sábado, 26 de fevereiro de 2011

Provérbios adaptados

   Um operador tinha em sua equipe piloto e co-pila mais do que dorminhocos. Viviam chegando atrasados para os vôos e até houve casos em que até perdeu clientes por causa do excesso de sono dos rapazes.
   Mas eram bons pilotos sob todos os outros aspectos e, por isso o dono da empresa resolveu ir para a base e dar uma dura nos dois.
   Todos os dias ele, o proprietário, colocava o despertador nas seis horas e ia fazer os dois pularem da cama, mesmo que não houvesse vôo, só para aprenderem e acostumarem com o horário de levantar.
    Qual é o ditado que se adapta ao caso?



"O olho do dono acorda os dois!"

E o adicional de periculosidade?

E tem gente que acha que vida de piloto agrícola é fácil. É um tal de mergulha depois do mato, chama antes da cerca. Vacilou, tá feita a lambança.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Falta de Relho


Não "hay" gaúcho covarde,
Que se entregue sem peleia.
Se a "cosa" se pára feia,
Se o talho é grande e se arde,
Meio quieto, sem alarde,
O taura segue seu trote.
Mesmo que o sangue brote,
Segue tranqüila a viagem,
Com sangue-frio e coragem,
Calcula a hora do bote.

Que o gaúcho não leva
Pra casa algum desaforo,
É dito a que se faz coro.
E se algum índio maleva,
Da noite aproveita a treva,
Para sujeira aprontar
E a guaiaca rechear,
Mesmo na escuridão
Há de encontrar um peão
Prá canalhice parar.


 
Os campos de aviação,
Há muito tempo surgidos,
Hoje estão sendo engolidos
Pela especulação.
Hay plata, muita ambição,
Canalhice, falcatrua.
Esta é a verdade crua:
Gente que ganha pila,
Se outro direito aniquila,
Não envermelha nem sua.

Lá pras bandas do Nordeste
Um prefeito apareceu,
Noite escura que nem breu,
Num proceder cafajeste,
Feito um Bicho-da-Peste,
Se achando o maioral,
Era o enviado do Mal,
Para destruir a pista,
Mas não prá baixar a crista
Da grande Andressa Amaral.

Se fosse gaúcha a prenda
Não seria mais valente.
E este tipo de gente,
Que nunca se encontra à venda,
Faz com que se reacenda
Em nós ainda a esperança:
Gente que não se cansa;
Dom Quixote em seu caminho;
A corrupção é o moinho
A destruir com sua lança.

Fico meio envergonhado,
Não pelo tal de prefeito
De João Pessoa , em seu jeito
Muito mal-intencionado.
Mas, segundo informado,
Muita gente reclamou
Fez barulho, esperneou.
Mas, na hora da precisão,
Ficamos só na intenção,
Somente a Andressa encarou.

Se o prefeito destruiu,
Patrimônio da União,
É porque tinha na mão
Trunfo que só ele viu.
Mas a Justiça reviu
A ordem e o meu conselho:
A quem voa de "aparelho",
Com ou sem liminar,
É o de se  aplicar,
No maula, surra de relho ...!!!

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Pois na semana passada um dos guaipecas aqui da Chácara apareceu com sintomas de envenenamento.

   Em questão de horas, o "Lobo" foi andejar no Céu da cachorrada.

   O que mais doeu, não foi a morte do bicho, mas o sofrimento. Se realmente foi envenenamento proposital, quem faz isso, nem merece qualificação.

   Era um cusco dócil, uma cruza de ovelheiro (Collie, para os metidos), com policial (Pastor Alemão, para os que se acham ...). O mais obediente da Chácara.

   E de uma paciência com criança ...

   O ilustre fotografado junto com ele, já levantava procurando pelo "Meu amiga Lobo" ...

   O Lobo era tão "Seu Amiga", que um dia, quando o pai do piá queria que ele dormisse, ele, não querendo dormir, tentou a seguinte chantagem emocional:

   - O papai não é meu amiga, a mamãe não é meu amiga, a vovó não é meu amiga, o vovô não é meu amiga, a tia não é meu amiga, o tio não é meu amiga. Só o Lobo é meu amiga ...
O "Meu Amiga Lobo" quinze dias antes do envenenamento.

