domingo, 8 de dezembro de 2024

Ás no Enfrentamento de Pane

 

                    ÁS NO ENFRENTAMENTO DE PANE

 

                   Pois o Netuno, apelidado de ‘Marimbondo’, por causa de sua cor avermelhada, que tantas alegrias e cagaços me dera, fora devidamente vendido para o Luiz Ferrari,  de Limeira, São Paulo.

                   O negócio fora feito porque já estava com o olho na mira de um experimental, mais ou menos cópia do Netuno, com asa de madeira, entelada, devidamente fechado, motor  Fusca 1600, carburação simples, com redução a correia. Aviãozinho mais adequado para minhas artes.

                   No feriado de Tiradentes de 2004, fui a Estrela - RS buscar o dito. Inicialmente surgiu um quiproquó com as correias que inventaram de patinar nas acelerações. Era chegar na cabeceira, ir ao fundo com a manete e já o giro disparava, ao mesmo tempo em que um cheiro de borracha queimada invadia a cabine. Voltei ao hangar e quiseram me convencer de que era normal, apenas um aumento de giro causado pela melhor gasolina que eu pusera, pois os antigos donos voavam com gasolina comum. Sou meio burro, mas não inteiramente: não aceitei a argumentação e pedi que se ajustassem mais as correias e aplicassem um pouco do antiderrapante, coisa  de que eles não dispunham no hangar e que tiveram que pedir a um outro ultraleveiro, o qual, além de demorar, teve um enorme senso de oportunidade e ofereceu-me o tubo de spray quase vazio a um preço bastante cheio... Como ele quebrara um galho, fiquei constrangido de dizer não à oferta e adquiri o produto em oferta invertida ...

                   Rumei à cabeceira em uso e, ao acelerar, o giro, que antes ia a 4900 rpm, não passou das 4000, indicando que as patinações haviam terminado. Adquiri confiança e me fui. Ao decolar senti uma baita tendência a curvar para a direita. Não me assustei muito, compensei, fiz um tráfego de despedida e fui para meu ninho de águia, em Montenegro. Lá chegando, trinta e cinco minutos depois, descobri que o arremate da tela no leme havia descolado e aquela borda solta havia gerado a tal tendência. Tudo dentro do normal, já que neste tipo de aviação, a gente experimenta, experimenta, até que dá cacaca...

                   Como não gosto de pregar prego sem estopa, logo após um lanche que fiz  me bateu uma vontade de recuperar parte do investimento feito, e sair num voozinho curto,  mas já tentando tirar algum retrato.

                   As coisas corriam às mil, um ventinho aproado e fraco, pressão alta, temperatura amena. Decolei faceiro que nem guri de bombacha nova e fui pros lados duma indústria que havia pedido umas fotos. Fiz as fotos na maior tranqüilidade e aproei a cidadezinha de Portão. Lá também fiz uns retratinhos quando, de repente, e sempre tem um de repente, o motor perdeu rendimento. O meu Fusca Aéreo começou a perder altitude e, de acordo com os treinamentos, escolhi o campinho para pouso forçado. Escolhida a ‘pista’ passei a checar as causas da falha: a seletora estava aberta, o voltímetro indicava que havia tensão suficiente, a luzinha do magneto estava verde. Lembrei de ligar a bomba elétrica e nada de melhorar. Aliás, com o motor naquela faixa de giro, não sei como não o afoguei. Desliguei a bomba a me passar o sermão: “Bem-feito, bocó-de-argola, quis bancar o apressadinho e sair a voar por aí, em vez de testar mais tempo em cima da pista, agora, no barato, vais quebrar um trem de pouso, no médio preço, danificar o avião e, no azar, bom, não pensa no azar ...”

                   Estava nestes pensamentos quando resolvi partir para o tudo ou nada: acionar a manete, o que estava evitando, pois pela manhã, logo após o motor pegar, ao tentar uma aceleraçãozinha, puf, apagou. Como estava em baixa rotação, acelerar também poderia significar outro puf, só que no ar. Como agora já nada havia a perder, todo cheio de dedos fui acelerando suavemente.

                   E, suavemente o motor respondeu ...

                   Atingiu a rotação normal sem nenhum problema e lá nos fomos, subindo, eu, rindo de nervoso, o avião rindo de mim ...

                   Aí, resolvi me organizar.

                    Por que houvera a queda de giro? Estaria a manete muito fouxa?

                    Nada disso. Sucedeu que houvera uma leve turbulência bem na hora em que eu recolhia a câmara com a teleobjetiva, e esta, inadvertidamente, batera na manete. Como eu já estava escaldado com o apagão do motor em terra, a  última coisa em que mexi foi na primeira em que deveria ter prestado a atenção, a posição da manete.              

                   Agora, meus cinco leitores, se tivesse de fato,  pousado no  campinho com que cara iria contar a verdade?

                   Bem provável que entraria no rol dos que não vão pro Céu por mui mentirosos ...

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