sábado, 2 de abril de 2011

Leve Turbulência



O dia tava lindaço:
O ar bem limpo e parado.
Matutei "tá adequado"
Pro índio ganhar o espaço;
Pé-e-mão, a perna, o braço
Coordenando em sintonia.
Como o Deoclécio diria:
"É hoje que lavo a égua!
Vou voar prá mais de légua!
E bater fotografia!........."

Sou índio privilegiado.
Tenho baita companheira,
Que bota a mão na sujeira
E me ajuda um bocado.
Se o causo tá mal-parado,
Se tá tudo numa boa,
Sempre conto c'oa patroa.
É dessas que não se acha.
Não se assusta com graxa
E, num aperto, até voa!

Decolamos suavemente,
Dando rédea ao Kitfox,
E deixamos que ele fosse
Subindo e sempre pra frente.
Num trote firme e valente
S. Pedro do Sul aproamos.
O ar liso aproveitamos.
Eu dizia para mim:
Por que é que dia assim
Poucos por ano ganhamos?

Nuvem, nem pra remédio.
Só um ventinho fracote,
O teco sem um pinote:
Tão bom que até dava tédio.
Até um piloto médio,
Ali voaria bem.
Tudo como convém
Ao vôo pelo prazer
De ver o avião responder
Comandos, feliz, também!

O vôo era compridote.
O vento foi aumentando.
Aos poucos fui trabalhando
Mais, mantendo o trote.
É importante que se note
O tempo e sua mudança.
A natureza alcança
A gente, o braço é comprido
E o qüera desprevenido
Se embreta na lambança.

Nas terras de S. Sepé
Parei pruma desaguada
E dar uma completada
Nos tanques, que nunca é
Demais gasolina e a pé
Não planejava ficar.
Ainda tinha que voar
Pras bandas da Vila Nova
E aí começou a prova
Que nem gosto de lembrar.

Assim, no mais, de repente,
Como saída do nada,
Turbulência inesperada
Incomodava o vivente.
Peleando incessantemente
Em mexeção de schimia;
De aparência, lindo o dia,
Mas ascendente aqui,
Descendente logo ali
Roubaram minha alegria.

E depois da Vila Nova
Encardumou-se o retoço.
Eu que já não sou tão moço
Vi minha experiência à prova.
Tava levando uma sova
Pra dominar o aparelho:
"Ou tô por demais de velho,
Ou tá feia a turbulência
Pra tudo é preciso ciência
Mas tô apanhando de relho."

Vendo o causo mal-parado
Resolvi subir um pouco.
E quase que acabo louco
Com o tal vento cruzado.
Não sabia de que lado
Iria vir a paulada.
Na situação delicada
Optei mais baixo voar
Lá sabia o que esperar
E me negar da pealada.

Baixei a velocidade
Quase de nada adiantou.
O pingo corcoveou
Uma barbaridade.
Até me dava vontade
De pousar numa coxilha.
Temendo quebrar a encilha
Fui brigando a soco e tapa:
Do lombilho não escapa
Quem tem sangue Farroupilha.

E não mais que de repente
Fomos chamados pro Céu.
Subimos um escarcéu,
Um pensamento presente
"Sempre após a ascendente
Vem a corrente oposta".
Tudo o de que não se gosta
Acaba nos acontecendo
E veio um soco tremendo
Que nos afrouxou até a bosta!

Pra baixo fomos jogados
Com enorme violência.
Foi a maior turbulência
Em tantos anos voados.
Se não estamos amarrados,
O teto a gente furava
E eu ainda estragava
Esta minha linda estampa
deixando parte das guampa
No teto que atravessava ...


Nem faltava meia hora
Para na pista chegar.
E manicaca a suar
Dando-lhe relho e espora.
Pensando "Será que é agora
Que vou mudar de querência?
Mas gosto desta existência.
Tá certo que a coisa é feia:
Mas me entregar sem peleia
É contra minha consciência."

O céu azul continuava,
O Kitfox agüentando,
O piloto se borrando,
O GPS bombeava.
O tempo nunca passava.
Parecia pesadelo.
Era peão montado em pêlo,
Num redomão encruado.
Pra cima e baixo jogado
Mas se agüentando com zelo.

Confesso não entendia
Porque tanta turbulência.
O céu numa transparência ...
Nenhuma nuvem se via.
Era um baita dia
O jeito era agüentar.
Pensava em como pousar:
"Se aqui já tá desse jeito
Nem quero pouso bem-feito
Só o teco não quebrar."

Trezentos metros de pista
Com vento de atravessado.
O domador assustado
Se obriga a baixar a crista.
E só querer por conquista
O prêmio mais valioso:
Nada de grandioso.
Como sempre se diz:
"Um vôo só é feliz
Se ele termina em pouso."

No tráfego, dando espora
A biruta a noventa.
A coisa que se apresenta
Não me era animadora,
Mas era chegada a hora
Da onça água beber.
Não tinha muito a escolher:
Era pousar ou pousar
E tentando não quebrar
Avião, piloto e mulher.

Com medo e com coragem
Que é este o segredo:
Coragem é vencer o medo,
Buscava o fim da viagem
Sem fazer uma bobagem,
Que naquela situação
Quebraria o avião.
E isso não combinaria
Com o azul daquele dia
Nem com os pilas do peão.

Indo pra reta final
Esperava uma pauleira,
Mas foi baixando a poeira
E subindo meu astral.
Talvez eu não pouse mal.
Talvez a coisa dê certo.
E eu me saia deste aperto
E não se vá tudo à breca.
Talvez eu não suje a cueca.
Do final feliz tô perto.

Não foi uma Brastemp o pouso,
Mas também não foi placaço.
O avião tava inteiraço,
Mas foi um vôo tinhoso.
Deu pra ficar  orgulhoso.
Então, ficamos assim:
O avião é bom, pra mim
A Sandra é corajosa
E o Lambe-Lambe Barbosa
Até nem é tão ruim ....

















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