sábado, 6 de agosto de 2011

Voando Noturno com Avião Agrícola - De Arrepiar!

    Os que lêem o blog, sabem que sou fã dos pilotos agrícolas. Piloto ruim ali não vinga. Passar doze ou mais horas por dia voando a um metro do chão, desviando de redes, cercas, árvores, etc. é para quem  sabe.  Leiam a experiência do Luques. Competência, sorte e a mão do Grande Piloto ajudando.

AVIAÇÃO AGRÍCOLA

RIO BRILHANTE – MS


MARÇO DE 2000


Era praticamente de noite, um pequeno clarão do sol no horizonte, falei para o gaúcho, meu ajudante, encher os tanques de combustíveis, que iria aplicar a última carga de inseticida sobre a lavoura, e iria pousar na pista da base a noite, já que era permitido pela empresa fazer pouso noturno. A pista era boa , 30 mt largura x 1200 mt comprimento , com vários pontos de referência.
Estávamos neste dia pousando e decolando de uma estrada de asfalto secundária, de pouco movimento, de um lado ficava a equipe de terra e do outro um carro onde uma pessoa segurava ou liberava o trânsito de carros,etc...
Eu estava um pouco tenso, pois tinha pouca experiência em vôo noturno, disparei o cronômetro, cintos de segurança ajustados, examinei tudo, decolei fui até lavoura, apliquei o produto já um pouco alto, pois ficava há cada minuto mais escuro ,o pessoal da fazenda e o gaúcho recolherão os equipamentos e foram embora,era um avião de fabricação Americana,”PAWNEE”. Sabia que deveria seguir por esta estrada secundária que estávamos trabalhando,por uns 20 km, até chegar a uma estrada principal e seguir pela mesma por uns 100 km.
Só que não lembrei que era noite sem lua, e para encontrar a estrada secundária que era uns 2 km da lavoura já foi difícil, mais 5 min voando não identificava o que era estrada ou lavoura, estava muito escuro, só as luzes das estrelas e das fazendas e longe duas ou três cidades, senti um frio na espinha e acordei para uma realidade horrível, reduzi a potência do motor para economizar combustível, e segui o rumo que pensava ser o correto, não dava mais para voltar. Não queria acreditar que aquela situação era real, parecia um pesadelo, senti a boca seca e a garganta amarga durante todo o vôo, tentei manter a calma, pois já tinha passado certas situações de risco nas 2000 horas de vôo que tinha na época, mas aquela situação era bem diferente, as outras foram resolvidas em poucos segundos ou minutos, esta ia ser bem mais demorada, com a mesma adrenalina.
MEU DEUS,ME AJUDE, Disse em voz alta, a primeira reação é querer sair logo da situação ruim que se encontra, manter o sangue frio não é fácil, tomar uma decisão precipitada pode ser fatal.
Peguei papel e caneta e fiz um mapa(croki) improvisado para melhor orientar-me e segui para as luzes da cidade que julgava ser aquela que deveria ir. Não chegava nunca, os pensamentos ferviam, não conseguia raciocinar direito, queria sair daquele pesadelo, mas era real, como fui me meter numa situação dessas?
Pela primeira vez senti o desespero de perto, pensava na família, e na morte.
Passando pela primeira cidade, tinha passado uns 40 minutos, não reconheci o lugar e segui para a próxima, já identificava a estrada pelo movimento dos carros, resolvi seguir em frente, mais uns 20 minutos e estava sobre a outra cidade, que também não reconheci, a terceira cidade era bem mais longe, resolvi ir até lá, o desespero aumentando, o meu corpo tremia involuntariamente.
Depois de mais uns 35 minutos cheguei a terceira cidade, parecia ser uma cidade próxima ao meu destino, perto dela vi as luzes de outra cidade, pensei é lá.
Chegando lá me entristeci muito. pois não era, havia uma avenida, pensei em pousar ali, mas haviam crianças.
Próximo a cidade ,vi uma moto vindo em uma estrada que era bem estreita e cheia de buracos, mal passava dois carros, vai aqui mesmo, pensei, usarei a moto como referência.
Girei por cima dele e vim para pouso. Vai arrancar as asas, o trem de pouso, mas o motoqueiro vai ver e me ajudar.
Quando estava na altura de uma árvore (eucalipto), o motoqueiro dobrou uma curva de 90º, aí perdi a referência, acelerei todo motor e subi uns 150 mt, olhei o cronômetro e tinha passado 01:52 minutos, os tanques não marcavam mais nada o Pawnee tem autonomia 02:20 minutos, ali perdi todas as esperanças, olhava as luzes das fazendas, pensei em jogar o avião próximo a uma destas luzes, quando o motor parar, pois tudo o que eu podia fazer fiz.
No outro minuto olhei e vi luzes de carros , vinha um na frente e uns 2 ou 3 km atrás, outros dois, eram caminhões, girei em cima do primeiro e fui descendo, usando as luzes traseiras como referência, a escuridão era tanta que tinha a impressão que a estrada era no meio de árvores altas, mantive uma rampa de descida suave, o caminhão estava a uns 100 km/hora, a mesma velocidade de pouso do avião, próximo ao chão, no momento do toque do avião no asfalto, a turbulência do vento provocada pelo caminhão, quase me jogou fora da estrada, fui um susto, quando o avião tocou no asfalto, tive que frear muito pois era uma descida,quando parou, comecei a mexer nas alavancas de alinhamento,mexia em instrumentos, não sabia o que estava fazendo, parei, me concentrei, aí desliguei o avião, e lembrei de tirar o avião rápido de cima do asfalto pois os caminhões que vinham atrás poderiam atropelar o avião, como já aconteceu com um colega, passaram os outros caminhões a mais de 100 km/hora, eu olhei o avião, olhei para mim, e não acreditava que estava vivo, e o avião inteiro.
Agradeci a Deus, foram 02:14 minutos, até pousar, logo parou um carro e outro, tinha vontade de abraçar aquelas pessoas que nunca tinha visto.
Informaram-me que estava a mais de 130 km da base, mesmo assim, Graças a Deus!
Na mesma noite, um avião também perdido bateu e morreram duas pessoas, foi no oeste do estado do Paraná, num avião Bonanza.


Cleber Ricardo Luques


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