladas estará virado num chapéu velho no dia seguinte. O piloto, além do cansaço, vai estar com o psicológico também meio esgualepado. Ainda mais se foi dormir em branco ...

 

Quanto a ser "louco", nas duas categorias, só poder dar merda.

 

O maratonista louco vai forçar a barra nos treinos, arrumando uma lesão muscular, um esgotamento e, até, as famosas fraturas por estresse. O piloto louco, vai impressionar os loucos sem coragem, nunca os corajosos sem loucura, mas, mesmo que tenha nascido com a quina virada para a Lua, um dia vai lenhar o avião e, se o anjo-da-guarda estiver cansado ...

 

Resumindo, até porque fui fazer um treininho - corri quase uma hora depois de haver relaxado por umas semanas, após a Maratona de Porto Alegre - e estou cansado, nem um, nem outro chegarão a algum lugar se quiserem levar a coisa na flauta, na moleza, na sombra-e-água-fresca.

 

Disciplina, perseverança, força-de-vontade e caldo-de-galinha não fazem mal a maratonistas, a pilotos ou a quem quer que seja que leia este escrevinhador preguiçoso, desorganizado, que não tem ânimo nem para concluir dentro dos conformes um artigo que começou ...

 

E mais não escrevo porque não sei!

 

Bons vôos aos meus cinco leitores e eventuais pilotos e maratonistas!

 

domingo, 17 de março de 2024

Não Embrabeça seu Anjo


 


 

Estive lendo um tijolão publicado no forum da ABUL, escrito pelo Matta Machado, sobre sua experiência com os CBs.

 

Todos cometemos erros e, felizmente, em muitas das cagadas, o preço pago não é o mais alto. Foi o caso, onde o preço ficou no susto e suadouro. Mas como nem sempre as coisas terminam tão bem, ele resolveu tornar pública a aventura, para nos alertar.

 

Como dizia o esquartejador, vamos por partes:

 

Atender ao pedido de estranhos à aviação para fazer um vôo de risco é pedir para levar. Claro que todo o pai se amolece quando o pedido vem de algum projetinho de gente, com os olhinhos brilhantes de sede por aventura.

 

Cuidado: o adulto, o responsável, o capaz de avaliar riscos e ameaças somos nós, não as crianças. Elas confiam cegamente no seu maior herói, no super-homem, naquele que tem a coragem e competência de enfrentar os céus e as distâncias. É melhor decepcionar nossos fãs, diminuir um pouco a intensidade da aura de herói e continuarmos vivos, inteiros, em família.

 

Fazer um vôo de longa distância, num Corisco, aviãozinho bom, mas monomotor, em período conhecido como de intensas variações climáticas, pairando por horas sobre uma camada branca, ainda que em vôo sereno, é assumir risco graúdo. E se o motor, por mais confiável que seja, por melhor manutenção que tenha, inventar de perder rendimento ou, pior, ficar bem quietinho? A velha lei de Murphy é implacável - se pode dar errado, vai dar errado. E esta leizinha desgranida pode ser aperfeiçoada: o errado quase sempre acontece na pior hora. Pane no solo ou no circuito de tráfego é raríssima. Aliás, se a gente soubesse quando aconteceria a pane, elas estariam completamente banidas. Ninguém voaria sem antes fazer conserto, a revisão, etc., é evidente.

 

Pois bom, lá se ia o homem, meio alheio aos riscos que buscava.

 

Para completar, se foi tarde a dentro voando acima da camada, mesmo sabendo da possibilidade do surgimento dos CBs.

 

Atendendo à Lei de Murphy, eles surgiram.

 

Um erro nunca anda solito. O somatório iniciou com a decisão pelo vôo numa estação imprópria para aquele tipo de percurso, seguiu na insistência em permanecer sobre a camada com monomotor espartano de instrumentação, quis ir um pouco além, voando à tarde em época de CBs e, completou-se quando avistou um de nossos maiores inimigos e inventou de enfrentar a fera. Está certo que tinha medo de ficar com o combustível no crítico, mas, acredito que ainda assim, seria preferível isto a entrar na pauleira, cuja verdadeira força destrutiva não se podia avaliar. Vários equívocos que todos podemos cometer, mas todos simultaneamente, é nitroglicerina pura.

 

Como dizia minha avó, teve mais sorte do que juízo e o CB não era tão brabo, aliás, devia ser um dos mansos. De um CB de respeito, dificilmente um Corisco sairia ileso.

 

Felizmente tudo terminou bem, mas podemos dizer que ele não precisa mais jogar na loteria. Já ganhou sua mega-sena! Ele e a família estão inteiros.

