domingo, 13 de dezembro de 2020

O Tempo Passa - os Amigos Permanecem

Aeroclube de Montenegro


        Durante um bom tempo, entre 1997 e 2008 o blogueiro hangarava suas garças em Montenegro.

        Lá ficou, em primeiro lugar o "Marimbondo", apelido dado ao meu Netuno pelo Ricardo, por causa da cor, parecida com a do marimbondo caboclo, aquele da picada doída uma barbaridade e, para os alérgicos, podendo ser fatal. 



      Andei ganhando uma causa como advogado e os pilas permitiram comprar um Kitfox, o PP-ZXP, amarelo, o "Piu-Piu". Esse foi devidamente detonado aqui na chácara, num passeio de final de ano,  31 de dezembro de 1999, em São Vicente do Sul, onde estou morando agora. Houve um desacerto entre o avião e as estroncas duma porteira de lavoura de arroz. Voltei com ele desmontado para Montenegro. 

        

Essa é a foto que eles localizaram nos arquivos do Aeroclube.
                    
Em Montenegro, numa das tantas festas. No primeiro plano, um Tucano e lá no fundo o Kitfox do "Lambe-Lambe". A marca dágua é porque a foto foi feita num conjunto de amostras para clientes. 

Com o pai do "Louro José - Angelo Viegas" - o Ricardo, numa navegação a Bagé.

        Aí os pilas andavam curtos e o jeito foi comprar  o Pober Pixie, de cujo prefixo não me lembro agora. Fiquei com ele hangarado no SSNG até 2002, quando o motor Continental 65 entregou a rapadura, por idoso ...

        Pilas curtos de novo, sabem o que fiz? Recomprei o Netuno "Marimbondo", que ficou comigo até 2004, quando um paulista o levou. 

        Tive a sorte de, com uma pequena quantia além da recebida pelo "Marimbondo" comprar o famoso "15 BIS", construído pelo saudoso Marcos Ramão Ledur. Era um projeto curioso, resultante dum cruzamento de lagartixa com porco-espinho, na realidade dum Netuno com  Kitfox, mas que deu certo uma barbaridade. Tanto é que com seu valente motorzinho VW 1600, um carburadorzinho original, voou comigo até 2010. Neste ano o manicaca aqui, escolheu o dia mais quente, 10 de fevereiro, com temperatura de 40°, para voar. Deu a lógica: o motor superaqueceu, fui pousar numa lavoura de melancia, mas os plantadores agora usam munchões e, sem saber da novidade, achando que era terra plana, fiz o pouso de emergência justo na perpendicular dos tais munchões. 

        

                            15 BIS decolando em Montenegro.

Depois do voo a 40°. 


      Esse foi o último tequinho que hangarei em Montenegro, até 2008. 

        Foram dez anos de convívio com o pessoal, muita festa, muitas cervejadas aos finais dos sábados de voo.

        E as festas de final de ano? Teve uma em que me programei para não retornar a Porto Alegre e dormir no sofá da secretaria. 

        Fi-lo e quem gostou, mesmo, foram os mosquitos, pois eu estava anestesiado ... Acordei com picadura (de mosquito) até embaixo das unhas ...

        Pois dia desses o "Louro José", que é o Ângelo Viegas, filho do Ricardo, me mandou uma mensagem no Face, com uma foto do Kitfox "Piu-Piu". Diz que encontraram remexendo nos arquivos do Aeroclube.

        Para retribuir a gentileza, posto aqui as fotos duma camiseta que adquiri, acho que nos 60 anos do Aeroclube e que, acredito eu, talvez seja a única daquelas que ainda existe. 

            


Aqui, junto com os seguranças, defronte ao luxuoso hangar do "Lambe-Lambe", cujas portas ainda são de lona plástica, por escassez de trocos. 



Junto ao Kitfox atual, que está à venda, o PU-FVC. Dá para ler no logo do Aeroclube: Desde 1949.



Essa é a prova de que a gente não esquece os verdadeiros amigos, tanto que mantenho essa camiseta com cuidados especiais e só a uso em momentos realmente importantes. 

