sábado, 8 de outubro de 2011

Eu fui piá em São Vicente


Vilsom Jair Barbosa


Mal começava a existência,
Era um toco de guri,
A costa do Toropi
Se tornou minha querência.
Foi a mão da Providência
Que foi me orientando a alma,
Tirando força do amargo,
Me dando horizonte largo,
Como só tem cá na Palma.

O pago a que me refiro
Não era um lugar ao léu.
Tinha um jeito de Céu
A Fazenda Bom Retiro.
De saudade, hoje suspiro:
Era lugar bom de fato,
Onde o Vovô Donato,
Um Farroupilha elegante,
Bem montado no Brilhante
Foi do gaúcho o retrato.

A vida é um cavalo:
Anda, troteia e galopa;
Sem aviso o quera topa
Com cupim, toca ou com valo
E nos surpreende o pealo:
Lá se foi o meu avô.
Aquele que me orientou
Rumo ao corredor do bem,
De soco se foi pro além
E o piazote, então, chorou.

Adeus para o arvoredo.
Adeus minha tropa de osso.
Hoje fazer não posso
Mais mangueira de brinquedo.
E nos recuerdos me enredo
Como em barbante de saco.
Com a saudade me atraco.
Não arrebento este ajojo,
Ah, se eu tivesse o apojo
Pra dar força ao guri fraco.

Nunca mais comi pitanga,
Gosto de puro mistério,
No rumo do cemitério.
Os grandes com sua zanga
A carreta, os bois na canga,
Todos, rostos fechados,
Os semblantes emburrados;
O piazedo em gritaria,
Para nós era alegria,
O passeio de Finados.

Nunca mais pesquei traíra
Com três palmos "fora o rabo".
Vou pescar, só fico brabo.
É coisa que me admira:
Nem lambari se tira.
O peixe anda sumido.
É rio, açude poluído.
Antes, na minha infância
De peixe era tal abundância:
Pros vizinhos distribuído.

E a velha Maria Fumaça,
Cortando a beira da Serra,
Levando para outra terra
Gente que vem e que passa?
Por mais esforço que faça
Não escuto mais o grito.
Se perdeu longe o apito
Foi-se o trem de carga e gente
Meu coração se ressente
Por não bater num piazito.

Foi-se o tempo do sarampo,
Da geada, pé-no-chão;
A capina, a marcação,
Vidrinho de pirilampo.
Se foi o guri de campo
Nos tombos da égua lerda.
Esta vida nos deserda.
E o choro a cara me banha:
Bom se o guri de campanha
Não sofresse tanta perda!

08 de outubro de 2011.


Nenhum comentário:

Postar um comentário