O "Lobo", quando chegou na chácara.

Quando este escrevinhador era guri, também teve um outro cachorro morto por envenenamento.
Estou anexando a crônica sobre o caso.


Praga de Guri

Lá na Palma, como em muitos lugares, os fazendeiros têm a mania de colocar "bolas" para matar cachorros, quando desconfiam que algumas ovelhas estão sendo comidas pelos eles. Comendo um desses pedaços de carne envenenada (agora sei que usam estricnina) é morte certa para o cusco.

O errado disso é que as ovelhas podem estar sendo comidas por sorros, guarás e outros bichos, incluindo-se aí, principalmente, os abigeatários. E, mesmo que fosse algum cachorro, como justificar a colocação de "bolas" que podem ser comidas por um cusco que nada tem a ver com a história?

A gente sempre soube o nome dos fazendeiros e fazendeirotes que costumavam fazer isso. Por falta das tais provas, não vou citar o nome deles, para que este livrinho de crônicas não dê origem a um escrito grandioso: "Memórias da Cadeia", principalmente porque não teria condições de competir com as "Memórias do Cárcere" do Graciliano Ramos.

Assim, a única coisa a fazer era, quando se ia para os lados das terras dos malevas, evitar que a cachorrada fosse junto. Mas, e quando o cusco farejava alguma cadela corrida pela redondeza. Como evitar a gauderiada do bicho?

Com o "Dudu" sempre tomávamos todos os cuidados. Apesar de tudo, um dia apareceu tossindo e vomitando. Deitou-se embaixo dum cinamomo e só se levantava para tossir e vomitar de novo. Demos leite, carvão moído com leite, tudo o que diziam que era bom. Mas seu estado se agravava a cada hora. Passou mal toda aquela tarde. Entrou a noite e nada de melhorar.

Na minha oração de antes de dormir, pedi com toda a fé que Deus o salvasse. Dormi sonhando com meu cusco bom e faceiro, pulando macega e buscando vaca.

Na manhã seguinte estava tão fraco que nem conseguia se levantar. Empurramos mais um pouco de leite com carvão moído goela abaixo, numa última tentativa de salvá-lo.

Antes de sair para a escola me acocorei ao seu lado e fiquei um tempão acariciando seu lombo, sua cabeça. Ele mal conseguia abrir os olhos, mas quando o fazia, um mar de tristeza me fitava e minhas lágrimas caíam sobre seu focinho.

O Dileu e a Valdeci já iam longe quando consegui largar meu cachorro. Não fiz questão de alcançá-los e segui caminhando solito. Aquela dor era só minha.

Na aula, não consegui me fixar em nada. Só queria que chegassem duma vez as onze e meia. Não esperei ninguém na saída e me fui na frente, esquecido do bodoque, das carreiras de guri e demais brinquedos. Só pensava em chegar logo.

Fui direto ao cinamomo. Não estava lá.

Com o coração aos pinotes corri à cozinha para ver se falava com a Vó. Podia ser que ele tivesse melhorado e até andasse caçando preá. A esperança é a última que morre.

Estava sentada na cadeira de balanço, chorando.

Compreendi e perguntei, gaguejando:

- Onde?

- Atrás do galpão.

Fui correndo. O vento leste estava forte e assobiava triste nos arames da cerca.

O coração de guri ficou pequeno para tanta dor e não consegui chorar.

Quando o Dileu chegou, passamos uma corda pelas espaldas do Dudu, amarramos a outra ponta no meio duma trama de cerca e nos fomos, feitos junta-de-bois, levá-lo para longe de casa, onde viraria carniça. Não sei por que não nos ensinavam a enterrar os bichos mortos.

Deixamos na beira do banhado e voltamos sem falar nada.

Não quis ver meu amigo estragado pelos corvos. Só meses depois fui até lá. A ossada estava espalhada, mas a cabeça ainda conservava todos os dentes no lugar.

Eram dentes brilhantes. Bonitos.

