domingo, 27 de agosto de 2023

Confissão: A Foice como Caroneira po Dez Anos


 

            Pois este manicaca nunca foi muito assustado, chegando às vezes a ultrapassar a barreira da coragem, entrando no perigoso e traiçoeiro território da loucuragem.

            E explico:

            Até 1984 minha experiência com aviões e voos restringia-se a umas três ou quatro viagens em aviões de carreira e um curso de voo livre feito pelo conhecidíssimo processo noscoxol.

Quanto a este “curso”, estava o fotógrafo estabelecido com laboratório colorido e tudo em Balneário Camboriú, no ano da Graça de 1981, quando, num domingo à tarde, minha única folga na semana, me fui para a praia de Laranjeiras.

            Lá estava eu, feliz da vida, tomando uma geladinha quando, sem mais nem menos me aparece uma asa delta querendo pousar em plena areia, num baita movimento daqueles. Claro que a concentração de gente era milhares de vezes menor, mas não havia como pousar na areia sem causar um acidente, até feio, com um ou mais banhistas.

            O piloto não teve alternativa senão pousar na água.

            Todo mundo meio assustado, pois já houvera casos em que a arrebentação violenta impossibilitara que o voador pudesse desvencilhar-se da asa antes de ser afundado, vindo a afogar-se.

            No caso, o sujeito era bom no que fazia e soltou o “mosquetão” antes de tocar a água, terminando o voo apenas segurando com as mãos o trapézio, nada de pior acontecendo.

            Eu, que fizera umas fotos do incidente, querendo faturar uns pilas fui falar com o competente voador para dizer-lhe que sua aventura ficara registrada. Demonstrou interesse e me convidou para ir junto com os demais da turma – ele, instrutor e seus alunos - ao alto do morro de onde decolavam. Convite aceito, como sempre fui meio bastante fora da casinha, sem avaliar direito o que falava larguei:

            - Bem que a gente podia fazer uma troca de fichas. Eu registro em fotos as aulas e os voos e vocês me pagam com um curso de voo livre. Fica bom pros dois lados. Vocês não precisam desembolsar dinheiro vivo para terem excelentes fotos e eu, como tenho laboratório próprio, consigo fazer as fotos com um custo mínimo e todos seremos felizes ...

            Pois não é que aceitaram?

            E vejam como as coisas mudaram daqueles tempos para cá: como já era de tardezinha, em vez de montarem as asas em cima dos carros, resolveram deixá-las lá no morro, um pouco afastadas da estrada, mal disfarçadas com umas graminhas que jogamos por cima dos equipamentos. Vai fazer isso hoje e para ver onde vai parar o material...

            No outro dia estava tudo lá. E, repito, estamos falando da mais movimentada praia de Santa Catarina.

            Isso é só para reforçar a tese segundo a qual eu entrei na aviação de uma forma, digamos, meio enviesada.

            Como eu não rendia dinheiro vivo, trataram de me dar um curso superintensivo, com queima de etapas e mais etapas ...

            O meu voo solo já foi contado aqui.

            Três anos depois entrava na fotografia aérea para valer e, de tanto alugar aviões, os pilotos acabaram me convencendo a fazer o PP.

            - O pior tu consegues fazer que é pagar as horas. O PP é uma consequência lógica. Mas não me avisaram que as horas de voos fotográficos não contavam para o PP. Teriam que ser horas exclusivamente de instrução ...

            Voando e fazendo o PP, sem querer, enfrentava algumas situações meio encardidas, pois teve ocasiões em que saí de Porto Alegre, fui a Curitiba e voltei no dia seguinte, tendo no comando um guri com apenas 90 horas de voo, meio assustado com a responsabilidade da navegação. Noutras, em caso parecido, fui a Floripa e voltamos com a ameaça de uma frente fria nos surpreender no retorno. Só pegamos a calmaria pós vento Norte, felizmente, escapando da frente, por um triz. Chegamos no tanto quanto ...

            Levando tanto cagaço e sabendo que o melhor remédio para preservar os ossos inteiros é o tal sangue-frio, fui me acostumando com desafios não programados (inclusive oito pousos fora) a ponto de me apelidarem, numa cidade gaúcha muito hospitaleira, de “Piloco” ...