        Meu abraço a todos os amigos de Montenegro e votos de que possamos comemorar a festa impedida deste ano, por causa da Covid, logo, logo. Se não me convidarem, pego os seguranças, o tresoitão, visto a camiseta, monto no Kitfox e vou aí deixar esses hangares virados numa peneira de tanta bala ...
 

sábado, 12 de dezembro de 2020

Primeiro e Único "Looping"


 

            Lá pelos mil novecentos e oitenta e dois anos da Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, andava este escrevinhador metido com  fotografanças e revelaçõeos coloridas no Balneário de Camboriú, no tempo em que lá ainda cabia gente ...

            Pois tirava retrato de crianças na praia, pelo método analógico, ia correndo para casa, revelava em laboratório manual colorido, e, no mesmo dia, antes da noite, lá estava o "Lambe-Lambe" com uns trocados no bolso para pagar aluguel, peixinhos, camarões, etc. ...

            Não deu para ficar rico, mas que veraneei de dezembro a primeiros de abril, ah, isso veraneei ...

            Como já tinha cancha com fotos esportivas, pois durante a temporada automobilística cobria corridas no Rio Grande do Sul, especialmente nos Autódromos de Guaporé e do Tarumã, na Grande Porto Alegre, ao ver o pessoal do voo livre pousando na Praia das Laranjeiras, fui prosear com a rapaziada e oferecer meus serviços.

            Conversa vai, conversa vem, acabamos fechando um acordo onde eles teriam excelentes fotos de seus voos e pagariam com o Curso de Piloto de Voo Livre ou Asa Delta.

            Fechado dito acordo entre partes, lá se foi o futuro homem-voador para a Praia dos Amores, em Itajaí, para iniciar a parte prática do curso, que consistia, inicialmente, em correr na praia, contra o vento, dominando a asa.

            Como fala-se no jargão juridiquês, cumpre salientar que o novel aluno-fotógrafo até aquele momento só tinha como experiência de voo duas viagens a São Paulo, em aviões de carreira. Nunca entrara num teco-teco, ultraleve ou coisa parecida. De aviação pequena e desportiva entendia tanto quanto de capação de touro ...

            Passou-se a primeira etapa das corridas na praia sem maiores surpresas tanto para mim, quanto para os demais alunos e instrutor.  Tanto não houve novidade que, confirmando a fama dos praticantes de muitos esportes radicais, naquela turma, o único que não fumava um baseado era o fotógrafo ... Mas, a bem da verdade, diga-se que o instrutor era severíssimo no zelo pela segurança sua e dos aprendizes. Se pegasse alguém tomando um gole de cerveja ou dando uma única tragada, antes e/ou durante as aulas  pronto, gancho de vários dias sem poder voar.

            Passamos para a etapa dos voos rasantes em descida. A gente decolava e voava a um, dois metros do solo, pousando em frente. Aí tive um pequeno incidente que poderia ter custado caro: lá pelas tantas perdi o controle da asa e, em velocidade, bati com o joelho direito numa pedra. Não quebrei ou desloquei nenhum osso, mas a coisa incomodou durante meses.

            Esse pessoal do voo livre não é de desperdiçar muito tempo. Acho que foram uns dois ou três dias de voos rasantes. Logo a seguir, a hora da onça beber água: voo a partir dum morro de trezentos pés de altura, mais ou menos, na mesma Praia Brava, de Itajaí. Dito morro tinha uma rampa de decolagem improvisada, com mera limpeza de arbustos e outros vegetais parecidos, com um carreirinho por onde a gente devia dar a corrida inicial e partir para o abraço.

            Dia nublado, vento Lestão pegando forte. Os outros colegas de turma já haviam feito o seu primeiro voo e naquele dia o único estreante era o fotógrafo. Um ou dois decolaram na minha frente, pousando sem maiores novidades, na praia, lá embaixo, num campinho de pouso bastante estreito, margeado por uns arbustóides de mais ou menos meio metro de altura, em cuja base  crescia uma dessas ramagens rasteiras cheias de espinho.