Ali, enquanto relembrava o Dudu nos dias quentes de verão, depois duma caçada ou lida de campo, suando com toda a língua de fora, dentes à mostra, roguei uma praga que, parece, pegou valendo.

Nunca vi, numa mesma região, tanto fazendeiro indo ao dentista.

Botar chapa, como diziam ...

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Carta do Deoclécio

Recebi mais uma carta do peão do Alegrete:
   Tchê, Lambe-Lambe:
   Tô aqui nas praia tentando me arrecuperá da desgranida da gripe-do-porco.
   Mas como o vivente vai se encalibrá, se toda a veiz que bombeio o mar, dô de cara com um multidão de polpa, cada qual melhor.
  Até os pensamento do cristão vão consumindo energia, se usted me entende?
   Aqui tem passado muito apareio com uns letrero pindurado no rabo. Veiz por otra uns ultraleve modernoso, que mais parecem avião de carrera do que teco-teco...
   A Claudia anda meio enciumada com minhas bombeada pras prenda de calcinha e corpinho. Até comprei uns óculo de sombra espeiado pra bem de disfalçá. Torço o pescoço prum lado e cravo os zoio pra otro ...
   Acho que em março volvo prás lida e pro curso de apareio. Isso se não ficá tuberculoso de tanto gasto de energia. Devagarzito tô arreglando força.
    Um quebra-costela do amigo
    Deoclécio

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Agradecimento tardio

   Quando estive hangarado em Cachoeira, além de ser bem tratado pelo guarda-campo, Sr. Airton, o já mencionado povo da SK aeroagrícola,  não posso esquecer  da Aeroagrícola Santos Dumont, especialmente o Sr. Bernardi.
   Há uns três anos, numa de minhas outras andanças por aqui, ele teve a coragem de deixar um avião seu no relento, para ceder o lugar ao 15 Bis. Quando disse que aquilo até era um desaforo de minha parte, desalojar um avião dele, por causa do meu, foi incisivo:
   - O meu é avião metálico e o teu é de lona, que se ressente muito mais com a exposição às variações do tempo.
   E não se contentou enquanto não viu meu tequinho bem guardado.
   Agora, nessa última estada por Cachoeira do Sul, sempre me cedeu gasolina e, quando notei um pequeno furinho no escapamento do Kitfox, mandou seu soldador parar tudo e consertar o tequinho. O serviço, aliás, ficou melhor do que uma surdina nova.
   Em todos os aspectos da vida da gente, sempre enfrentamos dificuldades e, às vezes, temos vontade de desistir. Na aviação não é diferente. Mas pessoas como o Sr. Bernardi e tantos outros amigos que  encontramos,  nos encorajam a não entregar a rapadura.
  
  

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Vôo em Formação


1) "Erar é umano".

2) Voar é com os pássaros.

3) Depois de milhares ou milhões de anos o homem conseguiu voar.

4) Insatisfeito, inventou de voar em bando.

Agora vamos tentar ligar cosa com cosa, como diria o Deoclécio.

A verdade é que ninguém é perfeito e acaba fazendo suas cagadinhas, adas e onas.

No contexto geral da vida, às vezes uma baita burrada causa pouco prejuízo; noutras uma cagadinha de nada faz um estrago daqueles.

Em aviação todo erramos. Felizmente a maior parte dos erros que cometemos não são pecados mortais. Mas certos erros não perdoam e custam muitíssimo caro. Assim, o jeito é a gente ir evitando o máximo possível deles.

Nunca procurar situações em que eles estejam possam nos surpreender é uma das melhores formas de evitá-los.

Pois conseguimos realizar o grande sonho de voar!

Somos quase-pássaros. E eles também erram.

Nós que não nascemos com esse dom, que o adquirimos durante a vida, com muito suor, pilas gastos e lágrimas, deveríamos nos conscientizar da verdadeira situação, no que respeita ao ato de voar: usurpamos uma vocação do estoque da mãe Natureza. Só que ela cobra o preço por essa usurpação. Não admite que cometamos aqui a mesma quantidade de erros, nem que cheguem, sequer, perto da gravidade dos que praticamos pela vida a fora.