 

Fico, sinceramente, com receio de escrever sobre erro dos outros, porque estou consciente de que já cometi muitos e que ainda vou cometer alguns, embora faça o possível para evitar.

 

Sou um piloto relativamente experiente. A sorte tem me ajudado e um pouco de preparo já me livrou de poucas e boas. Em oito panes, sendo duas de decolagem, consegui manter o nível de coragem acima do nível da bosta pelo cagaço, terminando os "causos" ileso em cinco casos e com um leve arranhãozinho na sobrancelha num deles, ainda que tenha lenhado feio o tequinho em duas ocasiões.

 

Tenho, entretanto, o maior respeito pela força da natureza. Já peguei algumas turbulências brabas, ventões de través de arrepiar na hora do pouso com pandorguinhas leves como Netuno, 15 BIS e Kitfox com trem convencional. Nunca, porém, tive o peito de enfrentar camada por horas, aliás, ultraleve não deve fazer isso nem por minutos e se o CB está pensando em se formar, compro uns dez tubos de Super Bonder, colo meus pés e os pneus do aviãozinho no solo, que é onde a gente deve estar quando aquelas nuvens bonitas de se olhar enfeitam os céus deste Rio Grande de Deus nas nossas imprevisíveis e quentes tardes de verão.

 

Nunca se sabe o dia em que o anjo-da-guarda está de férias, pegou um resfriado, ou, pior, já cansou das nossas aprontações...


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Pedido de Ajuda

    Atendendo ao pedido da multidão de leitores, perseguidores ou coisa parecida (quatro garantidos - o resto ...), estou organizando o livreco com minhas escrevinhações relacionadas com a aviação. 

   Na década de 80, escrevi no jornal Esportemotor, em Porto Alegre e era bem lido. Na década seguinte publiquei um livrinho analógico, independente, com minhas aprontações de Piá de Estância (tenho exemplares amarelados disponíveis). Lá por 2010, sei lá, comecei o Blog do Barbosa Lambe-Lambe. Teve mais leitores do que tenho agora e não sei explicar o motivo, pois a internet tá muito mais acessível. Acho que estou emburrecendo e escrevendo pior a cada dia que passa ... 

    Apesar dessa "grande experiência" , nunca publiquei um livro, digamos, oficial. Com ficha catalográfica, essas coisas. 

    Esse tal de e-book, então, nem pela frente das casas passou ...

    Se alguém tiver experiência no assunto e quiser me dar algumas dicas, informações sobre eventuais editoras idôneas, publicação virtual, esses troços, eu e os quatro leitores agradecemos.

    No meu Face aparecem muitas editoras oferecendo seus préstimos. Mas a gente anda escaldado ...

    Ah, até me ocorreu a ideia de lançar um livro tipo novela: a cada semana uma publicação nova. Seria como assinar um jornal semanal  - que tal o cacófato bagual ? Existe isso? 

    Agradeço a quem puder ajudar.

    Bom domingo!

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domingo, 3 de março de 2024

Do Céu para o Céu

 

            Do Céu para o Céu

 

            É difícil de se encontrar uma criança que não queira andar de avião. Uma que outra, pelos mais variados motivos, como por exemplo adulto imbecil, fica traumatizada antes de sequer entrar num objeto voante.

            O idiota, que sempre foi um cagão quer transmitir seu legado de covardia e escolhe uma criança inocente como vítima, privando-a, assim, do maior prazer que qualquer humano pode ter: enganar a lei da gravidade e sair pelo espaço, livre como só os pássaros sabem ser.

            O fato é que nove em cada dez crianças sonha com o dia em que poderá entrar num avião, saltar de para-quedas, voar de asa delta, parapente, paramotor, paratrike, trike e outros insetos voadores.

            E do alto dos seus treze anos, a menina-mocinha Dafiny, uma mineira sorridente e simpática andava por sua cidade, Sete Lagoas, vendendo cones e bombons de chocolate juntamente com sua mãe, Karine.

Para incrementar as vendas a mãe decidiu subir com a filha até a Serra de Santa Helena, onde havia uma rampa de decolagem. Isto pela manhã, quando Dafiny vendeu um cone de chocolate ao piloto Gilberto Araújo, experiente com mais de vinte anos de voos pela região. O piloto comeu o chocolate enquanto conversava com a menina e, tocado pela simpatia da pequena vendedora deu-lhe uma gorjeta de 10 reais.

            Agora prestem a atenção ao que nos ensina esta adolescente: ela não chegou pedindo para que o Gilberto a levasse num voo sem qualquer pagamento. Ela falou que tinha o sonho de “andar nisso aí”,  pois não sabia nem o nome correto do equipamento. E, em prática de comerciante que era, perguntou “quanto custa um voo?”

            - Duzentos e cinquenta, trezentos reais, depende.

