Do Céu para o Céu
É difícil de se encontrar uma criança que não queira
andar de avião. Uma que outra, pelos mais variados motivos, como por exemplo
adulto imbecil, fica traumatizada antes de sequer entrar num objeto voante.
O idiota, que sempre foi um cagão quer transmitir seu
legado de covardia e escolhe uma criança inocente como vítima, privando-a,
assim, do maior prazer que qualquer humano pode ter: enganar a lei da gravidade
e sair pelo espaço, livre como só os pássaros sabem ser.
O fato é que nove em cada dez crianças sonha com o dia em
que poderá entrar num avião, saltar de para-quedas, voar de asa delta, parapente,
paramotor, paratrike, trike e outros insetos voadores.
E do alto dos seus treze anos, a menina-mocinha Dafiny,
uma mineira sorridente e simpática andava por sua cidade, Sete Lagoas, vendendo
cones e bombons de chocolate juntamente com sua mãe, Karine.
Para
incrementar as vendas a mãe decidiu subir com a filha até a Serra de Santa
Helena, onde havia uma rampa de decolagem. Isto pela manhã, quando Dafiny
vendeu um cone de chocolate ao piloto Gilberto Araújo, experiente com mais de
vinte anos de voos pela região. O piloto comeu o chocolate enquanto conversava
com a menina e, tocado pela simpatia da pequena vendedora deu-lhe uma gorjeta
de 10 reais.
Agora prestem a atenção ao que nos ensina esta
adolescente: ela não chegou pedindo para que o Gilberto a levasse num voo sem
qualquer pagamento. Ela falou que tinha o sonho de “andar nisso aí”, pois não sabia nem o nome correto do
equipamento. E, em prática de comerciante que era, perguntou “quanto custa um
voo?”
- Duzentos e cinquenta, trezentos reais, depende.
Olhem o respeito para com o trabalho dos outros: ela não
pediu para voar de graça, não reclamou do inatingível preço para as suas
condições financeiras. Sequer pediu
desconto.
Simplesmente achou justo o preço, pois por trezentos
reais ela estaria realizando um dos seus maiores sonhos.
- Moço, eu vou trabalhar bastante, vou economizar e um
dia eu volto aqui para voar.
Aquela atitude comoveu o experimentado piloto. Eu, que
vivo aturando sovinas que acham caras minhas fotos aéreas, sei o quanto é bom
quando alguém acha o preço justo ou não reclama. E conto nos dedos os
compradores que em quarenta anos de fotos aéreas falaram que realmente o que se
cobra é o que fica bom para vendedor e comprador. Em quase quarenta e um anos
de vendas somente um cliente achou barato e não estou mentindo. Por sinal o sujeito é meu amigo e quando achou
baratas as fotos que comprou, ainda não era piloto nem tinha avião,
helicópteros essas coisas. Pela raridade do comportamento cito o nome e apelido: Carlos Roberto Praetorius, vulgo
Karlchen.
Claro que a atitude corretíssima da Dafiny deve ter
impressionado o Gilberto, que, certamente, vezes sem conta deve ter ouvido
gente de posses achar “um roubo cobrar 300 reais por um voozinho num
equipamento que nem gasolina gasta”.
A Dafiny tavez ou quase certamente não sabia que sua
correta maneira de encarar os negócios é raridade e o Gilberto ficou impressionado.
Pois bem, mãe e filha, quando voltaram à tarde foram
surpreendidas com o Gilberto perguntando à mãe da menina se ela autorizava o
voo, pois ele decidira realizar o sonho dela, sabedor, que para uma vendedora
de doces na rua, economizar o valor do voo não seria fácil.
Autorizada a menina a realizar seu sonhado voo, a Dafiny
que já tinha sempre um sorrisono rosto, ficou com a boca nas orelhas de tão contente.
- É hoje que viro super-heroína, falou para o vídeo que
sua mãe gravava.
Decolaram.
Tudo dentro da normalidade, foram até a igrejinha, que deveria ser um ponto de
retorno usual para os voos que o Gilberto fazia e começavam a voltar.
- Viu como é bom! Não precisa ter medo.
Foram suas últimas palavras.
A Dafiny estranhou o silêncio e, quando olhou para trás, entrou
num filme de terror ao vivo.
Gilberto Araújo, o piloto que realizara seu sonho partira
em seu último voo.
Somente seu corpo estava no parapente junto à apavorada
Dafiny.
- Moço, não faz isso comigo, não! – alimentando a
esperança de que ele estivesse apenas querendo assustá-la um pouquinho.
Mas ele estava com o jeito de morto, mesmo, olhos
arregalados. Não fazia qualquer
movimento de pilotagem, quieto.
O sonho realizara-se e junto trouxera o pesadelo.
Vieram os gritos de socorro da apavorada mocinha.
Há
quem diga que o Gilberto ao sentir-se mal, já tentara direcionar o voo para um
local o menos perigoso possível para um pouso forçado. Pode até ser que ao
falar “Como é bom, não precisa ter medo” ele já estivesse com problemas e
aquilo seria apenas uma forma de, se possível, levar o equipamento até o solo
sem que ela soubesse que não havia mais piloto.
Dafiny ainda tentou reanimar o comandante, dando tapinhas
em seu rosto pensando que pudesse ser apenas um desmaio.
Não era.
E, logo após, nos termos que eu conheci no meu cursinho
de asa delta, arborizaram, sem ferimentos à passageira.
Quem sabe o mesmo ser que chamou o Gilberto para outro
plano veio e assumiu o comando.
Dizem
que o Porteiro, lá em Cima, quando viu um paramotor se aproximando deu ordens
severas para não houvesse a normal
burocracia celeste e que uma esquadrilha de anjos recepcionasse o novo
habitante.
Ordenou
que lhe fosse reservado um lugar de honra nos hangares eternos. Mandou ainda que a ACAC (Agência Celestial de Aviação
Civil) fosse mais rigorosa nos exames de saúde de todos os voadores celestiais,
fossem anjos, humanos, aves de grande e pequeno porte, para evitar que meninas
como a sorridente Dafiny não chegassem antes da hora àquelas paragens.
E lá
de cima o comandante Gilberto Araújo era todo sorriso.
Sua
última ação na Terra fora realizar o sonho da sorridente Dafiny.
Se
isso não é passagem direta pro Céu, me indiquem outra.
Roque
Gonzales, 03 de março de 2024.
-
As vendas devem ter diso
boas porque as duas resolveram voltar à trde
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