domingo, 11 de outubro de 2020

Primeiro e Único Parafuso

 

         Há uma baita polêmica quanto ao treinamento de certas manobras, ditas acrobáticas, por parte dos alunos do Curso de Piloto Privado. Uns acham que todo o aspirante a piloto deveria saber como sair de uma perda ou  de um parafuso. Outros alegam que tais treinamentos para gente inexperiente pode conduzir a erros graves e, em muitos casos, a tragédias. Também argumentam que a maioria das aeronves de nossas escolas e aeroclubes está pela bola sete, dada a falta de renovação dos equipamentos.

         A verdade é que muitos pilotos se formam sem saber como enfrentar um parafuso imprevisto.

         Este escrevinhador já tinha checado o PP há muito, tinha um monte de horas lançadas em CIV e o triplo das horas lançadas como efetiva prática de voo. Isto porque  a grande maioria de suas horas voadas eram anotadas na Caderneta Individual de Voo dos alunos de PC ou, até mesmo PP, que pilotavam o avião enquanto o contador de causos aqui fazia seus retratos aéreos.

         E agora confesso que fiz muitos voos fotográficos, digamos, informais, porque a legislação proíbe o aluguel de aeronaves de aeroclubes ou, até mesmo particulares, não registradas como SAE (Serviços Aéreos Especiais).Faço a confissão somentre agora porque tais infrações foram cometidas há muito tempo, com as penalidades devidamente prescritas.

         Pois naquele dia saí duma determinada entidade aeronáutica da região da Grande Porto Alegre, com destino ao Sul do Estado, mais especificamente às cidades de Pelotas e Rio Grande.

         O guri que foi escalado  estava mais faceiro do que mosca em tampa de xarope. Afinal, ganhar, sem gastar um centavo, umas seis horas de voo, não é loteria em que se acerta todo o santo dia. Não me lembro se era aluno do Comercial ou já Instrutor de Pilotgem Elementar. Qualquer que fosse o caso, era guri com suas cento e poucas horas, não mais do que isso.

         O retratista já era bem mais voado e, embora não tivesse feito Curso de Pilotagem por Instrumento, aproveitava seus constantes voos para praticar, empiricamente, o voo ensacado. E nessa prática, já conseguia voar por um bom tempo, apenas observando bússola, altímetro, inclinômetro e velocímetro. E salientando que isso não é assim, lá uma grande África. Os pilotos antigos muito voavam com menos instrumentos, usando como inclinômetro um simples relógio de bolso pendurado próximo ao parabrisa. E saíam safos de muito tempo fechado.

         Pois esse era um dia propício para o "Lambe-Lambe" praticar seu voo instrumental. Havia cúmulos de tamanho bem indicado para a arte. Formações leves, distribuídas a espaços regulares, que davam, no máximo, entre um e três minutos de voo sem contato visual com o solo.

         Pois bem, como já era craque na manobra, me saí louco de bem nuns quantos voos instrumentais e, é claro, isso mexeu com os brios do dito instrutor ou piloto comercial, que, ao menos teoricamente, deveria ser melhor  do que eu.

         E deu a lógica:

         - Barbosa, posso tentar?

         Meio sestroso, perguntei:

         - Já checaste o IFR?

         - Não, mas se tu que nem o teórico de IFR fizeste, consegues, por que eu não vou conseguir?

         Para não criar clima ruim na cabine, resolvi contemporizar:

         - Tá contigo.

         E, confiado na relativa superioridade do tal piloto, comecei a checar meus equipamentos fotográficos, trocar filmes, etc.

         E estava no meio da troca duma "película sensível" quando sou supreendido com o quase grito apavorado do "comandante":

         - Barbosa, assume!

         Rapazes, para quê? Quando olho pra frente, em vez de ver o horizonte, vejo apenas solo.

         Pior, não é que a terra girava?

         E agora? Eu era mais ou menos treinado em manter o avião em voo normal, mesmo com visibilidade zero, mas nunca vira a terra girando abaixo de mim. Apenas à minha frente, quando exagerara nas biritas ...

         "Então esse é o tal de parafuso para o qual não quiseram me treinar" - pensei.

         E aí as horas de bar me foram de extema valia. Muito ouvi pilotos experientes contando de suas saídas do tal parafuso acidental. Diziam:

         - Soltei o manche, dei pedal contrário até o mundo parar lá embaixo. Aí fui chamando o manche, devagarinho, para nivelar.

         Sempre ouvi falar que entre morrer por inação ou  por tomar alguma atitude, melhor a segunda hipótese,  pois aí há alguma chance de enganar o dono da funerária.

         Bueno: a terra girava para a direita, então, na minha falta de prática, achei que devia dar pedal esquerdo (contrário).

         Aí, sim, o mundo girou.

         "Seu asno" - me xinguei. "Se o solo gira para a direita, o avião está girando para a esquerda, então, pedal direito."

         Dei-lho, como diria o Jânio Quadros.

         "Funcionou-lho".

         Fui chamando com jeito, nivelei o Tupi, parei de tremer, sequei o suor e propus ao sujeito que nos levara para aquilo um acordo de cavalheiros:

         - Que tal um voo padrão até estarmos sãos e salvos, na base, hoje à tarde?

         Mas cachorro comedor de ovelha, só matando: naquele mesmo voo ainda aprontei uma outra, mas fica para a próxima semana.

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