sábado, 21 de janeiro de 2023

Deoclécio, o Peão Voador - Capítulo X - Febrão

    Como na primeira vez em que o Deoclécio, Peão Voador do Alegrete entrou no blog, suas aventuras foram seguidas com extrema ansiedade pelos meus cinco leitores, achei por bem relançar algumas de sua peripécias já passadas, conhecidas e esquecidas, prometendo dar continuidade com suas novas aprontações. 

   Chamo a atenção para este capítulo em especial, pelos motivos a seguir expostos - expressão do juridiquês que uso só para provar que ainda não esqueci de um tudo o que me ensinaram no Curso para Advogado de Porta de Cadeia.

    Sempre ouvi falar de que a arte imita a vida, mas neste caso, a vida imita a arte.

    A febre aqui referida foi causada pela tal de H1N1 - a Gripe do Porco e, pasmem, o capítulo das aventuras foi escrito e postado em 30 de outubro de 2010.

    Qualquer semelhança com a Covid foi mera coincidência ... 

    Ou seria clarividência?!

    Tiro o chapéu para mim próprio, ao descobrir mais este talento oculto ... - o de prever o futuro com detalhes exatos.

                   

Deoclécio, o Peão Voador  

 

         Pois como faz um certo tempo que o Deoclécio não comparece com suas aventuras, esclareço que no capítulo anterior o índio estava em pleno primeiro vôo solo, no circuito de tráfego, gritando, louco de faceiro, com sua realização ...

 

         Foi quando a enfermeira, apavorada, ouviu aqueles gritos de "Qui - bi - bi - u - uh - uh!!!!!!!!".

 

         Entrou correndo no quarto e encontrou o Deoclécio, olhos arregalados, banhado em suor, rebolqueando-se na cama.

 

         Devia ser o febrão, coisa de quase 41 graus e o peão beirava o estado convulsivo.

 

         O médico-plantonista foi chamado às pressas e, vendo a gravidade da situação, ordenou que o doente fosse imediatamente colocado numa banheira de gelo, a fim de baixar a febre, ainda que houvesse o risco de complicar-se a "gripe-do-porco".

 

         O índio já conquistara a bem-querença de enfermeiras, médicos e pacientes. Por isso todos acompanhavam com apreensão o estado de saúde do futuro piloto. Queriam ver o amigo bom de vereda.

 

         Mas o causo era encardumado. Deoclécio era um dos raros pacientes maduros em que a gripe agia com tanta virulência. Aquele remédio afrescoteado que o governo comprara em grande estoque não fazia nem "cosca" no organismo do homem.

 

         O jeito era confiar na resistência do gaudério, que os remédios somente serviam para tapear os sintomas da gripe.

 

         A prenda Cláudia não desgrudava da cabeceira. Emagrecia a olhos vistos e nem assistia às aulas da faculdade, muito menos as do Curso de Piloto Privado. Estava com umas olheiras de dar pena.

 

         Pela cidade corria a notícia de que o peão que estava aprendendo a voar beirava a morte, vitimado pela gripe vinda das bandas de Paso de Los Libres, na Argentina, via Uruguaiana, cidade de intenso movimento de caminhoneiros. Esses caminhoneiros vivem cruzando entre Brasil, Argentina e Chile e, podiam, muito bem, servir como agentes transmissores do vírus. Um deles até passava mal num hospital da cidade fronteiriça.

 

         Um grupo de solteironas beatas, sabedoras dos, digamos, dotes do gaúcho, fazia vigília, rezando vinte e quatro horas por dia pela pronta recuperação do piloto. Sabem como é, a esperança é a última que morre e elas alimentavam a esperança de não partir desta para melhor sem o gostinho, ou seria, gostão ...

 

         Nas aulas do Curso o assunto era o estado de saúde do peão.

 

         - Que graça vai ter, a gente ser aprovado na banca não ter o Deoclécio junto? - dizia um.

 

         - As tiradas do taura, seu jeitão direto e as ganhadas dos instrutores, isso está fazendo muita falta - acrescentava outro.

 

         O fato é que a saúde do Deoclécio era o assunto do momento e até a Rádio principal da cidade, todos os dias falava sobre a evolução do tratamento.

 

         Com o tratamento emergencial do mergulho no gelo, o homem baixou a febre, mas havia o risco de estar contaminado pela super-bactéria, além do vírus gripal.

 

         O caldo ameaçava entornar e havia o risco bem real do Deoclécio esticar as canelas.

 

         Seria uma perda para o Alegrete e o  mundo aeronáutico.

 

         Pessoas que liam o blog dum tal de Barbosa, enviavam os votos de recuperação, a partir do lugares mais longínquos, por exemplo, Vietnã, Japão, Malásia, Estados Unidos, Ilhas dos Açores, etc.

 

         Parecia até que era o candidato a presidente que estava doente.

 

         De volta ao quarto, o doente ficou num estado de letargia e os médicos resolveram aplicar um calmante, para que ele economizasse energias e as aplicasse unicamente no combate ao vírus e possível bactéria.

 

         Com soro no braço, alguns quilos mais magro, cor de doente, não era nem sombra do cavaleiro ereto que montava pelos pampas há poucos dias.

 

         A corrente pró-recuperação do Deoclécio não se interrompia e ganhava adeptos a cada hora. O padre, sem cobrar nada, resolveu rezar missa pelo índio. Pastores evangélicos incluíam o doente nas orações em seus cultos. Umbandistas faziam passes. Velhos, adultos, jovens, crianças, todos queriam que o peão realizasse o seu maior sonho - voar pelos pampas.

 

         No mais profundo de seu inconsciente o peão sabia que não se morre sem peleia. Botou cada célula, cada vaso sangüíneo, cada nervo e músculo a lutar pela vida.

 

         - Se nunca desparei de adaga, me assustei com rodada feia, revólver, facão, dois ou três contra um, havéra de se vê se vô me entregá pruns micóbrio? Eles que me esperem! - delirava.

 

         Entre as lágrimas, a Claúdia tinha que largar um riso amarelo, com as tiradas do peão.

 

         Ainda havia luta.

 

         Era ele um Farrapo, em plena revolução, numa carga de cavalaria, indômito, invencível, encarando a morte de frente, mas nunca pensando em entregar a rapadura.

 

         - E tem mais, só morro adespoi de confirmá o solo! Antes disso, nem que a vaca tussa!

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         E agora? Morre o peão? Mata os "micóbrio"?

        Acesse o blog na semana que vem ...

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 Ah, se sobrar um tempinho, amanhã, domingo, 22 de janeiro do ano da Graça de 2023, posto mais alguma coisa - pode até ser de fundamento.

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PENSAMENTO DO DIAZ:

Voar é a melhor coisa do mundo; pousar é melhor ainda!!!

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