            Parodiando o Novo Testamento: “E crescia o  piloto nada em estatura e muito pouco em sabedoria ...”

            Seguiam-se os voos fotográficos, coisa de 14.7 h em apenas dois dias e assim por diante.

            Obrigatoriamente, andando por regiões desconhecidas, microclimas também estranhos, volta e meia a cobra fumava, mas, juntando sorte, calma e um pouquinho de competência as coisas quase sempre terminavam bem.

            Mas aí inventei de comprar um ultraleve. Pior, comprei um Netuno. Piorando ainda, no segundo dia da feliz propriedade, já estava devidamente aninhado num bananal, lá em Tubarão – SC, por superaquecimento do motor, coisa corriqueira nos motores VW adaptados nos ultraleves.

            E seguiam-se os pequenos sustos, os médios, os grandes, os medonhos.

            Até aqueles do tipo: “Hoje eu não escapo!”

            Mas fui escapando, tanto que escrevo estas memórias um tanto marrom-amareladas, se é que me entendem ...

            Tive até as famigeradas panes de decolagem, quando, numa delas, pousei, após desentendimento com uma estronca de porteira, numa lavoura de arroz, voando de dorso, com o profundor à frente, em canard, portanto ... Segundo consta nenhum outro piloco conseguiu igualar o feito ...

            Mas retomando o fio da meada e aí está o falecido Trançudo que não me deixa mentir: As anteriores e outras  destas experiências nunca me apavoraram tanto  quanto a que segue:

            Dizem que pressão arterial baixa é um privilégio e que quem dela sofre deve considerar-se um felizardo, não um doente. Então sou o tal privilegiado.

            Sempre tem o famoso porém: sonolência ou apagão não combinam com pilotagem solo. E pressão arterial baixa é amiga íntima da sonolência e às vezes flerta com o apagão...

            Até que este manicaca tomava cuidados para não dormir ou apagar em voo: sempre levava água, alguma coisa para comer, um salzinho e um açúcar nuns daqueles antigos protetores de filmes fotográficos. Só que sempre fui muito desligado quanto à comida e se tenho que me concentrar em algo, esqueço a fome e a sede. Ou seja: volta e meia fazia pernas de quase quatro horas, pilotando e fotografando, sem comer nada e, pior, descuidando da reidratação.

            Estava o ás no céu da região Central do Rio Grande, lugar quente, dê-lhe voar.

            Já tinha praticamente terminado as fotografanças e me encontrava a uns 10 minutos da pistinha.

            Meu gosto nunca foi por navegação. Voar em linha reta, distâncias longas, acho monótono e  cansativo.

            Pois tinha aquele dez minutos em que não fotografaria. Aí a gente tem tempo para prestar atenção em ruídos estranhos, tendêndias repentinas, vibrações inexplicáveis, etc. Tudo por falta do que fazer ...

            E aí me lembrei que não tomara água, nem comera o kit de salvação que sempre levava junto.

            Pronto: foi me lembrar da desidratação e falta de energia que, para já as vistas começaram a escurecer, um mal-estar me pegou de repente e realmente achei que daquela não escapava.

            Peguei o pacote de bolachas e no pavor nem abri direito, comendo bolacha com papel e tudo. Me atraquei a tomar água que nem camelo, mas o sombreamento da visão continuava.

            Fui baixando, na tentativa de chegar ao solo antes de me apagar de um todo.

            Respiração de cachorrinho, rezas, promessas, tudo o que se possa pensar.

            O GPS marcando 9 minutos para pouso, depois oito.

            Mas a visão meio obscura, com bolacha, papel, água e tudo.

            Confesso: foi a situação mais apavorante de toda a minha manicacagem. Achei que daquela não escaparia, mesmo.

            Quando estava chegando nos sete minutos, a queda de pressão, que chegara sem aviso, passou e a visão voltou ao normal.

            Agradeci aos Céus aquela Graça e pedi mais sete minutos de bênçãos.

            Fui atendido.

            Pousei e fiquei quieto como criança cagada sobre o assunto.

            Se falo que tivera uma queda de pressão em voo, algum barriga-fria era capaz de abir o bico na hora errada e a coisa chegar aos ouvidos dessa tal de Anac. Aí, adeus aprovação nos exames médicos e lá se iria uma carteira de piloto.

