Tem gente que voa bem uma barbaridade, felizmente são uns quantos. Tem gente que voa bem e são muitos. Tem gente que voa razoavelmente e não são poucos. Tem gente que voa pro gasto - e como tem. E, finalmente, tem os que voam de teimosos e continuam vivos porque o Patrão dos Hangares os protege.
Mas uma coisa é certa, em todas as categorias mencionadas,
sem exceção dum único piloto, todos já fizeram vários pousos cagados. E quem
disser que não fez é um baita dum mentiroso.
Tem piloto de acrobacia que deixa todo o mundo embasbacado
com sua perícia, coragem e domínio do avião. Só que até esse de vez em quando
dá sua rateada nos finalmentes do pouso.
O melhor piloto do mundo, em todos os tempos seria, notem o
tempo da conjugação, o que nunca rateou num pouso. Dizem que existiu um: viveu
antes de surgirem os aviões ...
Pois como dizia o gaúcho Deoclécio, taura do Alegrete que
andou iniciando um curso de PP, teve sua última aventura narrada aqui quando
roubou um Ipanema e quase se matou - podendo voltar a fequentar as linhas deste
blog - "ninguém escapa da sina do pouso cagado."
Nesta semana o blogueiro partiu pruma tentativa de fazer fotos em 360 graus de
avião, pois o drone deu pane. Aí já dá pra ver que o sujeitinho ou sempre foi
meio fora da casinha ou tá ficando caduco, pra não dizer com Alzheimer. Onde já
se viu querer fazer foto 360º pilotando e fotografando ao mesmo tempo? Mesmo
com um piloto exclusivo já é difícil de acertar as tomadas, imaginem
controlando tudo.
Mas o fato é que o homenzinho decolou, fez as fotos, que,
logicamente não funcionaram na montagem. Só que já pressentira o fracasso da
missão ainda em voo.
Talvez isso tenha influído no estado de ânimo do manicaca.
Frustrado, brabo, vendo os pilas fugindo pela janela, desconcentrou-se na
descida, aproximação e pouso.
Salientando que a pistinha é curta, 360 metros, com cerca na
cabeceira mais usada, em subida 160 metros, com brusca nivelação nesse ponto. Se
nessa altura o tequinho não estiver realmente pousado e com baixa velocidade, a
projeção da subidinha vai devolver o avião pro ar e aí é a tal de correção
certa porque não tem muito espaço para
dar um motorzinho, tocar de novo (de novo, de novo ...) e parar antes da
outra cerca, sendo que os 70 metros finais são a descer ... Ah, só para
completar: em noventa por cento dos pousos o vento é de cauda, o famoso
sudeste, a quarenta e cinco graus pela esquerda.
Em circunstâncias normais, com o piloto bem concentrado,
apesar das dificuldades da pista, mesmo com vento, os pousos dão pro gasto e,
sem vento, dá até para fazer o sonhado "manteiga", com o contato (e não choque) com o planeta Terra,
suave, imperceptível. (Grifo do impagável Chico Ledur).
Mas voltando ao pouso: tinha vento. Para piorar, de rajadas.
E quem vai querer aproximar com vento de cauda e través
forte, inconstante, em baixa velocidade? Só quem não gosta de andar no mundo.
E me vim nas 70 milhas, asa do vento baixa, pedal contrário,
chacoalhando. Na cruzada da cerca peguei uma rajada que me tirou a compostura:
fui corrigir, demorou a estabilizar-se o Kitfox e o toque foi um poquinho antes
do "cocuruto". Claro que fui devolvido à atmosfera terrestre. Dei um
motorzinho, tentei levar pro segundo toque, mas senti que a cerca ficaria muito
próxima do piloto, isso no caso de tudo correr nos conformes o que parecia
bastante improvável.
Nem deixei tocar e empurrei a manete até o fundo. Felizmente
os 80 hps do Rotax 912 responderam à altura e arremeti, que posso ser manicaca,
mas bobo é que não sou.
Dei um jeito de me concentrar, cruzar a cerca um pouco mais
baixo e tocar nos primeiros oitenta
metros da pista, a fim de chegar na "catapulta", com o teco
firmemente agarrado ao solo.
Que primeiros oitenta
metros, que nada, toquei bem depois e quando cheguei na "plataforma de
lançamento" deu a lógica: fui mandado de volta aos ares. Só que desta vez,
como já estava com menor velocidade, senti que dava para parar em segurança
antes de me estabacar na cerca. O clássico motorzinho, cedida cautelosa do
manche e toque, toque, toque ... O bom da coisa é que poderia ter anotado três
pousos em vez de um ...
