domingo, 7 de novembro de 2021

Repelente de Chato de Hangar

            Repelente de Chato de Hangar

 

            Este escrevinhador teve o privilégio de pilotar o "15 Bis", aviãozinho louco de buenacho construído pelo Marcos Ramão Ledur. O nome para registro foi muito bem escolhido, pois, realmente foi  uma criação aeronáutica de grande impacto no meio, tal qual o primogênito "14 BIS", do baixinho aquele, chamado Alberto Santos Dumont.

            E tenho que valorizar a classe dos baixinhos, que além de servir para fazer os grandes brigarem, também têm a mania de ser inteligentes e inventivos ...

            Pois bem, o "15 Bis" foi um cruzamento de Netuno (um ultraleve básico, motor VW, bem primário,  com o Kitfox, já mais avançado e um projeto bem mais moderno, em relação ao modelo que homenageou o Deus das Profundezas ...

            Ora se Netuno seria nome para avião ...  Não é de estranhar que, com esse batismo, tenha caído no esquecimento ...

            Pois o "15 Bis", inteligentemente fabricado pelo Ledur, o Marcos, não o Chico - piloto agrícola e  irmão do construtor, aproveitou o melhor de cada um dos modelos. A esse cruzamento incorporou um par de  asas doado (o par foi doado, portanto não há erro de concordância ... ) pelo saudoso "seu" Darci, de Osório. Com um porementes: o motor era um Volkswagen 1.600 original, carburador simples, 30 milímetros. Isso era motorização mui flaquita para um tequinho, mesmo com redução a correia.

            Ainda que sendo um "cruzamento de jacaré com porco-espinho", era um "oroplano" excelente de comando, estável, enfim, daqueles projetos que a gente não consegue explicar como deu tão certo, quando, na teoria, tinha tudo para dar errado. Adaptações de célula, motorização fraca, redução a correia desdentada (ou lisa), asas de projeto totalmente diverso, etc., etc.

            Pois o manicaca aqui vivia com uma ideia fixa: o dia em que o tequinho tiver uma queda mínima de potência, não tem "escapula": vou pro chão, sem dó nem piedade.

            E voava com o 15 Bis por esse Rio Grande de Deus.

            De sair aqui de São Vicente, ir tirando retrato campo a fora, passando por Alegrete, abastecer por lá e seguir na confirmação do "como é longe Uruguaiana". Lá na costa do Uruguai, só não entrei Argentina a dentro, para não humilhar "los hermanos  com meu "Brasília voador". Sim, porque o motor era realmente um motor de Brasília.

            

Aí está ele, no dia do tal voo mui longo, em Uruguaiana

            Acham que estou mentindo? Pois vou completar: abasteci em Uruguaiana, me toquei pra Itaqui, abasteci de novo, passei por Maçambará e voltei pras casas em São Vicente do Sul, numa perna longa uma barbaridade.

            E cheguei tranquilo e faceiro.

            Mas até com o fios de cabelo esgotados de cansaço.

            Contando, até eu fico na dúvida se foi verdade ...

            Que tequinho bom!

            Até lembro que quando estava hangarado com ele em Montenegro, ficava todo sem jeito em contar minhas aventuras, porque "lá tinha" um amigo que comprara um "Conquest", se não me engano por 120 mil dólares e vivia enfrentando problemas com sua aeronave. Tantos que acabou devolvendo o "aparelho". Consta que eventuais defeitos que poderiam acontecer com toda a produção dos montadores, escolheram concentrar-se em um único aviãozinho ...

            O "15 Bis" me custara apenas dez mil reais (não dólares) e era confiável, eficiente. Era ou não de deixar o meu amigo puto da vida o fato de haver  gasto vinte vezes mais e ficar  voando sempre com o traseiro na reta?

            Ah, consta que o Conquest é um excelente avião. Aquilo foi uma Zica que atacou num lugar e num proprietário só.

            Tem outras aventuras com o "Brasília" do Lambe-Lambe, que já contei e outras que pretendo contar.

            Tanto gostei do aviãozinho que fui homenageado pela patroa Sandra, pintora (tomara que não pinte o sete ...). Perco a amizade (e o casamento) mas não perco a piada. Pois ela pintou numa camiseta o dito aeroplano.

            Devido a algum  engano fui convidado para a Festa do Dia do Aviador, em São Gabriel, entre 22 e 24 de outubro de 2021. Por conhecer o Leonardo e sua turma, conhecer melhor ainda a qualidade das carnes que eles assam por lá, montei no Kitfox e me fui.

            Como em minhas andanças profissionais, ando muito por este Rio Grande, fiz amigos por todos os quadrantes da querência. Assim fui prosear com um grupo aqui, outro bolinho ali, até que cheguei nos alegretenses. De longe reconheci o "Guerra", excelente amigo e melhor piloto. Pilota uma barbaridade, tanto avião de adulto (Globe Swift - é assim que se escreve?), Ipanema, etc.,  quanto aeromodelos. Entre outros no grupo havia um sujeito magro que ao ver o "15 Bis" estampado na camisa, começou a me especular: se eu era o piloto, se sabia quem fora o construtor, onde está agora o 15 Bis, essas coisas.

