1) "Erar é umano".
2) Voar é com os pássaros.
3) Depois de milhares ou milhões de anos o homem conseguiu voar.
4) Insatisfeito, inventou de voar em bando.
Agora vamos tentar ligar cosa com cosa, como diria o Deoclécio.
A verdade é que ninguém é perfeito e acaba fazendo suas cagadinhas, adas e onas.
No contexto geral da vida, às vezes uma baita burrada causa pouco prejuízo; noutras uma cagadinha de nada faz um estrago daqueles.
Em aviação todo erramos. Felizmente a maior parte dos erros que cometemos não são pecados mortais. Mas certos erros não perdoam e custam muitíssimo caro. Assim, o jeito é a gente ir evitando o máximo possível deles.
Nunca procurar situações em que eles estejam possam nos surpreender é uma das melhores formas de evitá-los.
Pois conseguimos realizar o grande sonho de voar!
Somos quase-pássaros. E eles também erram.
Nós que não nascemos com esse dom, que o adquirimos durante a vida, com muito suor, pilas gastos e lágrimas, deveríamos nos conscientizar da verdadeira situação, no que respeita ao ato de voar: usurpamos uma vocação do estoque da mãe Natureza. Só que ela cobra o preço por essa usurpação. Não admite que cometamos aqui a mesma quantidade de erros, nem que cheguem, sequer, perto da gravidade dos que praticamos pela vida a fora.
Voar é maravilhoso e dizer isto para os que me lêem é até uma redundância.
Se é maravilhoso, por que não curtimos essa maravilha e não paramos de aprontar?
Em meus vôos, como muitos de vocês, volta e meia me deparo com urubu, garça, joão-grande, voando calmo, gracioso, tranqüilo, até que vem aquela coisa rápida e barulhenta esculambando toda aquela paz.
Fico imaginando o monte de palavrões da língua deles que devem usar quando a gente passa ...
Mas, capaz que o ser humano fique contente com o que já tem! Se anda a pé, quer uma bicicleta. Se tem bicicleta, quer moto. Tendo moto sonha com um carro, e caro. Se tem o dito busca um ultraleve e conseguindo, dá um jeito para que o ultraleve seja um avião de altíssimo desempenho, mesmo que não tenha a cultura aeronáutica indispensável para voar numa máquina dessas.
E nessa busca de desafios tem gente que cai na tentação de voar em grupo.
Voar sozinho já não é uma coisa tão fácil e aí, justamente, está o erro: o de se pensar que voar não é difícil. Muito novato, com qualquer duzentas horas de vôo já pensa que é piloto. Pensando que é, não resiste à tentação de provar que é melhor do que ou igual aos veteranos.
Voar é difícil, sim, principalmente para os que sabem. O vôo barbadinha é uma sereia que nos encanta e tem gente que não consegue ignorar seu chamado.
Se voar sozinho não é assim, tão simples, vôo em formação, é muito mais difícil, pois ali temos que nos preservar dos próprios e dos erros alheios. Quem estudou progressões matemáticas sabe: num vôo em formação as possibilidades de zebra crescem em progressão geométrica, pois as minhas chances de erro, juntadas às de cada um dos alas eleva o perigo a um grau elevadíssimo, desculpando o trocadilho.
É por isso que o vôo em formação somente é permitido a quem já tenha feito um curso para tal. Quem não fez, que não se meta. A vida é muito frágil para a gente cutucar a cobra com varinha curta.
Nossos colegas talvez nem tivessem consciência do perigo a que se expunham quando decidiram voar em formação. Podem até haver pensado que bastava manter uma certa separação e estaria tudo bem. Pois o segredo está justamente aí, em manter a separação segura e é para isso que se faz cursos.
Nunca voei em formação, apenas aproximei-me um pouco de um outro ultraleve, não gostei da experiência e me mandei a la cria, que não tenho meu couro para negócio.
Também tenho muito medo de voar nas famosas festas aviatórias. Vem gente de tudo quanto é lado, em tudo quanto é avião, com tudo quanto é nível de pilotagem. Infelizmente, volta e meia dá a lógica.
Fico meio constrangido em dizer que, ao ver o programa do último ENU, observei a programação de uma revoada aos canyons, ficando com os cabelos em pé de medo com o que pudesse acontecer. A lista de inscritos era de 143 aeronaves. Digamos que cem delas fossem participar da tal revoada. Sabem o potencial de risco de cem aviões das mais diferentes performances e velocidades, pilotados por gente que não se preparou para a manobra, voando numa região montanhosa, sujeita a turbulências orográficas e mudanças bruscas de tempo? TNT pura. Parece que por restrições impostas por São Pedro a tal revoada não saiu.
No Rio de Janeiro bastaram dois ultraleves próximos, com turbulência para acontecer o pior.
Tudo envolve riscos. Voar é seguro e perigoso ao mesmo tempo. É seguro em relação a andar no trânsito louco de nossas ruas e estradas. É perigoso em relação às falhas da máquina e, mais, ainda, nossas falhas.
Nietzke dizia que "Viver é muito perigoso", no que foi seguido por Guimarães Rosa.
Tem a música aquela que fala que a gente mal nasce, já começa a morrer.
São verdades contra as quais nada podemos fazer.
Mas não devemos tornar o ato de viver, que já é perigoso, mais perigoso ainda.
Vamos deixar a natureza seguir seu curso e que nos leve quando for chegado o momento, nunca porque resolvemos adiantar o relógio.
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