Repelente de Chato de Hangar
Este
escrevinhador teve o privilégio de pilotar o "15 Bis", aviãozinho
louco de buenacho construído pelo Marcos Ramão Ledur. O nome para registro foi
muito bem escolhido, pois, realmente foi uma criação aeronáutica de grande impacto no
meio, tal qual o primogênito "14 BIS", do baixinho aquele, chamado
Alberto Santos Dumont.
E tenho que
valorizar a classe dos baixinhos, que além de servir para fazer os grandes
brigarem, também têm a mania de ser inteligentes e inventivos ...
Pois bem, o
"15 Bis" foi um cruzamento de Netuno (um ultraleve básico, motor VW,
bem primário, com o Kitfox, já mais
avançado e um projeto bem mais moderno, em relação ao modelo que homenageou o
Deus das Profundezas ...
Ora se
Netuno seria nome para avião ... Não é
de estranhar que, com esse batismo, tenha caído no esquecimento ...
Pois o
"15 Bis", inteligentemente fabricado pelo Ledur, o Marcos, não o
Chico - piloto agrícola e irmão do
construtor, aproveitou o melhor de cada um dos modelos. A esse cruzamento
incorporou um par de asas doado (o par
foi doado, portanto não há erro de concordância ... ) pelo saudoso
"seu" Darci, de Osório. Com um porementes: o motor era um Volkswagen
1.600 original, carburador simples, 30 milímetros. Isso era motorização mui
flaquita para um tequinho, mesmo com redução a correia.
Ainda que
sendo um "cruzamento de jacaré com porco-espinho", era um
"oroplano" excelente de comando, estável, enfim, daqueles projetos
que a gente não consegue explicar como deu tão certo, quando, na teoria, tinha
tudo para dar errado. Adaptações de célula, motorização fraca, redução a
correia desdentada (ou lisa), asas de projeto totalmente diverso, etc., etc.
Pois o
manicaca aqui vivia com uma ideia fixa: o dia em que o tequinho tiver uma queda
mínima de potência, não tem "escapula": vou pro chão, sem dó nem
piedade.
E voava com
o 15 Bis por esse Rio Grande de Deus.
De sair aqui
de São Vicente, ir tirando retrato campo a fora, passando por Alegrete, abastecer
por lá e seguir na confirmação do "como é longe Uruguaiana". Lá na
costa do Uruguai, só não entrei Argentina a dentro, para não humilhar "los
hermanos com meu "Brasília
voador". Sim, porque o motor era realmente um motor de Brasília.
Aí está ele, no dia do tal voo mui longo, em Uruguaiana
Acham que
estou mentindo? Pois vou completar: abasteci em Uruguaiana, me toquei pra Itaqui,
abasteci de novo, passei por Maçambará e voltei pras casas em São Vicente do
Sul, numa perna longa uma barbaridade.
E cheguei
tranquilo e faceiro.
Mas até com
o fios de cabelo esgotados de cansaço.
Contando,
até eu fico na dúvida se foi verdade ...
Que tequinho
bom!
Até lembro
que quando estava hangarado com ele em Montenegro, ficava todo sem jeito em
contar minhas aventuras, porque "lá tinha" um amigo que comprara um
"Conquest", se não me engano por 120 mil dólares e vivia enfrentando
problemas com sua aeronave. Tantos que acabou devolvendo o
"aparelho". Consta que eventuais defeitos que poderiam acontecer com
toda a produção dos montadores, escolheram concentrar-se em um único aviãozinho
...
O "15
Bis" me custara apenas dez mil reais (não dólares) e era confiável,
eficiente. Era ou não de deixar o meu amigo puto da vida o fato de haver gasto vinte vezes mais e ficar voando sempre com o traseiro na reta?
Ah, consta
que o Conquest é um excelente avião. Aquilo foi uma Zica que atacou num lugar e
num proprietário só.
Tem outras
aventuras com o "Brasília" do Lambe-Lambe, que já contei e outras que
pretendo contar.
Tanto gostei
do aviãozinho que fui homenageado pela patroa Sandra, pintora (tomara que não
pinte o sete ...). Perco a amizade (e o casamento) mas não perco a piada. Pois
ela pintou numa camiseta o dito aeroplano.
Devido a
algum engano fui convidado para a Festa
do Dia do Aviador, em São Gabriel, entre 22 e 24 de outubro de 2021. Por
conhecer o Leonardo e sua turma, conhecer melhor ainda a qualidade das carnes
que eles assam por lá, montei no Kitfox e me fui.
Como em
minhas andanças profissionais, ando muito por este Rio Grande, fiz amigos por
todos os quadrantes da querência. Assim fui prosear com um grupo aqui, outro
bolinho ali, até que cheguei nos alegretenses. De longe reconheci o
"Guerra", excelente amigo e melhor piloto. Pilota uma barbaridade, tanto
avião de adulto (Globe Swift - é assim que se escreve?), Ipanema, etc., quanto aeromodelos. Entre outros no grupo
havia um sujeito magro que ao ver o "15 Bis" estampado na camisa,
começou a me especular: se eu era o piloto, se sabia quem fora o construtor,
onde está agora o 15 Bis, essas coisas.