            Como era uma única asa tipo "bacalhau" para todos, entre o aluno fazer seu voo, desmontar a asa lá na praia, subir o morro, montar novamente, lá se ia uma hora ou mais. Assim, quando chegou minha vez, era bem à tardinha e o Lestão aumentara.

            - Acho que o vento tá muito forte. Quem sabe deixamos pra outro dia - falei.

            - De jeito nehum, respondeu o instrutor. Ou voa agora ou ficas encagaçado para sempre e não apareces mais. É o que mais acontece. Arrepiou do voo no primeiro dia, quase certo que é um voador a menos. Podes confiar que dá tranquilo.

            Confiei, mas sem tranquilidade ...

            Pois bem, vesti o equipamento, prenderam o "mosquetão" à asa e lá fiquei eu, segurando a "bacalhau" contra aquele baita vento, aguardando o "Vai!"

            E o "Vai" veio, mesmo.

            Dei uns dois ou três passos e em fração de segundo estava eu, sem saber como, em pé, em cima da asa, no mesmo lugar do início da curtíssima decolagem e execução do mais fechado "looping" pós-decolagem de todos os tempos, tudo feito num "cubo" de cinco ou seis metros ...

            - Viram, eu disse que não dava. Taí a prova. O Lestão tá demais. Desisto por hoje.

            - Na, na, ni, na, no. Vais voar, sim, e hoje.

            E o instrutor era categórico.

            - És gaúcho ou o quê?

            Quase que respondo:

            - Sou o "quê", mesmo. E não vou voar.

            Mas tinham mexido com os brios do guri de Santa Maria. Resolvi encarar.

            E lá estava o sujeito pronto para novo "primeiro voo".

            E se veio o temido "Vai".

            Fui, não fiz outro "looping", mas em um segundo o forte "lift" me erguera a alturas estratosféricas, pois vi o instrutor e demais alunos pequeninos lá embaixo, gritando e gesticulando furiosamente:

            - Pica ela! Pica!

            Pelo tom de voz estavam apavorados.

            Encomendei minha alma e tratei de picar o "aparelho".

            Acontece que sou baixinho, braço curto e, para levar o trapézio para trás, a fim de picar,  tive que espichar braços, mãos, dedos, até as unhas. Felizmente a coisa funcionou e a asa começou a andar para a frente.

            "Acho que vou conseguir pousar. Como e onde, não sei".

            A estas alturas estava desalinhado com a pistinha de pouso. Lembrei-me do espinharedo e tratei de corrigir.

            Não é que a asa respondeu? Como não possuía experência com aproximações e pousos, tive a impressão de estar dentro dum grande videogame, onde em vez de sentir a asa se deslocando, via apenas a pistinha mudando de lugar, lá embaixo, muito lá embaixo...

            Mas gaúcho não se afrouxa e, passado o cagaço, deu até para curtir um pouco o voo.

            Tudo correndo nas normalidades, a pistinha aproada, quase chegando, aguardando o "Cabra" do instrutor-auxiliar, lá na prainha.

            Quando ele deu a ordem, empurrei o trapézio para a frente, ao mesmo tempo em que veio uma rajada meio forte, a quarenta e cinco graus pela direita.

            Pronto, lá se foram as pernas e a bunda do voador para o meio do espinharedo. Nada grave, apenas o equivalente a tomar umas quinze ou vinte injeções dessas bem doídas no sentante.

            Um detalhe: foi também meu primeiro e único voo completo numa asa delta. E tão encagaçante e/ou emocionante que, passado muito tempo, toda a vez que ia falar sobre ele, por milagre, vertia suor na palma das mãos ...

            Quase quarenta anos depois, ainda não ouvi falar de quem tenha quebrado o meu recorde "loopístico".

            E foi uma manobra tão exclusiva, perigosa e exigente, que, sabedor da impossibilidade de superá-la, assumi o compromisso de nunca mais fazer um "looping", essa acrobacia "elementar demais".

            Acredite quem quiser, inclusive eu ...