Voar é maravilhoso e dizer isto para os que me lêem é até uma redundância.

Se é maravilhoso, por que não curtimos essa maravilha e não paramos de aprontar?

Em meus vôos, como muitos de vocês, volta e meia me deparo com urubu, garça, joão-grande, voando calmo, gracioso, tranqüilo, até que vem aquela coisa rápida e barulhenta esculambando toda aquela paz.

Fico imaginando o monte de palavrões da língua deles que devem usar quando a gente passa ...

Mas, capaz que o ser humano fique contente com o que já tem! Se anda a pé, quer uma bicicleta. Se tem bicicleta, quer moto. Tendo moto sonha com um carro, e caro. Se tem o dito busca um ultraleve e conseguindo, dá um jeito para que o ultraleve seja um avião de altíssimo desempenho, mesmo que não tenha a cultura aeronáutica indispensável para voar numa máquina dessas.

E nessa busca de desafios tem gente que cai na tentação de voar em grupo.

Voar sozinho já não é uma coisa tão fácil e aí, justamente, está o erro: o de se pensar que voar não é difícil. Muito novato, com qualquer duzentas horas de vôo já pensa que é piloto. Pensando que é, não resiste à tentação de provar que é melhor do que ou igual aos veteranos.

Voar é difícil, sim, principalmente para os que sabem. O vôo barbadinha é uma sereia que nos encanta e tem gente que não consegue ignorar seu chamado.

Se voar sozinho não é assim, tão simples, vôo em formação, é muito mais difícil, pois ali temos que nos preservar dos próprios e dos erros alheios. Quem estudou progressões matemáticas sabe: num vôo em formação as possibilidades de zebra crescem em progressão geométrica, pois as minhas chances de erro, juntadas às de cada um dos alas eleva o perigo a um grau elevadíssimo, desculpando o trocadilho.

É por isso que o vôo em formação somente é permitido a quem já tenha feito um curso para tal. Quem não fez, que não se meta. A vida é muito frágil para a gente cutucar a cobra com varinha curta.

Nossos colegas talvez nem tivessem consciência do perigo a que se expunham quando decidiram voar em formação. Podem até haver pensado que bastava manter uma certa separação e estaria tudo bem. Pois o segredo está justamente aí, em manter a separação segura e é para isso que se faz cursos.

Nunca voei em formação, apenas aproximei-me um pouco de um outro ultraleve, não gostei da experiência e me mandei a la cria, que não tenho meu couro para negócio.

Também tenho muito medo de voar nas famosas festas aviatórias. Vem gente de tudo quanto é lado, em tudo quanto é avião, com tudo quanto é nível de pilotagem. Infelizmente, volta e meia dá a lógica.

Fico meio constrangido em dizer que, ao ver o programa do último ENU, observei a programação de uma revoada aos canyons, ficando com os cabelos em pé de medo com o que pudesse acontecer. A lista de inscritos era de 143 aeronaves. Digamos que cem delas fossem participar da tal revoada. Sabem o potencial de risco de cem aviões das mais diferentes performances e velocidades, pilotados por gente que não se preparou para a manobra, voando numa região montanhosa, sujeita a turbulências orográficas e mudanças bruscas de tempo? TNT pura. Parece que por restrições impostas por São Pedro a tal revoada não saiu.

No Rio de Janeiro bastaram dois ultraleves próximos, com turbulência para acontecer o pior.

Tudo envolve riscos. Voar é seguro e perigoso ao mesmo tempo. É seguro em relação a andar no trânsito louco de nossas ruas e estradas. É perigoso em relação às falhas da máquina e, mais, ainda, nossas falhas.

Nietzke dizia que "Viver é muito perigoso", no que foi seguido por Guimarães Rosa.

Tem a música aquela que fala que a gente mal nasce, já começa a morrer.

São verdades contra as quais nada podemos fazer.

Mas não devemos tornar o ato de viver, que já é perigoso, mais perigoso ainda.

Vamos deixar a natureza seguir seu curso e que nos leve quando for chegado o momento, nunca porque resolvemos adiantar o relógio.