sábado, 1 de agosto de 2020

Da Adrenalina Eu Fujo

         A Questão da Adrenalina

 

         Essa história de correr atrás de adrenalina é, na verdade, muito polêmica.

         Essa rapaziada dos esportes radicais alega que nada melhor do que buscá-la, curtir a dita correndo no sangue, etc. e tal.

         Na verdade, essa busca, em noventa por cento dos casos, nada mais é do que a falta de consciência do verdadeiro risco ou perigo.

         Vou citar um exemplo: estava este humilde manicaca lá no Aeroclube da Montenegro, que na época abrira espaço para uma Escola de Paraquedismo. E nos bate-papos de final de tarde, muito vi a gurizada falando na maravilha de sentir a ação desse “estimulante” natural.

         E falavam numa atitude tal que nós, simples motoristas de teco-teco, não passávamos de  bundões, incapazes de desafiar os riscos dum mergulho a 180 km/h, sem asas, a terra chegando, enfim, uma felicidade privativa deles, os reis dos céus...

         Pois num outro final de dia, eis que me chega um dos tais fãs da “química” exclusiva de sua classe privilegiada, contando do prego que cortara ao fazer navegação num Skylane altamente confiável, o mesmo que já o levara para inúmeros saltos.

         E sabem por que o homenzinho ficara apavorado e tenso durante todo o voo? Alguma pane, motor falhando, possibilidades de falta de combustível, desorientação do piloto, entrada involuntária num CB?

         Na, nani, nanô!

         O rapazinho cortara prego durante todo o voo apenasmente porque era a primeira vez que voava sem estar com aquela mochilinha tão parceira para os mergulhos rumo ao solo. A mesma mochila que lhe injetava  altas doses de adrenalina na emoção indescritível de estar no espaço, livre, o homem mais corajoso e dasafiador de riscos que se possa imaginar ...

         Sentiram? A propalada busca de adrenalina, nada mais era do que a inconsciência do perigo. Paraquedismo até pode ser  mais perigoso do que voar em pequenos aviões. Não há como negar. Mas, se o sujeito se acostuma, dentro em pouco ele esquece dos riscos e salta na maior tranquilidade.

         Pois este manicaca escrevinhador já sentiu várias vezes a injeção dessa poderosa química no sangue. E humildemente digo que nunca gostei da experiência. Jamais a busquei deliberadamente. Para mim, já chegam as oito panes, os três tecos destruídos e outros cagaços. Corro da tal adrenalina como o chefe dos infernos,  da cruz ...

         E tudo isso para contar um causo recente da injeção que me foi aplicada há umas duas semanas ...

         Estamos no inverno e o deste ano trouxe uma geadas de renguear guaipeca. Mas, normalmente, a geada ocorre em dias calmos, sem vento, um tentador convite para voos tranquilos e estáveis.

         Pois o Barbosa, “Lambe-Lambe Retratista”, como diz o Jader Dutra, histórico piloto de São Gabriel, que ensinou o Leonardo Da Vinci a projetar as máquinas voadoras lá na idade média, com a autoridade de seus oitenta e quatro anos, caiu na armadilha.

         Preparou o teco-teco Kitfox, que está à venda –  não por causa desta história e ficou no aguardo duma subidinha da temperatura.

   Aqui o teco, momentos antes de decolar para o cagaço ...         

    Quando o Sol aquecera um pouco o solo e a temperatura andava pelos 12º, o Lambe-Lambe ganhou os céus, faceiro como mosca em tampa de xarope.

         E continuava faceiro até uns 50 minutos de voo.

         Por algum motivo o piloto decidiu reduzir um pouco do giro do motor. Puxou a manete com a suavidade com que se deve tratar uma linda mulher. Nada aconteceu. A manete insistia em ficar na mesma posição.

         “Devo ter apertado demais a rosca da trava” – pensei. Afrouxei um pouco a tal trava, tentei reduzir de novo e, nada. Manete ainda trancada.

         Afrouxei mais um pouco e nada de ceder.

         Até aí a injeção da tão perseguida química era pequena, mas os raros cabelos já não estavam paralelos ao crânio. Andavam pelos 45° de arrepiamento ...

         Dei-me conta da terrível realidade: gelo no carburador!

         Mas não está morto quem peleia: já afrouxara totalmente a trava da manete e continuei tentando reduzir o motor.

         Como a manete estava totalmente desbloqueada e eu aumentasse a força, quando cedeu, cedeu “de um tudo” e o motor caiu bruscamente de giro, só não apagando, por causa da inércia da hélice. Para manter a tal inércia, baixei o nariz, evitando a redução de velocidade.

         “Bom, agora é reacelerar para o giro de cruzeiro”.

         E quem disse que o motor respondeu? Foi um tal de falhar, tossir, peidar, que os cabelos pularam dos 45 para os 90°.

         Para completar, eu que até minutos antes sobrevoava lavouras de soja, agora com azevém, normalmente sem grandes irregularidades de calombos e buracos, agora estava nuns campos de capim Anonni e outros macegões. Pousar ali, pilonagem certa e teco desmanchado ... !!!

            O relevo que me aguardava era este, na realidade, pior.

         Mas, não entrego a rapadura, assim no mais. Resolvi pelear com a manete. Dava uma injetadas, reduzia e nada do motor arredondar.

         E perdendo altura ...

         Quando já me dava por proprietário duma sucata ou fazendo a alegria dalgum dono de funerária, médico ou hospital, eis que o motor volta a funcionar normalmente.

         E agora, José? Reduzir, dar mais giro para aquecer o motor?

         Aumentei um pouquinho o giro, pois, desde os tempos de Aeroclube de São Leopoldo, sabia que motor reduzido contribui para a formação do gelo no carburador. E firmei um compromisso com minha mão, assumindo a firme decisão de só tocar na manete quando estivesse em cima da pistinha lá de casa.

         O GPS indicava mais de meia hora de voo. Que meia hora longa!!!

         Eu sugiro que a ANAC conceda ao piloto que voe nestas condições encagaçantes, pousando o avião de forma a permitir nova decolagem, a autorização para lançar na CIV o décuplo do tempo real de voo. O que é uma medida corretíssima.

         Se vocês estão lendo, é porque o manicaca conseguiu botar o tequinho no chão.

         E sem quebrar!

         Pois como falava, eu não procuro a adrenalina, mas a desgraçada insiste em me procurar. Por que ela não corre atrás dos que alardeiam que são por ela apaixonados? Por que não deixa esse velhinho em paz?