sábado, 27 de fevereiro de 2021

Como Ganhar o Dia

 

             Tem gente que voa bem uma barbaridade, felizmente são uns quantos. Tem gente que voa bem e são muitos. Tem gente que voa razoavelmente e não são poucos. Tem gente que voa pro gasto - e como tem. E, finalmente, tem os que voam de teimosos e continuam vivos porque o Patrão dos Hangares os protege.

         Mas uma coisa é certa, em todas as categorias mencionadas, sem exceção dum único piloto, todos já fizeram vários pousos cagados. E quem disser que não fez é um baita dum mentiroso.

         Tem piloto de acrobacia que deixa todo o mundo embasbacado com sua perícia, coragem e domínio do avião. Só que até esse de vez em quando dá sua rateada nos finalmentes do pouso.

         O melhor piloto do mundo, em todos os tempos seria, notem o tempo da conjugação, o que nunca rateou num pouso. Dizem que existiu um: viveu antes de surgirem os aviões ...

         Pois como dizia o gaúcho Deoclécio, taura do Alegrete que andou iniciando um curso de PP, teve sua última aventura narrada aqui quando roubou um Ipanema e quase se matou - podendo voltar a fequentar as linhas deste blog - "ninguém escapa da sina do pouso cagado."

         Nesta semana o blogueiro partiu  pruma tentativa de fazer fotos em 360 graus de avião, pois o drone deu pane. Aí já dá pra ver que o sujeitinho ou sempre foi meio fora da casinha ou tá ficando caduco, pra não dizer com Alzheimer. Onde já se viu querer fazer foto 360º pilotando e fotografando ao mesmo tempo? Mesmo com um piloto exclusivo já é difícil de acertar as tomadas, imaginem controlando tudo.

         Mas o fato é que o homenzinho decolou, fez as fotos, que, logicamente não funcionaram na montagem. Só que já pressentira o fracasso da missão ainda em voo.

         Talvez isso tenha influído no estado de ânimo do manicaca. Frustrado, brabo, vendo os pilas fugindo pela janela, desconcentrou-se na descida, aproximação e pouso.

         Salientando que a pistinha é curta, 360 metros, com cerca na cabeceira mais usada, em subida 160 metros, com brusca nivelação nesse ponto. Se nessa altura o tequinho não estiver realmente pousado e com baixa velocidade, a projeção da subidinha vai devolver o avião pro ar e aí é a tal de correção certa porque não tem muito espaço para  dar um motorzinho, tocar de novo (de novo, de novo ...) e parar antes da outra cerca, sendo que os 70 metros finais são a descer ... Ah, só para completar: em noventa por cento dos pousos o vento é de cauda, o famoso sudeste, a quarenta e cinco graus pela esquerda.



         Em circunstâncias normais, com o piloto bem concentrado, apesar das dificuldades da pista, mesmo com vento, os pousos dão pro gasto e, sem vento, dá até para fazer o sonhado "manteiga", com o contato (e não choque) com o planeta Terra, suave, imperceptível. (Grifo do impagável Chico Ledur).

         Mas voltando ao pouso: tinha vento. Para piorar, de rajadas.

         E quem vai querer aproximar com vento de cauda e través forte, inconstante, em baixa velocidade? Só quem não gosta de andar no mundo.

         E me vim nas 70 milhas, asa do vento baixa, pedal contrário, chacoalhando. Na cruzada da cerca peguei uma rajada que me tirou a compostura: fui corrigir, demorou a estabilizar-se o Kitfox e o toque foi um poquinho antes do "cocuruto". Claro que fui devolvido à atmosfera terrestre. Dei um motorzinho, tentei levar pro segundo toque, mas senti que a cerca ficaria muito próxima do piloto, isso no caso de tudo correr nos conformes o que parecia bastante improvável.

         Nem deixei tocar e empurrei a manete até o fundo. Felizmente os 80 hps do Rotax 912 responderam à altura e arremeti, que posso ser manicaca, mas bobo é que não sou.

         Dei um jeito de me concentrar, cruzar a cerca um pouco mais baixo e  tocar nos primeiros oitenta metros da pista, a fim de chegar na "catapulta", com o teco firmemente agarrado ao solo.

         Que primeiros  oitenta metros, que nada, toquei bem depois e quando cheguei na "plataforma de lançamento" deu a lógica: fui mandado de volta aos ares. Só que desta vez, como já estava com menor velocidade, senti que dava para parar em segurança antes de me estabacar na cerca. O clássico motorzinho, cedida cautelosa do manche e toque, toque, toque ... O bom da coisa é que poderia ter anotado três pousos em vez de um ...

