Há uma baita polêmica quanto ao treinamento de certas manobras, ditas acrobáticas, por parte dos alunos do Curso de Piloto Privado. Uns acham que todo o aspirante a piloto deveria saber como sair de uma perda ou de um parafuso. Outros alegam que tais treinamentos para gente inexperiente pode conduzir a erros graves e, em muitos casos, a tragédias. Também argumentam que a maioria das aeronves de nossas escolas e aeroclubes está pela bola sete, dada a falta de renovação dos equipamentos.
A verdade é que muitos pilotos se formam sem saber como enfrentar
um parafuso imprevisto.
Este escrevinhador já tinha checado o PP há muito, tinha um
monte de horas lançadas em CIV e o triplo das horas lançadas como efetiva
prática de voo. Isto porque a grande
maioria de suas horas voadas eram anotadas na Caderneta Individual de Voo dos
alunos de PC ou, até mesmo PP, que pilotavam o avião enquanto o contador de
causos aqui fazia seus retratos aéreos.
E agora confesso que fiz muitos voos fotográficos, digamos,
informais, porque a legislação proíbe o aluguel de aeronaves de aeroclubes ou,
até mesmo particulares, não registradas como SAE (Serviços Aéreos
Especiais).Faço a confissão somentre agora porque tais infrações foram
cometidas há muito tempo, com as penalidades devidamente prescritas.
Pois naquele dia saí duma determinada entidade aeronáutica
da região da Grande Porto Alegre, com destino ao Sul do Estado, mais
especificamente às cidades de Pelotas e Rio Grande.
O guri que foi escalado estava mais faceiro do que mosca em tampa de xarope.
Afinal, ganhar, sem gastar um centavo, umas seis horas de voo, não é loteria em
que se acerta todo o santo dia. Não me lembro se era aluno do Comercial ou já
Instrutor de Pilotgem Elementar. Qualquer que fosse o caso, era guri com suas
cento e poucas horas, não mais do que isso.
O retratista já era bem mais voado e, embora não tivesse
feito Curso de Pilotagem por Instrumento, aproveitava seus constantes voos para
praticar, empiricamente, o voo ensacado. E nessa prática, já conseguia voar por
um bom tempo, apenas observando bússola, altímetro, inclinômetro e velocímetro.
E salientando que isso não é assim, lá uma grande África. Os pilotos antigos
muito voavam com menos instrumentos, usando como inclinômetro um simples
relógio de bolso pendurado próximo ao parabrisa. E saíam safos de muito tempo
fechado.
Pois esse era um dia propício para o "Lambe-Lambe"
praticar seu voo instrumental. Havia cúmulos de tamanho bem indicado para a
arte. Formações leves, distribuídas a espaços regulares, que davam, no máximo, entre
um e três minutos de voo sem contato visual com o solo.
Pois bem, como já era craque na manobra, me saí louco de bem
nuns quantos voos instrumentais e, é claro, isso mexeu com os brios do dito
instrutor ou piloto comercial, que, ao menos teoricamente, deveria ser melhor do que eu.
E deu a lógica:
-
Barbosa, posso tentar?
Meio sestroso, perguntei:
- Já checaste o IFR?
- Não, mas se tu que nem o teórico de IFR fizeste,
consegues, por que eu não vou conseguir?
Para não criar clima ruim na cabine, resolvi contemporizar:
- Tá contigo.
E, confiado na relativa superioridade do tal piloto, comecei
a checar meus equipamentos fotográficos, trocar filmes, etc.
E estava no meio da troca duma "película sensível"
quando sou supreendido com o quase grito apavorado do "comandante":
- Barbosa, assume!
Rapazes, para quê? Quando olho pra frente, em vez de ver o
horizonte, vejo apenas solo.
Pior, não é que a terra girava?
E agora? Eu era mais ou menos treinado em manter o avião em
voo normal, mesmo com visibilidade zero, mas nunca vira a terra girando abaixo
de mim. Apenas à minha frente, quando exagerara nas biritas ...
"Então esse é o tal de parafuso para o qual não
quiseram me treinar" - pensei.
E aí as horas de bar me foram de extema valia. Muito ouvi
pilotos experientes contando de suas saídas do tal parafuso acidental. Diziam:
- Soltei o manche, dei pedal contrário até o mundo parar lá
embaixo. Aí fui chamando o manche, devagarinho, para nivelar.
Sempre ouvi falar que entre morrer por inação ou por tomar alguma atitude, melhor a segunda
hipótese, pois aí há alguma chance de
enganar o dono da funerária.
Bueno: a terra girava para a direita, então, na minha falta
de prática, achei que devia dar pedal esquerdo (contrário).
Aí, sim, o mundo girou.
"Seu asno" - me xinguei. "Se o solo gira para
a direita, o avião está girando para a esquerda, então, pedal direito."
Dei-lho, como diria o Jânio Quadros.
"Funcionou-lho".
Fui chamando com jeito, nivelei o Tupi, parei de tremer,
sequei o suor e propus ao sujeito que nos levara para aquilo um acordo de
cavalheiros:
- Que tal um voo padrão até estarmos sãos e salvos, na base,
hoje à tarde?
Mas cachorro comedor de ovelha, só matando: naquele mesmo
voo ainda aprontei uma outra, mas fica para a próxima semana.
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