domingo, 5 de março de 2023

Sequestrador por um Dia

 

            Sequestrador por um Dia

 

            Este escrevinhador entrou na foto aérea lá nos idos de 1984, sou velhito, portanto, e meus primeiros voos foram no Aeroclube de Santa Maria.

            Como se sabe, o uso de aeronaves de aeroclubes ou não homologadas para fotos (SAE - Serviços Aéreos Especiais - na época) era e, acho, ainda é proibido. Mas, na peladura em que andavam os aeroclubes na época (talvez ainda andem), eram forçados a fazer uns panoramiquinhos, fotos, translados, para conseguir equilibrar o caixa. Falava-se à boca pequena que o DAC sabia, mas fazia vista grossa para que não houvesse uma quebradeira das escolas civis de aviação da época - os aeroclubes. Tudo pode ser fofoca de quem não tinha o que fazer ou falar ...

            Diga-se por dever de justiça que meu primeiro voo foi com o grande comandante Leonardo Kaczmarck, que por aqueles tempos era instrutor e estava com o pé no estribo para fazer o CAVAG. Tive sorte, pois nunca voara em avião pequeno e tinha receio de fazer fiasco, vomitando ou passando mal, como acontece seguidamente com fotógrafos desavisados. Ele, com aquele seu jeito calmo,  transmitia tranquilidade e segurança ao retratista já na entrada no Cessninha 140 - o famoso BBX. E, experiente, não fez curvas de alta, subidas e descidas rápidas. Foi um voo excelente, fotos boas e negócios melhores, pois fotos aéreas rendiam uns pilas na época.

            Como sou natural de Santa Maria e a família tem uma Chácarazinha em S. Vicente do Sul, continuei o trabalho na região e como o Leonardo já se bandeara para a aviação agrícola, voei com vários outros pilotos, inclusive o personagem de hoje.

            Passara este "Lambe-Lambe" um bom intervalo sem voar na região e quando voltei o pessoal no Aeroclube era outro. Ninguém me conhecia, mas, por necessidade, aceitaram fazer o panorâmico e o dito instrutor foi preparar o Cessna 172 para a gente ir para as bandas de Quevedos, Jari, Tupanciretã, meio caminho andado no rumo do Paraguai.

            O escrevinhador agora já tinha experiência e, se não me falha a memória nem me pisca a vista, já estava fazendo o PP em São Leopoldo. Mas o comandante do voo não sabia disto e eu não passava dum estranho. Sou meio de venetas e, num dia falo pelas tripas do Sujeito Aquele, noutro estou quieto, feito criança cagada (bipolar, segundo os analistas de Bagé ...).

            Pois aquele era meu dia Zen, reflexivo.

            Um sujeito estranho, caladão, com uma pochete suspeita atravessada na cintura e mais uma bolsa que, informara ele, trazia câmaras e filmes. Tal pochete realmente, para quem não é fotógrafo é mui estranha: nela cabe uma lente 70-200mm, uma câmara com lente normal, filmes, etc.  Dá, tranquilamente para levar um tresoitão, cano médio sem levantr suspeita.

            Mas pro comandante, levantou suspeita, ainda mais que a proa era pro Paraguai.

            Decolamos.

            O sujeito devia já estar borrado e pensando: "Bem que eu podia retornar à Base Aérea e solicitar uma revista dessa bagagem. Se faço, e não for nada demais, entrego o Aeroclube por voo proibido, perco a vaga de instrução, são capazes de aplicar uma interdição e a bagunça está bem feita. Vou ter que arriscar".

            Eu às voltas com fotos, planejamento, marcação de posição para posterior visita ao fazendeiro, granjeiro, dono de posto, etc.

            O encagaçado comandante quieto, suando, louco para voltar, pois não estava acostumado com fotos aéreas em série, quando se vai fotografando tudo que é estabelecimento, obra, cidade, etc.

            - Já não está na hora de voltar? - perguntou, tremendo a voz.

            - Não, recém estamos no início. Até aqui é região que conheço e são fotos já encomendadas. Vamos começar novo setor, aproando um pouco mais para oeste. Esse um pouco mais para oeste foi quase a gota dágua para borrar as cuecas do homem. Era o caminho mais curto para a fronteira com o Paraguai.

            E veio a gota dágua:

            Saquei da pochete um objeto preto, borda superior arredondada, que deixava apenas aparecer o cano, pois o cabo a mão encobria.

            "Este filho duma égua vai me sequestrar. Ninguém traz pistola prum voo de foto."

            E pediu proteção a Nossa Senhora do Loreto: "Por favor, me livra desta. Sou jovem, iniciando carreira de piloto. Não mereço virar um defunto abandonado numa pista clandestina dos contrabandistas paraguaios!"

            A invocada atendeu na hora e ouviu-se uma voz salvadora:

            - Foto golf trinta e quatro: fazenda com mangueiras e piscina, à esquerda da estrada de Quevedos a Jari.

            Era eu falando ao minigravadorzinho, que para o borrado piloto tinha parecido um Lugger, Taurus ou qualquer outra fatal pistola ...

            Naquele tempo o GPS não era usado corriqueiramente e descrever os locais fotografados era o melhor jeito de se contatar com os proprietários para oferecer os "retratos".

            O cueca borrada evoluiu, também fundou uma empresa de aviação agrícola: nome do índio - Ledo Paulo Rosa, grande parceiro.

            Dizem que descobriu uma fórmula mágica de sanitização de assentos de Cessna, onde cheiro de merda transforma-se em perfume ...

            A gente aumenta, mas não inventa.

            O referido é verdade e dou fé.

            Palma, 05 de março de 2023

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