         Ninguém gosta de dormir devendo para o avião. Cheguei a ir para a cabeceira, alinhei e, antes de correr para a decolagem, tive a sorte de olhar as nuvens passando.

         Numa velocidade ...

         Aqui que vou decolar com um ventão desses, numa cruza de través com cauda na hora de pousar, só para provar que não sou tão manicaca.

         Aí fui bom piloto, levei o pingo alado pras cocheiras.

         Mas piloto é bicho cabeçudo. Fotógrafo também.

         Comecei a quebrar cabeça e ver onde poderia melhorar para, finalmente, conseguir a perseguida montagem 360º de teco-teco e pilotando. Aí, tive um plano infalível, como os do Cascão e Cebolinha.

         No dia seguinte, sexta, fui à cidade, comprei mais gasosa e só aí já sofri um abalo moral imenso, com o preço ... Isso às seis e pouco da manhã, para voar antes que chegasse o famoso sudestão.

         Encurtando o "causo": mesmo às sete e algo da manhã o vento já estava igual ao do dia anterior às nove.


         Pelo formato das nuvens dá pra ver a intensidade do vento logo abaixo.


         "Se ontem pousei, hoje também consigo e não vou deixar de fazer o teste infalível."

         Se fumo, Kitfox, manicaca e câmara para os ares.

         Que o vento era forte, deu para ver na razão de subida: 1.000 pés por minuto, a 80 mph. Dei uma reduzida e, mesmo assim continuava subindo quase igual a helicóptero. Como era a mesma situação atmosférica do dia anterior, sabia tratar-se de mero vento de superfície e que ali pelos mil e duzentos pés a coisa se estabilizaria e não haveria turbulência nenhuma.

         Confirmou-se a "cosa". Fiz a curva 360 na maior tranquilidade e fotografando. Isso em termos de pilotagem, porque as fotos, senti que não ficariam assim, uma Brastemp, pois havia umas nuvens atrapalhando.

         Hora de ir para casa.

         Reduzi e fui descendo sem pressa, para não super-refrigerar o motor. Sabia que haveria uns sacolejões abaixo as nuvenzinhas, mas já estava preparado e não chegou a impressionar o chacoalhar das tripas.

         Vinha me doutrinando: "Esquece se as fotos vão dar certo ou não. Isso só vais saber se conseguir pousar direito. Capricha, ô manicaca. És um piloto ou um rato?"

         O pior é que tinha uma vozinha cochichando:"Um rato, um rato ..."

         Mandei o tal diabinho à merda e prometi para mim próprio que iria provar que era um piloto gaúcho, filho de Santa Maria.

         E veio o tatu pelo freio.

         Vento de través e cauda mais forte do que no dia anterior.

        Optei pelo pouso de pista, recomendável para o caso.

         Tudo como da vez anterior, só que um pouquinho mais baixo, calçadinho no motor, mesmo assim esperando a dita devolução do cocuruto e os tais pousos rápidos antes da cerca ...

         No dia anterior tivera um pressentimento: "Não voa agora. Noutro dia, em que sair por necessidade, aproveita e tenta melhorar. Se der zebra, tua consciência estará tranquila: não foi só para satisfação do ego, foi a trabalho."

         E a espera de uma arremetida era grande ou, no mínimo, o pouso boeing, boing, boing ...

         Rapaz: cruzei a cerca fui arredondando, arredondando e, periga a ser verdade, toquei numa suavidade qual nunca esperara tocar, manteiga com ventão de cauda/través e tudo.

         De tão faceiro, me desconcentrei e o toque da bequilha não foi tão suave quanto o do trem principal.

         Detalhezinho insignificante.

         E desci do Kitfox bobo que nem guri que fez a primeira barba.

         Pousar manteiga num Kitfox, avião que muito piloto (e sei dum fumaceiro - não de maconheiro, mas de Esquadrilha da Fumaça) que acha o KF muito instável e "caborteiro", com um ventão daqueles numa pistinha estrambótica é ou não ganhar o dia?

         Ah, e se os próximos pousos forem cagados, podem estar certos de que só conto para mim.

            

    E o tequinho continua inteiro e à venda. 
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Pensamento do "Dias":

Voar é a segunda maior emoção do mundo conhecida pelo homem; pousar é a primeira.

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   Vamos ressuscitar o blog como o canal de contato da aviação leve, pelo menos aqui no Sul. 
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Aproveitando: 
    Nada contra quem vende o sundown pronto para o Kitfox, mas preciso de dica sobre onde encontrar a "corda elástica" a preço razoável. 
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