domingo, 3 de junho de 2018

Tropeando Lesma




                   Não adianta querer bancar o macho e negar que, quando a gente tem uma navegaçãozinha meio longa, a ser feita numa pandorga, o coração bate mais forte, o sujeito fica meio indócil no partidor, dá um friozinho na barriga, essas coisas. Quem diz que não, ou não  tem as mínimas noções do que envolve um vôo destes ou mente para mais de metro. E se o vôo deve ser feito sozinho, sem ninguém para dar um apoio por terra, então a situação fica hosca.


                   Não que aquele que está em terra consiga evitar muita coisa, no caso duma zebra, mas que a gente sente-se melhor, ah, isso é verdade. Pelo menos no campo psicológico, uma retaguarda por terra surte um senhor efeito e, além de tornar o piloto mais confiante, certamente evita, com essa confiança que algo venha a acontecer, por falha humana.

                   Pois o meu apoiador, o mano Paulo inventara de, com seus cinqüenta e lá se iam pedradas, apaixonar-se perdidamente por uma curitibana, casar-se e se mandar para aquele frio e céu nublado. Pelo menos foi e está sendo feliz com a Sônia.

                   Mas voltando ao que interessa: surgiu a necessidade de ir a Araranguá, devidamente transportado pelo Marimbondo Vermelho, o velho Netuno de guerra, que já me dera muitos sustos, sim senhor, mas que nunca me causara maiores danos.

                   Era entrada de verão, época em que as variações climáticas e, principalmente de vento, são rápidas e violentas aqui no sul. Escolher bem o dia para a navegação era fundamental. Como fui bom aluno de meteorologia e, por ter passado a infância e adolescência na campanha, nas lidas diretas com plantação e bichos, somei o conhecimento científico ao de peão e, modéstia à parte, em muitos casos deixei todo mundo admirado com meus acertos em previsões.

                   Fui acompanhando a evolução das condições climáticas até que, a meu ver, estava por chegar o dia indicado. Na tarde anterior fui à pista da “Aldeia dos Anjos”, revisei, abasteci, deixei o Netuno em ponto de bala, para o vôo na manhã seguinte. Pretendia sair com o primeiro raio de Sol, que não vou dizer aqui que pretendia sair antes do Sol nascer e vocês sabem porque ...
                   Deviam ser umas quatro da madrugada e o despertador abriu um berreiro do lado da cama. Peguei o material necessário ao vôo, e me larguei, ainda na escuridão, rumo ao sítio de vôo, pois queria chegar em Araranguá antes que começasse o Nordestão.

                   De fato, antes do nascer-do-Sol estava tudo pronto. Esperei o nascimento e me larguei, faceiro como guri de bombacha nova, num vôo liso, tranqüilo, daqueles em que a gente realmente sente prazer em estar no céu. A sensação, num vôo desses, é de que realmente o Céu existe e está aqui na Terra.

                   Mas alegria de pobre dura pouco. Nem tinham passado vinte minutos de vôo e já sinto umas sacudidinhas, avisando: se a esta hora, com o Sol recém-saído, já há turbulência, não seria melhor fazer a viagem noutro dia?               

                   Quem voa, porém, sabe: depois de iniciado um vôo, a gente sempre arruma uma justificativa para levá-lo até ao fim, mesmo que as condições não sejam as que imaginávamos. E me peguei pensando: “Algum ventinho localizado, por diferenças de temperatura entre áreas plantadas, águas, e áreas de arborização.”

                   Ao chegar na Lagoa dos Barros deu para ver que o ventinho não era tão localizado assim, pois as marolas estavam em toda ela e indicavam: Nordestão chegando. E dali para a frente começou a briga.

                   Para chegar a Capão da Canoa, onde devia reabastecer já demorou um tempão. Reabasteci o mais rapidamente possível e, embora nem fossem oito horas, o vento já era forte. Liguei para o Zé, em Araranguá, a fim de saber do vento e me garantiu que lá estava tudo na mais perfeita calmaria.
Se lá está calmo, logo, logo, tudo se acomoda.

                   Decolei e já foi um sufoco vencer a turbulência orográfica, pois a gente decola em cima da cidade, com alguns edifícios, felizmente não muito altos, mas que desestabilizam a massa de ar em movimento. Não me abalei muito, sabendo que, sobre o mar o vento era liso.

                   E aproei o Atlântico.

                   Foi um alívio. Terminaram-se os sofrimentos.

                   É pra já que pouso no destino – pensei.
                   Cometi, então um ‘erro’: olhei para a praia. Tudo na mais perfeita ordem. Escolhi um ponto de referência e, depois dum bom tempo, olho para a esquerda novamnete e o que vejo?