            Durante anos guardei o segredo.

            Nunca mais consegui voar com a mesma tranquilidade e o prazer de antes.

            Sempre com medo de que a experiência aterrorizante se repetisse.

            Pior que se repetiu.

            Duas vezes. Mas, como uma vez dera certo, nas outras duas não caguei tanto nas cuecas ...

            O curioso é que tais quedas de pressão sempre me ocorriam quando voava com o excelente Kitfox.

            Comecei a culpar o regime de giro do motor, mais alto do que o giro do VW , que equipavam meus tequinhos anteriores. Com eles nunca me ocorreu um único começo de apagão. Minha pressão só caía  no Kitfox.

            Há um ano e pouco, depois de ter vendido o Kitfox, sei lá por qual motivo comecei a pensar no assunto que me levara quase a abandonar a aviação:

            Descobri, depois de ter jogado muito do entusiasmo pelo voo janela a fora que, de fato, minha vista nunca escurecera, nunca estivera quase desmaiando de fome ou sede.

            Mas o que acontecera, então?

            Todos os tequinhos que eu tivera antes não tinham teto solar.

            Assim, como o meu último Kitfox, todo modernoso, tinha teto solar e tal, quando eu passava embaixo duma nuvem, logicamente o interior do avião escurecia subitamente, pois a luz que entrava por cima sumia, o que nos outros pouca diferença fazia, por não haver iluminação pelo teto.

            E eu achando que estava me despedindo dessa ...

            Como diria o Deoclécio, aquele peão do Alegrete que está querendo fazer o PP:

            - O Lambe-Lambe bem que mereceu o outro apelido de Piloco. Como é que um animal desses, mesmo sabendo que podia desmaiá de soco, voando solito,  voô por mais deiz ano? Ainda bem que não era defeito do organismo do desinfeliz, mas só um causo de teto de corno, que os afrescotiado chamam de solar. Se fosse esses causo de pressão do coração baxa, tava morto e enterrado.

- Qué dizê: inté era poblema de saúde e dos mais grave. Todo esse tempo avoando encagaçado só por miolo mol. 

                               

            

domingo, 20 de agosto de 2023

Encontro São Luiz Gonzaga

 


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Encontro em Cruz Alta

Ficamos sabendo em última hora da Festa em  Cruz Alta

Foi um sucesso, segundo fotos no Hangares Gaúchos


 Cmte. Leonardo no Zlin, finalizando sua apresentação. Não consegui identificar o fotógrafo. Se foi vc, contate, para dar o crédito na foto. 

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domingo, 13 de agosto de 2023

Uma Viúva-Negra como Saco

 

                Uma Viúva-Negra como Saco

 

            Pois o escrevinhador manicaca confessa que tem medo de cobra.

            Porementes, isso é só o começo: por um motivo ainda não esclarecido e por mais estranho que pareça, de aranha tenho verdadeiro pavor.

            Quando piá de campanha, várias vezes, do alto de meus nove, dez anos de idade, matei várias cobras cruzeiras de médio porte (dois a quatro palmos de comprimento) com modesta varinha de alecrim, arrancada do chão com a batata da raiz, que era usada como a arma fatal das tais cruzeiras.

            O pior desta história é que quando a gente contava para os adultos o que tinha feito, estes faziam de conta que repreendiam, mas num tom que era quase um elogio à coragem e eficiência do piazedo como exterminadores de animais peçonhentos.

            Mas sempre, ao ver uma aranha de porte médio para cima o pavor quase me paralisa.

            Em anteriores postagens já falei da minha precaução com os tequinhos aqui no hangar: como sempre me falassem que Creolina espanta cobras e aranhas, andava gastando quase que mais com o dito repelente do que com a gasolina dos voos. Coincidência ou não, dentro do perímetro isolado com o borrifamento de água e creolina, nunca encontrei cobra ou aranha.

            Mesmo com esses cuidados ainda me borrava de medo de, em pleno voo, descobrir a condução de uma passageira não convidada ...

            No preparo do avião, além do check-list convencional, acrescentava sempre o item: - célula livre de animais venenosos, inclusive aranhas.

            Sempre mantive o costume de, ainda que não fosse exigência regulamentar, usar capacete, pelo menos nas decolagens e pousos. Isso porque conheci muito caso de piloto que quebrou o focinho ou o material pensante ao bater o coco no painel ou outra parte do avião.