            Fui respondendo e notei que o pessoal em roda, disfarçadamente segurava o riso. E o tal magrão dê-lhe perguntar: se eu uma vez não tinha sobrevoado o Alegrete com o avião da Pepsi, pois o tequinho fora pintado com uma asa azul e outra vermelha, no mesmo tom das cores da Pepsi-Cola?

            Lá pelas tantas o tal magrão falou que conhecia o saudoso construtor, que, segundo sabia, era irmão do Chico Ledur, o piloto agrícola e de acrobacias com o RV-6. E aproveitou para perguntar se eu conhecia o paradeiro do Chico?

            Respondi que a última notícia que tinha era de que o tal maluco andava lá por Sinop,  no Mato Grosso.

            Aí o pessoal não se aguentou e caiu na gargalhada!

            Pois o tal magrão era o próprio Chico Ledur que, como muita gente sabe, teve sua época de gordo. Bem gordo. E a última vez que eu falara com ele fora na época do peso-pesado ...

            Depois andou fazendo cirurgia bariátrica, regimes, dietas e tal, ficando com o corpo de  bailarino espanhol ...

            Tudo isso para dar a abertura a um causo narrado pelo próprio na última vez em que conversamos.

            Se passou bem assim, segundo contou o, na época, Gordo Chico Ledur:

            Estavam ele e alguns amigos num papo de fim de tarde, no Aeroclube ou coisa parecida lá de Sinop quando apareceu na roda o famoso chato, aquele melhor do que todos.

            Não existe lugar no mundo livre deste tipo de inseto. Não tem veneno que mate esse organismo maléfico. Se vocês conhecerem algum local frequentado por pilotos, futuros pilotos, ex-pilotos e aficcionados da aviação que esteja livre desta praga mundial (pior do que Covid) me avisem, que vou me mudar pra lá.

            E nunca o tal ás é realmente tudo o que se acha.

            Os verdadeiros ases que conheço são humildes, discretos e não precisam, eles próprios, ficarem a se vangloriar. O talento deles já é suficiente.

            Mas o "ás" chegou arrotando goma: que fazia, acontecia, deixava de fazer e assim por diante.  Aquela conversa de irritar até a própria mãe.

            Deixou pro final a frase de efeito:

            - O único aqui em Sinop que já passou entre os dois edifícios sou eu!

            Aí se calou num pouquinho, para saborear a glória de ser o mais competente e corajoso piloto da região.

            Nisso o à época "Gordo Ledur", naquele seu jeito divertido, chegou pro "ás" no manche e falou naquele seu modo pausado e único:

            - Capaz, guri?! Verdade que tu conseguiste passar entre os dois edifícios?

            O chato de hangar estufou o peito, cresceu uns 5 cm na altura e retrucou:

            - Por acaso tá duvidando de mim? Tenho prova, até vídeo que um amigo fez!

            - Bah, tchê, lá no Alegrete é difícil encontrar um piloto com essa coragem - replicou o Chico.

            Sem grandes explicações foi saindo da roda para terminar a inspeção do seu RV e fazer o famoso voozinho de final de tarde.

            Como se sabe o Chico, além de excelente contador de causos é um baita piloto, meio maluco, é certo, mas competente e corajoso. E isso comprovam as laranjeiras, bananeiras e outras árvores domésticas que   por ele foram podadas, na devida época, em tempo recorde a poder de asa e hélice dum RV em exclusivíssima técnica agrícola alegretense ... Um parafuso chato do qual ele só saiu no solo e no hospital ...

            Decolou dito gaúcho com seu RV-6  e dirigiu-se para os lados da cidade.

            Não se sabe como, talvez pelo celular de um amigo, o tal ás no cockpit foi informado de alguns acontecimentos, arrumou uma desculpa esfarrapada e foi saindo de mansinho.

            Quando o Gordo Chico Ledur pousou, o chatonildo tinha azulado.

            Segundo consta nunca mais apareceu no tal hangar e se foi visto rondando as imediações, fazia caravolta e se mandava a la cria quando avistava o nobre representante da fronteira gaúcha por perto.

            E tinha lá seus motivos:

            O Chico "perdera" o controle do RV na hora de tentar a passagem no meio dos edifícios e o fizera no dorso ...

            Sua manobra foi o mais poderoso repelente de chatos de hangar que se viu em Sinop ...

            (Ah, a gente aumenta, mas não inventa.) Fato devidamente comprovado, verídico e acontecido.

            Chácara Analou - Encruzilhada da Mata - RS, 07 de novembro de 2021.

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