Fui respondendo
e notei que o pessoal em roda, disfarçadamente segurava o riso. E o tal magrão
dê-lhe perguntar: se eu uma vez não tinha sobrevoado o Alegrete com o avião da
Pepsi, pois o tequinho fora pintado com uma asa azul e outra vermelha, no mesmo
tom das cores da Pepsi-Cola?
Lá pelas
tantas o tal magrão falou que conhecia o saudoso construtor, que, segundo
sabia, era irmão do Chico Ledur, o piloto agrícola e de acrobacias com o RV-6. E
aproveitou para perguntar se eu conhecia o paradeiro do Chico?
Respondi que
a última notícia que tinha era de que o tal maluco andava lá por Sinop, no Mato Grosso.
Aí o pessoal
não se aguentou e caiu na gargalhada!
Pois o tal
magrão era o próprio Chico Ledur que, como muita gente sabe, teve sua época de
gordo. Bem gordo. E a última vez que eu falara com ele fora na época do
peso-pesado ...
Depois andou
fazendo cirurgia bariátrica, regimes, dietas e tal, ficando com o corpo de bailarino espanhol ...
Tudo isso
para dar a abertura a um causo narrado pelo próprio na última vez em que
conversamos.
Se passou
bem assim, segundo contou o, na época, Gordo Chico Ledur:
Estavam ele
e alguns amigos num papo de fim de tarde, no Aeroclube ou coisa parecida lá de
Sinop quando apareceu na roda o famoso chato, aquele melhor do que todos.
Não existe
lugar no mundo livre deste tipo de inseto. Não tem veneno que mate esse
organismo maléfico. Se vocês conhecerem algum local frequentado por pilotos,
futuros pilotos, ex-pilotos e aficcionados da aviação que esteja livre desta
praga mundial (pior do que Covid) me avisem, que vou me mudar pra lá.
E nunca o
tal ás é realmente tudo o que se acha.
Os
verdadeiros ases que conheço são humildes, discretos e não precisam, eles próprios,
ficarem a se vangloriar. O talento deles já é suficiente.
Mas o
"ás" chegou arrotando goma: que fazia, acontecia, deixava de fazer e
assim por diante. Aquela conversa de
irritar até a própria mãe.
Deixou pro
final a frase de efeito:
- O único
aqui em Sinop que já passou entre os dois edifícios sou eu!
Aí se calou
num pouquinho, para saborear a glória de ser o mais competente e corajoso
piloto da região.
Nisso o à
época "Gordo Ledur", naquele seu jeito divertido, chegou pro "ás"
no manche e falou naquele seu modo pausado e único:
- Capaz,
guri?! Verdade que tu conseguiste passar entre os dois edifícios?
O chato de
hangar estufou o peito, cresceu uns 5 cm na altura e retrucou:
- Por acaso
tá duvidando de mim? Tenho prova, até vídeo que um amigo fez!
- Bah, tchê,
lá no Alegrete é difícil encontrar um piloto com essa coragem - replicou o
Chico.
Sem grandes
explicações foi saindo da roda para terminar a inspeção do seu RV e fazer o
famoso voozinho de final de tarde.
Como se sabe
o Chico, além de excelente contador de causos é um baita piloto, meio maluco, é
certo, mas competente e corajoso. E isso comprovam as laranjeiras, bananeiras e
outras árvores domésticas que por ele
foram podadas, na devida época, em tempo recorde a poder de asa e hélice dum RV
em exclusivíssima técnica agrícola alegretense ... Um parafuso chato do qual
ele só saiu no solo e no hospital ...
Decolou dito
gaúcho com seu RV-6 e dirigiu-se para os
lados da cidade.
Não se sabe
como, talvez pelo celular de um amigo, o tal ás no cockpit foi informado de
alguns acontecimentos, arrumou uma desculpa esfarrapada e foi saindo de
mansinho.
Quando o
Gordo Chico Ledur pousou, o chatonildo tinha azulado.
Segundo
consta nunca mais apareceu no tal hangar e se foi visto rondando as imediações,
fazia caravolta e se mandava a la cria quando avistava o nobre representante da
fronteira gaúcha por perto.
E tinha lá
seus motivos:
O Chico "perdera" o
controle do RV na hora de tentar a passagem no meio dos edifícios e o fizera no
dorso ...
Sua manobra
foi o mais poderoso repelente de chatos de hangar que se viu em Sinop ...
(Ah, a gente
aumenta, mas não inventa.) Fato devidamente comprovado, verídico e acontecido.
Chácara
Analou - Encruzilhada da Mata - RS, 07 de novembro de 2021.
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