            Como “respeitador” de cobras e aranhas sempre checava a parte interna do chapéu protetor, abrindo o forro, para ver se não tinha algum ser comprido ou multipernado querendo voar de saco.

            Num belo domingo tive que fazer um voo meio comprido no famoso 15 Bis, uma cruza de Netuno com Kitfox, construída pelo Carlos Ramão Ledur, e motorizado com um prosaico motor Volks 1600, carburação simples. A não ser a potência meio bastante fracota, no demais o tequinho era muito bom. Excelente de comandos, estável para o peso e categoria.

            Saí aqui da pistinha da Palma, me larguei no rumo de Santiago e Bossoroca. Fui tirando uns retratos, como diz o Jader Dutra (Jajá) e já cheguei em Bossoroca com uma duas horas de voo.

            Hora de completar os tanques e pôr alguma coisa no bucho.

            Deu acaso que pousei na pista do saudoso Telmo Dutra bem no momento em que ele estava indo para casa, pois era hora de almoço.

            Rapaziada: nem lhes conto. Tive tanta sorte, que cheguei bem num dia em que se festejava o aniversário, ou do Telmo ou do filho dele.

            Era um domingo de muita sorte, aquele.

            Por uma questão de etiqueta tive que fazer hora depois do almoço, mas, lá pelas tantas, não dava mais para adiar a decolagem.

            - Telmo, me desculpa, a comida estava excelente, o papo melhor ainda, mas tenho um Rodeio para fotografar em Bossoroca e a hora de maior movimento lá está chegando. Pede para alguém me levar à pista.

            Pois homem parou tudo, pediu licença aos convidados e me largou junto ao tequinho.

            Gente hospitaleira era o Telmo. Lamentavelmente meses depois o enorme coração hospitaleiro inventou de falhar e o Telmo foi fazer voos mais altos do que os que sua aeroagrícola fazia na região.

            Como cheguei à pista em cima do laço, fiz um cheque apressado, apertei os cintos, coloquei o capacete e nos largamos, o 15 Bis e eu – só o risco e o fedor nos céus da Bossoroca, terra do Noel Guarani.

            Voava eu, feliz que nem mosca em tampa de xarope, grato pela churrascada, a manifestação de amizade do Telmo e o dia calmo e limpo para um final de voo tranquilo e gratificante.

            Ia tudo assim, senão quando sinto uma coceirinha entre o capacete e o coco.

            “Será que o anticaspa não está fazendo efeito?” pensei.

            Mas aí a coceira tomou o formato de perninhas se movimentando.

            Estava completa a desgraça: ou esse bicho me pica e o veneno me tonteia, fazendo perder os sentidos ou parte deles e não consigo mais pilotar ou mantenho a calma, mesmo cagado, tento tirar o capacete com caranguejeira, viúva negra ou sei lá que aranha gigante sem que ela injete o terrível veneno.

            Abri a janela para, caso conseguisse tirar o capacete sem ser envenenado, jogá-lo fora com aranha e tudo.

            Desafivelei, dei um jeito de ficar com o manche no meio das pernas e pilotar sem as mãos, o que, felizmente já tinha prática em fazer.

            Em cada lado do capacete uma das mãos, para ser rápido no arremesso do monstro que planejava me fazer de seu almoço.

            - Um, dois, três: saquei o capacete e já ia arremessando janela a fora quando a terrível viúva-negra se transformou numa rã que pulou para o parabrisa, onde ficou me olhando com uma cara mais assustada do que a minha.

            Acho que deve ter pensado: “Eu é que não fico neste avião cheirando  merda por duas horas”.

            E pulou pela janela.

            Nunca mais deixei o capacete no hangar e, mesmo assim, acho que levava mais tempo examinando a forração dele do que em todo o resto da rotina de preparo para um voo.

        

    

                            Atual pórtico de Bossoroca



                                    O capacete da " Viúva-Negra"

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Encontro de São Luiz Gonzaga

    É no próximo final de semana, 18, 19 e 20 de agosto. 

   Maiores informações: whats

ENC. SLG 18 AGOSTO

Organização: Valdeci Hélices

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            13 de agosto de 2023.