Vocação para Tatu
O Aero Boero até é um avião razoável, desde que seu motor
tenha, no mínimo, 150 hp. Aquela
enjambrina que fizeram num acordo comercial com a Argentina, com troca de não
lembro o que pelos ditos aviõezinhos foi muito do mal-feita. Em vez dos
originais 150 hp, os "aparelhos" vieram com apenas 115 cavalos. E
meio magricelas...
Com tanques cheios, dois pilotos, o avião fica uma pata
choca. Até sobe, mas devagar, quase parando.
O blogueiro, há muito tempo alugava tecos para fazer
"retratos" panorâmicos. Voava CAP 4, J3, Embraer 140, Tupi, esses
equipamentos.
E, às vezes, por necessidade, era obrigado, a contragosto, a
voar nos tais Aero Boero.
Andando por Santa Catarina e não vou dizer exatamente onde,
para não comprometer o Aeroclube, tive que, esperneando, entrar num AB para
fazer uns panorâmicos.
Era um dia pré-frontal, quente, com pressão atmosférica
baixa, tudo ajudando ...
Mas
o "Lambe-Lambe" veve de
retratos e o jeito era encarar.
Fomos pra cabeceira, o comandante deu motor e o aviãozinho
começou a comer pista, comer pista, comer pista ... Até que resolvesse sair do
chão demorou uma eternidade.
O pior é que saímos e aí começou a briga com o altímetro:
pra conseguir 150 pés por minutos de subida, só com muita reza forte. Mas fomos
peleando, peleando, até chegarmos nos mil pés.
Aí aproamos o local das tais fotos e fomos sem grandes
sustos, voando nivelados, mas com o motor sem muita margem para enfrentar
eventuais imprevistos.
Como o blogueiro já tinha uma certa experiência, para evitar
maiores percalços e cagaços, não se arriscou a voar mais baixo. Quem tem, tem
medo.
E a região inicial era num vale.
Pois as fotos daquele vale foram feitas e tínhamos que ir para um outro vale, na continuidade
dos clics documentatórios.
Só que a natureza inventou de sempre colocar uma cordilheira entre dois vales ...
Comuniquei o guri que já era hora de irmos pro outro vale,
além da tal serra, presente da mãe-natureza ...
Ele fez sinal de entendido e tomou a proa da cidade seguinte
a ser sobrevoada, lá do outro lado da morralhada.
E botou a manete no esbarro rumo ao primeiro cerro,
esperando o milagre da subida do Aero Boero.
Só que o vento era de cauda e, se com vento de proa, mal
subia a 150 pés, agora, praticamente não mexia o altímetro.
E o morro vindo ligeirito em nossa direção, pois com vento
no traseiro o AB ficou veloz ...
O "Lambe-Lambe" atento, vendo o que o guri ia
fazer.
Sei lá o que o rapaz tinha na cabeça, acho que vento ou
merda, pois já estva chegando ao ponto em que não se poderia fazer a curva sem
risco de bater no morro, estolar, etc. e ele aproado bem com a metade da altura
da montanha.
Pulei nos comandos e inicieia a curva de 180 graus.
- O que stásch fazendo? - falou com aquele sotaque de
catarina.
- Evitando abrir túnel no morro!
E
acrescentei:
- Com o avião "subindo" deste jeito, nem com a
ajuda de todos os santos de todas as crenças nós vamos ter altura maior do que
o topo. Vamos aproar o vento, subir até
ficar acima da crista da serra e, aí, sim, passar para o outro vale.
A manobra deu certo, tanto que estou contando, mas se fosse
um fotógrafo que não tivesse experiência como piloto, com certeza aquele teria
sido o último voo da dupla.
Fica a dica: nunca tente ultrapassar uma serrania sem antes
ter altitude superior a ela e com uma certa margem. Isso de achar que a razão
de subida vai ser suficiente é um convite ao carro fúnebre.
E se vier uma descendente sem prévio aviso? E se mudar o
vento? Aí, em vez do lift, teremos um rotor jogando o avião para baixo.
Não é por nada que num determinado ano houve mais mortes de
pilotos e fotógrafos do que pilotos agrícolas.
Na minha opinião há causas bem notórias: quase sempre o
piloto de aviões usados para fotos é recém-iniciado no voo comercial, às vezes
apenas PP, em ambos os casos com menos de 100 horas de voo, o que não é nada.
Também pode ser um instrutor com as suas 150 horas, mas voando muito em região
conhecida e com altitude maior. Deve contribuir, ainda, o fato de alguns
pilotos irem trabalhar em locais totalmente estranhos, sem saber como se
comporta a meteorologia, o tipo de relevo, ventos, alternativas, etc.
Por via das dúvidas: se ainda não está acima e bem acima do
topo duma cordilheira, não tente sobrevoá-la. A tentativa pode ser sua última
ação "nesta terra que o Senhor teu Deus te dá."
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