Ainda sem comprovação científica, mas há indícios de que a raça de inseto que mais vive de teimoso é a de gubernator aeroplani - piloto, em latim, nobre leitor.
Não surgiu
Universidade renomada que tenha patrocinado a pesquisa para provar que
determinada classe de humanus pertinax
continua vivendo apesar das inúmeras tentativas que os membros da raça fazem
para encurtar seus "curtos dias na Terra que o Senhor Deus lhes dá"
...
Mas se existe algum recém-formado que ainda não tem ideia
da tese a defender, aqui fica a sugestão: "Prolongamento da Vida Através
do Emprego Reiterado da Teimosia".
E o paradigma aconselhado é o gubernator aeroplani pertinax.
Não adianta,
essa raça parece que quanto mais tenta, menos consegue realizar seu sonho de voar
noutras dimensões.
Os católicos são devotos de Nossa Senhora do Loreto. Os
seguidores de outras religiões também têm seus protetores e, acredito, todas as
crenças afirmam que cada ser humano tem um anjo protetor que se encarrega de
cuidar para que o mal não atinja seu protegido.
Os que mais trabalham são os protetores de quem voa.
Se fosse possível falar com esse pessoal, quase
certamente descobriríamos que aqueles encarregados de zelar pela integridade
dos pilotos, ao descobrirem sua missão, com certeza apelaram enfaticamente ao
chefe para fazer uma troca, a fim de que fossem lotados noutra repartição ...
Que motorista de avião é uma racinha que dá trabalho, ah,
isto é ...
Uns gostam de provocar a natureza se enfiando em
condições meteorológicas mui brabas, outros adoram se exibir para a namorada,
há os que são desafiadores de limites, cada vez chegando mais perto do lado de
lá do limite, existem os acrobatas sem preparo, os inexperientes presunçosos, enfim,
uma lista de gente que vive procurando, procurando e, felizmente, nem sempre
achando sarna pra se coçar.
Mas volta e meia o anjo-da-guarda distraiu-se, adoeceu,
teve dor-barriga, viu uma anja bonita, enfim, rateou no cumprimento do dever e
lá se foi um membro da raça dos pertinax
...
Apesar dessas eventuais perdas a grande verdade é que
"piloto vive de teimoso"
porque, se para cada aprontação viesse a cobrança correta, estaríamos numa
tremenda falta de mão-de-obra para motorista de objetos voadores.
Quem de nós não andou perto da foice aquela? Quem já não
pensou: "Essa foi por pouco"?
Pois lhes contarei uma involuntária aprontação que, por
pouco não envia a mim e ao outro piloto ao prematuro Juízo Final.
Este escrevinhador tinha que fazer uma navegação topetuda
para a Região Sul do Rio Grande, com sobrevoos de visualização de diversas
áreas, afastando o aviãozinho da rota seguidamente, o que, obviamente, exigia
mais tempo de voo e combustível para permanecer lá no alto.
Decolamos, o Lagartixa - se não me engano e eu - com os tanques cheios até as goelas, certos de
que a gasosa seria mais do que
suficiente.
Naquele tempo este "idoso" - pra não dizer
velho - era um guri de trinta e sete anos e o Lagartixa era um piá que talvez
nem vinte anos tivesse. Acontece que o gajo aqui, nem PP havia checado ainda porque entrei na aviação aos 34 anos. Estava terminando o curso, mas ainda não fora brevetado.
O Lagartixa, ainda que já fosse piloto comercial, andava
com sua experiência de menos de 150 horas, o que, convenhamos, não é assim,
coisa de outro mundo ...
Estava pronta a receita para uma eventual aprontação,
mesmo que não intencional.
Começamos a sobrevoar umas áreas logo depois de Guaíba,
aproamos Tapes, mas o aproamos era apenas força de expressão. Era um tal de
ziguezaguear duma propriedade para outra que, mal havíamos passado Barra do
Ribeiro, já estávamos com mais de duas horas de voo, o que, em linha reta,
devia dar uns quarenta minutos.
E assim fomos, curva à esquerda aqui, à direita ali, três
meia zero lá adiante que, pra já, estávamos com três horas de voo. Beirava
meio-dia, quando sobrevoamos a pista duma prima de meu amigo Marocco, a qual
ficava bem pertinho da sede da fazenda.