                   O tal ponto de referência novamente,  correndo comigo.
                 
                  A conclusão somente podia ser uma: o ventão de proa estava aproximando-se da velocidade de cruzeiro ...

                   “Fica tranqüilo, não tens turbulência,  há combustível para três horas e meia de vôo.”

                   O vôo continuava liso, uma ‘tranqüilidade’... Mas quem disse que chegava em Arroio do Sal, Arroio Teixeira, essas praias tão próximas, para os felizardos que iam de carro.

                   Comecei a prestar atenção nos raros carros que andavam pela praia, nos trechos em que isso era permitido: fuscas, Brasílias, Chevettes, todos, sem exceção me ultrapassavam. Os únicos a não me passarem eram os pescadores e os varredores da praia que usavam carroças, puxadas a cavalo e, acho que era porque não queriam judiar dos bichos...

                   Torres demorou uma eternidade.  Até acho que foram duas eternidades  ...

                   E o pensamento: quanto mais tempo no ar, maiores as possibilidades duma pane. Com esse povo todo na praia, pouso salgante, que não é justo pôr em risco a vida de quem nada tem a ver com essa minha briga com o Nordestão. Pouso nágua, com sorte avião perdido; com azar, mais um para dar substância aos camarões e outros frutos-do-mar...

                   Desde que passei a Praia da Guarita, até a Barra do Mampituba passou-se o tempo que vocês estão levando para ler esta história ou mais.

                   O vento sobre o mar, liso, o que dispensava cansativa bateção de “Chimia” com o manche e pedalaços e mais pedalaços.

                   E o cagaço pela  possibilidade de Araranguá também estar sob os efeitos do ventão?

                   A pista lá fica afastada uns dez quilômetros do mar, em, região relativamente plana, mas cheia de plantações de eucaliptos e lavouras de mandioca.

                  Estas, as lavouras, grandes causadoras de térmicas.

                   “Estou bem arrumado. Se a intensidade for igual a esta, vou ter que voltar à praia, já com pouco combustível e arrumar um lugar sem banhistas para poder pousar. E aí, vou passar protetor solar no Netuno, pra não descascar  e ficar quanto tempo, esperando que o vento acalme?”

                   Passei Sombrio e o vento firme.

                   “Vamos ter problemas”.

                   Protelei ao máximo o sobrevôo dágua, mas teve uma hora que tive que encarar. Ganhei um pouco de altura, não muita, para ir me acostumando às condições reais de vento nas imediações da pista e fui corcoveando uma barbaridade.

                   Embaixo os eucaliptos mais novos trocavam as pontas de lugar. Quando isto ocorre, é incomodação certa no pouso, pois o vento realmente está forte.

                   Ainda tinha a possibilidade de arremetida forçada,  pois uns malucos sempre atravessavam a pista, por estar localizada  dentro da cidade. Arremeter com um ventão daqueles, para cima do centro e na direção duns morros, não muito altos, mas que formavam o temido ‘rotor’, era uma perspectiva não muito entusiasmante.

                   Evidente que levava meu indispensável EMC (Equipamento Medidor de Cagaço), a famosa garrafinha dágua. De acordo com a sobra ao final do vôo é possível saber, com exatidão,  o número e intensidade dos sustos levados pelo manicaca...

                   Pois é, naquele dia, para fazer menos de duzentos quilômetros, levei nada menos do que três horas e quarenta minutos, que, arredondando, deu a excepcional média de sessenta e seis quilômetros por hora. Considerando que, no início o vento era inexistente, depois fraco e  meio lateral, no final devia estar com um vento beirando ou superando os quarenta quilômetros horários.

                   Numa pandorga que voa a 90, adivinhem quanta água restava na garrafinha ...

                   O inexplicável é que o Zé estava coberto de razão. Em Araranguá, necas de vento. Pelo menos o pouso foi tranquilo. Nem precisei tomar água na final ...



   Já pousado em Araranguá. Prestem atenção especial ao "colete salva-vidas". Como à época o blogueiro era galo nas Maratonas (estas dos 42,195km, mesmo) era magricela uma barbaridade e deu pra reciclar o equipamento que dera à minha filha Juliana, quando ela tinha apenas oito anos....

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Futurismo na Palma ... kkk 

https://www.youtube.com/watch?v=938_in-v-CE

Um dia eu chego lá ...
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Rememorando



   Alguém saberia dizer quem é o piloto e restaurador?
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2 comentários:

  1. Homem vi que você é o fera do netuno!!!! Entre em contato comigo através do zap(81)988785032

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  2. Tenho um netuno é vou correr pista agora. Sua ajuda seria imprescindível

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