sábado, 28 de setembro de 2019

Não Pense Demais




                Não Pense Demais

            Não faz  muito tempo este motorista de teco-teco teve que fazer um dos seus tantos voos no Kitfox.
            Fez o preparo no capricho, como manda o figurino e, ao fazer o cheque de cabeceira notou uma certa falha em determinada faixa de giro. Muitas vezes isso ocorre por algum acúmulo de chumbo nas velas. É só acelerar fundo, deixar uns vinte, trinta segundos em alta, que o tal de chumbo, normalmente se vai pelo escapamento. Pois feito o tal procedimento o motor ficou funcionando redondinho, inclusive e especialmente com a manete no esbarro, posição usada na decolagem.
            Achei que estava tudo bem, acelerei a pleno e me fui pista a fora. O Rotax 912 berrava a plenos pulmões ou seriam carburadores e tudo ia dentro dos conformes, eis senão quando chega a hora de reduzir a manete.
            Deu-se a porcaria. O motor caiu violentamente de rendimento e mal e mal sustentava o teco voando a umas 60 milhas.
            O que fazer? Prosseguir no mesmo regime de rotação, num cof-cof desgraçado, mas voando, acelerar mais e ver se no esbarro a rotação voltava ao normal e arriscando a ver o motor afogar, apagar de um todo ou simplesmente piorar, impedindo a continuidade do voo?
            Não sou muito de futebol, mas no meio circula o ditado de que “em time que ganha não se mexe”. Estava conseguindo voar, portanto ganhava de um a zero, mas ganhava. Optei por não tocar na manete, como se estivesse infestada de escorpiões.
            E me fui com o coração na boca, tentando fazer o balão de retorno à pistinha. Não queria fazer curva de grande, para não arriscar alguma deficiência de circulação de combustível até o carburador. Assim, curva suave, longa uma barbaridade, levando não três minutos, mas um ano para ser feita.
E a garganta seca, o sovaco fedendo mais do que zorrilho tenso quando a cachorrada bate.
Que curvas mais demoradas aquelas, seu.
Tive sorte e, com o órgão aquele apertado, que nem alfinete passava, de repente me vejo quase alinhado com o “aeródromo”.
“Capricha, manicaca! Não vai jogar fora a colaboração do motor que te trouxe até aqui, com um pouso todo cagado, um placaço ou coisa parecida” – pensei.
Pousei queijo, pra não dizer manteiga, mas foi um pouso nos contentos.
No solo, a primeira coisa que fiz foi levar a manete no esbarro. Aí o motor respondia que era uma beleza. Fui reduzindo devagar e, de novo a peidorreira. Na lenta afinava de novo. Testei várias vezes e a coisa repetiu-se.
Desconfiei de algo com os magnetos, mas ao testá-los deu pra ver que a coisa não era por ali. Quase com certeza, problema com combustível, mas qual?
Primeira coisa: fui na pista da Bolzaer Aviação Agrícola e comprei 20 l de gasolina novinha em folha. Esvaziei totalmente os tanques, coloquei a nova AVGAS e os sintomas repetiram-se. A qualidade do combustível não era o problema.
Aí terminou-se a capacidade técnica do manicaca. Não sou, assim, uma Brastemp em termos de mecânica, muito menos de eletricidade aeronáutica.
Resolvi chamar os universitários, na pessoa do Link, que foi mecânico da FAB. Prontamente concordou em ajudar.
E se veio.
Eu já havia desmontado a parte inferior do carburador esquerdo e já me atrapalhara na hora de montar. Sobrou peça ...
Chegou, de cara conseguiu montar o dito, mas a falhação insistia em não abandonar o teco-teco.
Partimos ou, melhor, ele partiu para a desmontagem da parte inferior do outro carburador.
Eu já estava me aprontando para desmontar a bomba de gasolina, recolocar uma antiga, para ver se não era a nova que havia ido pro saco.
Aí ele me fala:
- Barbosa, pára tudo que já descobri o problema!
E me veio com uma particulazinha micrométrica duma proteção siliconada externa das mangueiras de combustível que ficam no compartimento do  motor.
E pensem em sujeirinha micrométrica ...
 Enquanto o regime era de baixa rotação, ela não atrapalhava o fluxo da gasolina. Em média, por algum motivo, praticamente fechava o giclê daquele carburador, ficando apenas o outro (suponho eu) funcionando bem. Em alta, a sucção devia ser bem maior o que fazia a sujeirinha mudar de posição, permitindo praticamente o passar normal da gasolina. Claro que isso é apenas um “supositório” ...
O fato é que, tirada a tal sujeirinha, voltou tudo à normalidade.
A primeira lição da experiência:
Se você mexeu no circuito de combustível, procure girar o motor com a mangueira desconectada do carburador, a fim de que eventuais “sujeirículas” saiam do circuito e fiquem no receptáculo que substituiu o carburador. Faça isso nos dois carburadores, quando for o caso.
Segunda lição:
Existem milhares de pequeníssimas, pequenas, médias e grandes peças, mecanismos, etc. que podem parar de funcionar a qualquer momento. Assim, faça todo o possível para manter o conjunto em excelentes condições. Quanto melhor a manutenção, menor a chance duma zebra. Mas, mesmo com a melhor das manutenções, o bichinho listrado pode aparecer ...
Por isso o título “Não Pense Demais”. Se a gente parar para pensar em tudo o que pode dar errado, pronto: ninguém mais voa.
Pense positivo, mas não demais.
Também pense negativo (isso inclui pensar em zebras nem tão zebras assim). Ao pensar no que pode dar errado, você agirá para que não dê errado.
Positiva ou negativamente, fique frio, calmo, confiante em sua forma de pensar, mas não extrapole no aprofundamento das filosofanças.
Faça o que aprendeu no seu treinamento, cumpra sua parte e saia por aí, mostrando ao mundo porque os passarinhos cantam!
Pense com moderação!”


Nenhum comentário:

Postar um comentário