Claro que pousamos para uma desaguada e, por
constrangimento, um convite para o almoço.
Aliviados e de barriga reabastecida, lá nos fomos no rumo
de Camaquã onde pousamos na pista do Ernani Mello (Antiga Aeroagrícola
Sotriar).
Bem, sempre anotando o tempo de voo transcorrido no
tanque direito, tanque esquerdo, reinício do voo depois de cada pouso e mijada.
Mesmo assim, dali a pouco o Lagartixa começou a incomodar com a
preocupação referente ao combustível.
- Tchê, fica frio, tô anotando tudo, mal passamos das
três horas. Daqui a São Léo é um pulo - coisa de cinquenta minutos. Vamos
chegar lá com combustível que dá pra voltar aqui.
Ao que ele retrucou:
- Mas a impressão que tenho é de que voamos bem mais do que
isso.
- Tu tá é muito impressionável! Toca ficha e vamos voar
mais uns trinta minutos ali por perto de Arambaré, depois voltamos "só o
risco e o fedor", direto, sem ziguezague, na maior tranquilidade.
- Mas Barbosa, tu tens certeza de que estamos só com três
horas e pouco. Olha os mostradores de gasolina. Estamos quase no vermelho.
Insisti e ele concordou em ir até a beira da Lagoa dos
Patos.
De lá aproamos as casas.
O Lagartixa, entretanto, vinha nervoso.
Os ponteiros de ambos os tanques entraram no vermelho de
verdade.
Quando chegamos no Aeroclube o pessoal já estava de olho
arregalado, pois o tempo desde a decolagem era muito superior à autonomia do
valente Cherokee 140.
- Fiquem frios, temos ainda muita gasolina nos tanques.
Acontece que pousamos pra churrasquear numa amiga e para desaguar numa outra
pista agrícola. Estamos com apenas quatro horas e pouco de voo.
O sistema do Aeroclube era de que todo o piloto que chegava
dum voo tinha obrigação de reabastecer a aeronave, pois se houvesse necessidade
dum voo urgente e não programado, não se perderiam preciosos minutos com
reabastecimento.
E nos fomos para a bomba a fim de encher os tanques.
Pois não é que quase esvaziamos o reservatório do Aeroclube ...
Resumindo: a gente tinha gasosa para mais uns quinze
minutos de voo e, olha lá.
Com mais um tempinho voando e, pela rota de retorno, estaríamos em pane seca bem em cima da área urbana
de Sapucaia ou São Leopoldo, com todos os riscos e possibilidades de zebra em
pouso forçado sobre áreas construídas.
O aprendiz de piloto aqui tinha se atrapalhado nos cálculos. Quem fez curso nos idos de
antigamente, sabe daquela história dos minutos que se transformam em horas na soma
dos tempos. Nada desses celulares e aplicativos frescotiados que calculam tudo pra ti. Pois nessa transformação eu comera uma hora inteirinha...
Em vez das quatro horas, ponto dois, chegáramos com cinco
horas e dois décimos sem nenhum reabastecimento ...
Conseguimos convencer o instrutor-chefe a não levar o
ocorrido para conhecimento dos superiores. Seria "gancho" certo de
dois ou três meses sem poder voar ou, quem sabe, até um convite para ir voar em
outras plagas ...
Dizem que o relatório dos anjos-da-guarda exigiu adicional de horas extras e
periculosidade por ter que voar junto com os dois gubernator aeroplani pertinax, que eram, das duas uma: loucos de atirar pedra
ou burros que nem certa presidenta duma
republiqueta da América Latina ...
Aqui o mesmo aviãozinho em Santa Cruz do Sul, numa aventura
bem mais light, onde tudo correu dentro dos conformes.
18 de março de 2023.
Se você tem um "causo" engraçado, uma história séria, uma aventura para contar, manda para o Barbosa Lambe-Lambe, que ele enfeita, mas não inventa e publica.
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Por Isto é que os Anjos da Guarda de Pilotos Querem Adicional de Periculosidade
Humor
Piloto de Cirrus avaliando as condições meteorológicas para voo.
Atentar para o que acontece quando vem o relâmpago ... !!!
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