            Olhem o respeito para com o trabalho dos outros: ela não pediu para voar de graça, não reclamou do inatingível preço para as suas condições financeiras.     Sequer pediu desconto.

            Simplesmente achou justo o preço, pois por trezentos reais ela estaria realizando um dos seus maiores sonhos.

            - Moço, eu vou trabalhar bastante, vou economizar e um dia eu volto aqui para voar.

            Aquela atitude comoveu o experimentado piloto. Eu, que vivo aturando sovinas que acham caras minhas fotos aéreas, sei o quanto é bom quando alguém acha o preço justo ou não reclama. E conto nos dedos os compradores que em quarenta anos de fotos aéreas falaram que realmente o que se cobra é o que fica bom para vendedor e comprador. Em quase quarenta e um anos de vendas somente um cliente achou barato e não estou mentindo. Por  sinal o sujeito é meu amigo e quando achou baratas as fotos que comprou, ainda não era piloto nem tinha avião, helicópteros essas coisas. Pela raridade do comportamento cito o nome  e apelido: Carlos Roberto Praetorius, vulgo Karlchen.

            Claro que a atitude corretíssima da Dafiny deve ter impressionado o Gilberto, que,  certamente, vezes sem conta deve ter ouvido gente de posses achar “um roubo cobrar 300 reais por um voozinho num equipamento que nem gasolina gasta”.

            A Dafiny tavez ou quase certamente não sabia que sua correta maneira de encarar os negócios é raridade e o Gilberto ficou impressionado.

            Pois bem, mãe e filha, quando voltaram à tarde foram surpreendidas com o Gilberto perguntando à mãe da menina se ela autorizava o voo, pois ele decidira realizar o sonho dela, sabedor, que para uma vendedora de doces na rua, economizar o valor do voo não seria fácil.

            Autorizada a menina a realizar seu sonhado voo, a Dafiny que já tinha sempre um sorrisono  rosto,  ficou com a boca nas orelhas de tão contente.

            - É hoje que viro super-heroína, falou para o vídeo que sua mãe gravava.

            Decolaram.

            Tudo dentro da normalidade, foram até  a igrejinha, que deveria ser um ponto de retorno usual para os voos que o Gilberto fazia e começavam a voltar.

            - Viu como é bom! Não precisa ter medo.

            Foram suas últimas palavras.

            A Dafiny estranhou o silêncio e, quando olhou para trás, entrou num filme de terror ao vivo.

            Gilberto Araújo, o piloto que realizara seu sonho partira em seu último voo.

            Somente seu corpo estava no parapente junto à apavorada Dafiny.

            - Moço, não faz isso comigo, não! – alimentando a esperança de que ele estivesse apenas querendo assustá-la um pouquinho.

            Mas ele estava com o jeito de morto, mesmo, olhos arregalados. Não fazia  qualquer movimento de pilotagem, quieto.

            O sonho realizara-se e junto trouxera o pesadelo.

            Vieram os gritos de socorro da apavorada mocinha.

            Há quem diga que o Gilberto ao sentir-se mal, já tentara direcionar o voo para um local o menos perigoso possível para um pouso forçado. Pode até ser que ao falar “Como é bom, não precisa ter medo” ele já estivesse com problemas e aquilo seria apenas uma forma de, se possível, levar o equipamento até o solo sem que ela soubesse que não havia mais piloto.

            Dafiny ainda tentou reanimar o comandante, dando tapinhas em seu rosto pensando que pudesse ser apenas um desmaio.

            Não era.

            E, logo após, nos termos que eu conheci no meu cursinho de asa delta, arborizaram, sem ferimentos à passageira.

            Quem sabe o mesmo ser que chamou o Gilberto para outro plano veio e assumiu o comando.

            Dizem que o Porteiro, lá em Cima, quando viu um paramotor se aproximando deu ordens severas para  não houvesse a normal burocracia celeste e que uma esquadrilha de anjos recepcionasse o novo habitante.

Ordenou que lhe fosse reservado um lugar de honra nos hangares eternos. Mandou ainda  que a ACAC (Agência Celestial de Aviação Civil) fosse mais rigorosa nos exames de saúde de todos os voadores celestiais, fossem anjos, humanos, aves de grande e pequeno porte, para evitar que meninas como a sorridente Dafiny não chegassem antes da hora àquelas paragens.

E lá de cima o comandante Gilberto Araújo era todo sorriso.

Sua última ação na Terra fora realizar o sonho da sorridente Dafiny.

Se isso não é passagem direta pro Céu, me indiquem outra.

Roque Gonzales, 03 de março de 2024.

           

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As vendas devem ter diso boas porque as duas resolveram voltar à trde