Ninguém gosta de dormir devendo para o avião. Cheguei a ir
para a cabeceira, alinhei e, antes de correr para a decolagem, tive a sorte de
olhar as nuvens passando.
Numa velocidade ...
Aqui que vou decolar com um ventão desses, numa cruza de través
com cauda na hora de pousar, só para provar que não sou tão manicaca.
Aí fui bom piloto, levei o pingo alado pras cocheiras.
Mas piloto é bicho cabeçudo. Fotógrafo também.
Comecei a quebrar cabeça e ver onde poderia melhorar para,
finalmente, conseguir a perseguida montagem 360º de teco-teco e pilotando. Aí,
tive um plano infalível, como os do Cascão e Cebolinha.
No dia seguinte, sexta, fui à cidade, comprei mais gasosa e só
aí já sofri um abalo moral imenso, com o preço ... Isso às seis e pouco da
manhã, para voar antes que chegasse o famoso sudestão.
Encurtando o "causo": mesmo às sete e algo da
manhã o vento já estava igual ao do dia anterior às nove.
Pelo formato das nuvens dá pra ver a intensidade do vento logo abaixo.
"Se ontem pousei, hoje também consigo e não vou deixar
de fazer o teste infalível."
Se fumo, Kitfox,
manicaca e câmara para os ares.
Que o vento era forte, deu para ver na razão de subida:
1.000 pés por minuto, a 80 mph. Dei uma reduzida e, mesmo assim continuava
subindo quase igual a helicóptero. Como era a mesma situação atmosférica do dia
anterior, sabia tratar-se de mero vento de superfície e que ali pelos mil e
duzentos pés a coisa se estabilizaria e não haveria turbulência nenhuma.
Confirmou-se a "cosa". Fiz a curva 360 na maior
tranquilidade e fotografando. Isso em termos de pilotagem, porque as fotos,
senti que não ficariam assim, uma Brastemp, pois havia umas nuvens
atrapalhando.
Hora de ir para casa.
Reduzi e fui descendo sem pressa, para não super-refrigerar
o motor. Sabia que haveria uns sacolejões abaixo as nuvenzinhas, mas já estava
preparado e não chegou a impressionar o chacoalhar das tripas.
Vinha me doutrinando: "Esquece se as fotos vão dar
certo ou não. Isso só vais saber se conseguir pousar direito. Capricha, ô
manicaca. És um piloto ou um rato?"
O pior é que tinha uma vozinha cochichando:"Um rato, um
rato ..."
Mandei o tal diabinho à merda e prometi para mim próprio que
iria provar que era um piloto gaúcho, filho de Santa Maria.
E veio o tatu pelo freio.
Vento de través e cauda mais forte do que no dia anterior.
Optei pelo pouso de pista, recomendável para o caso.
Tudo como da vez anterior, só que um pouquinho mais baixo,
calçadinho no motor, mesmo assim esperando a dita devolução do cocuruto e os tais pousos rápidos antes da cerca ...
No dia anterior tivera um pressentimento: "Não voa
agora. Noutro dia, em que sair por necessidade, aproveita e tenta melhorar. Se
der zebra, tua consciência estará tranquila: não foi só para satisfação do ego,
foi a trabalho."
E a espera de uma arremetida era grande ou, no mínimo, o
pouso boeing, boing, boing ...
Rapaz: cruzei a cerca fui arredondando, arredondando e,
periga a ser verdade, toquei numa suavidade qual nunca esperara tocar, manteiga
com ventão de cauda/través e tudo.
De tão faceiro, me desconcentrei e o toque da bequilha não
foi tão suave quanto o do trem principal.
Detalhezinho insignificante.
E desci do Kitfox bobo que nem guri que fez a primeira
barba.
Pousar manteiga num Kitfox, avião que muito piloto (e sei
dum fumaceiro - não de maconheiro, mas de Esquadrilha da Fumaça) que acha o KF
muito instável e "caborteiro", com um ventão daqueles numa pistinha
estrambótica é ou não ganhar o dia?
Ah, e se os próximos pousos forem cagados, podem estar
certos de que só conto para mim.
– Voar
é a segunda maior emoção do mundo conhecida pelo homem; pousar é a
primeira.