sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Voo Livre - Parte III

 


 

         Como já falei,  a meteórica carreira de piloto de asa foi curtíssima, mas faltam "os finalmentes".

         Depois dos espinhos na bunda e da arborização veio o encerramento do curso, carreira, etc., com chave de ouro...

         Andava o escrevinhador-blogueiro tratando de seu trabalho, entregando fotos, recebendo uns trocos, essas coisas, quando me encontro com o carro do instrutor, duas asas no teto, quatro alunos dentro, vindo em sentido contrário.

         Dei um jeito de fazê-los parar e perguntei para onde iam.

         - Pro Morro da Jativoca,  em Joinville.

         E caíram na armadilha de elogiar o tal Morro. "Que era ideal para voos iniciais, pois era um morro pelado, isto é só tinha pasto na encosta. Que a inclinação era ideal, pois o ângulo de descida era mais ou menos igual ao da rampa do morro. Que, no caso dum imprevisto, dificilmente o novato se machucaria e, finalmente, que permitia voo com vento de qualquer direção porque era uma elevação arredondada e regular."

         Pronto: "Podem ir se apertando que eu vou junto".

         E lá se foi a Elba, se não me engano, atulhada de voadores, experientes e nem tanto, equipamentos no porta-malas, duas asas no teto, sofrendo com todo aquele peso.

         Os cem quilômetros ou pouco mais foram vencidos sem problemas e  lá pelas três da tarde estávamos nós no alto do Jativoca, disputando seu uso com o Exército Brasileiro, que estava, justo naquele dia, fazendo alguns exercícios com a milicada. Os comandantes da operação não colocaram empecilhos e começaram os voos.

         O vento, fraco das pernas, de novo. Parecia até perseguição, pois todos sabemos que  litoral sem vento é coisa difícil de ocorrer.

         Só que fazer duzentos quilômetros, para não voar é coisa que difícilmente a rapaziada aceitaria.

         Mesmo em condições adversas, todos queriam tirar sua casquinha no Morro da Jativoca.

         Como aqui o trajeto entre a decolagem e pouso era menor e a rampa mais suave, os voos se sucediam mais rapidamente e logo chegou minha vez.

         O primeiro voo transcorreu sem incidentes mais graves. Apenas aquela sensação de "vai dar cacaca agora" , pois com falta do "lift" era um rasante de não caber uma formiga entre o voador e a grama ...

         Mas nesse, deu tudo certo.

         Antes de mim um outro aluno andou perdendo sustentação e o voo ficou pela metade, mas não se machucou, dadas as características de rampa suave e sem maiores obstáculos.

         A asa também saiu ilesa.

         Outros voaram, todos tirando fininho do solo.

         O certo, mesmo, era suspender o treinamento, pôr a viola no saco e voltar para Itajaí. Mas, não sei lá porque o professor cedeu aos apelos dos alunos.

         Não devia.

         Eis que, de novo estava o "Lambe-Lambe" pronto para nova corrida, decolagem, rasante morro abaixo e, com sorte, outro pouso lá embaixo.

         Fui-me. Num rasante bárbaro, que nem um agrícola Ipanema, sobrecarregado em calorão de trinta graus.

         Pois é, falei que o Morro da Jativoca era apreciadíssimo pelos praticantes do voo livre.

         Mais apreciado ainda era por uma colônia de cupins, que não entendia de voos humanos pendurados naquelas coisas triangulares e estranhas. E não imaginava que um novato quisesse fazer testes de resistência de materiais,  usando, justamente seu condomínio.

         Não deu outra: no raso, consegui dar uma cabradinha e livrar minha cabeça, corpo e membro do arranha-céu dos insetos.

         Mas não deu para livrar o trapézio do choque.

         Para os gaúchos campeiros, foi como se tivessem pealado a asa pelas patas da frente.

         Faz tanto tempo que não lembro direito, mas acho que não completei o "looping" invertido.

         Quando me dei por conta estava com a proa da asa cravada na grama, ambos ilesos.

         Tratei de me levantar e subir a encosta para entregar o equipamento a outro maluco que quisesse encarar aquela condição de pouco vento.

         Notei que a asa estava meio molenga, mas pensei que fosse coisa de apenas algum pequeno ajuste.

         Chegando na rampa, fomos revisá-la.

         Que ilesa, coisa nenhuma: o choque quebrara a quilha e, sem um bom mecânico aeronáutico, por um tempo aquela asa não voaria mais.

         A outra asa era a queridinha do instrutor, equipamento caríssimo e, claro, naquelas condições nem ele quis saber de voar.

         Restava, então, procurar um boteco e beber para esquecer.

         E eles até já sabiam onde havia um que tinha cerveja bem gelada a preço honesto.

         Lá nos fomos para comemorar a "formatura" nada honrosa desse manicaca aqui, que encerrou sua carreira de piloto de asa delta de forma melancólica, bebendo em boteco de periferia ...

         Não sei por que, dali para a frente, sempre que eu me escalava para um voo, havia uma desculpa na ponta da língua ...

         Naquela sequência, arborizando e quebrando asa, ia era acabar quebrando  as ideias nalguma pedra ou encosta.

         "Melhor não arriscar" - pensava o instrutor.

         E ali encerrou-se minha experiência com o voo livre!

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Resposta da Sessão Nostalgia da Postagem Anterior


    As fotos dos CAP 10 em acrobacia, foram feitas pelo "Lambe-Lambe na EXPOAER que ocorreu no Aeroclube do RGS, em 22 de abril de 1990.

        Os pilotos eram um casal de franceses que faleceu em acidente aéreo alguns anos depois.

        O Paulistinha pousado na praia era de Joinville e os "motoristas" eram o "Lambe-Lambe", de barba e o Irineu, que era instrutor naquele aeroclube, mas que já voara muito no Aeroclube de São Leopoldo.

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Sessão Nostalgia Pessoal

   Quem seria o piloto especializado em quebrar Kitfox? Esse foi o primeiro, em 31 de dezembro de 1999.



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