Não Pense Demais
Não faz muito tempo este motorista
de teco-teco teve que fazer um dos seus tantos voos no Kitfox.
Fez o
preparo no capricho, como manda o figurino e, ao fazer o cheque de cabeceira
notou uma certa falha em determinada faixa de giro. Muitas vezes isso ocorre
por algum acúmulo de chumbo nas velas. É só acelerar fundo, deixar uns vinte, trinta
segundos em alta, que o tal de chumbo, normalmente se vai pelo escapamento.
Pois feito o tal procedimento o motor ficou funcionando redondinho, inclusive e
especialmente com a manete no esbarro, posição usada na decolagem.
Achei que
estava tudo bem, acelerei a pleno e me fui pista a fora. O Rotax 912 berrava a
plenos pulmões ou seriam carburadores e tudo ia dentro dos conformes, eis senão
quando chega a hora de reduzir a manete.
Deu-se a
porcaria. O motor caiu violentamente de rendimento e mal e mal sustentava o teco
voando a umas 60 milhas.
O que fazer?
Prosseguir no mesmo regime de rotação, num cof-cof desgraçado, mas voando,
acelerar mais e ver se no esbarro a rotação voltava ao normal e arriscando a
ver o motor afogar, apagar de um todo ou simplesmente piorar, impedindo a
continuidade do voo?
Não sou
muito de futebol, mas no meio circula o ditado de que “em time que ganha não se
mexe”. Estava conseguindo voar, portanto ganhava de um a zero, mas ganhava.
Optei por não tocar na manete, como se estivesse infestada de escorpiões.
E me fui com
o coração na boca, tentando fazer o balão de retorno à pistinha. Não queria
fazer curva de grande, para não arriscar alguma deficiência de circulação de
combustível até o carburador. Assim, curva suave, longa uma barbaridade,
levando não três minutos, mas um ano para ser feita.
E a garganta seca, o sovaco fedendo
mais do que zorrilho tenso quando a cachorrada bate.
Que curvas mais demoradas aquelas,
seu.
Tive sorte e, com o órgão aquele
apertado, que nem alfinete passava, de repente me vejo quase alinhado com o “aeródromo”.
“Capricha, manicaca! Não vai jogar
fora a colaboração do motor que te trouxe até aqui, com um pouso todo cagado,
um placaço ou coisa parecida” – pensei.
Pousei queijo, pra não dizer
manteiga, mas foi um pouso nos contentos.
No solo, a primeira coisa que fiz foi
levar a manete no esbarro. Aí o motor respondia que era uma beleza. Fui
reduzindo devagar e, de novo a peidorreira. Na lenta afinava de novo. Testei
várias vezes e a coisa repetiu-se.
Desconfiei de algo com os magnetos,
mas ao testá-los deu pra ver que a coisa não era por ali. Quase com certeza,
problema com combustível, mas qual?
Primeira coisa: fui na pista da
Bolzaer Aviação Agrícola e comprei 20 l de gasolina novinha em folha. Esvaziei
totalmente os tanques, coloquei a nova AVGAS e os sintomas repetiram-se. A
qualidade do combustível não era o problema.
Aí terminou-se a capacidade técnica
do manicaca. Não sou, assim, uma Brastemp em termos de mecânica, muito menos de
eletricidade aeronáutica.
Resolvi chamar os universitários, na pessoa do Link, que foi mecânico da FAB.
Prontamente concordou em ajudar.
E se veio.
Eu já havia desmontado a parte
inferior do carburador esquerdo e já me atrapalhara na hora de montar. Sobrou
peça ...
Chegou, de cara conseguiu montar o
dito, mas a falhação insistia em não abandonar o teco-teco.
Partimos ou, melhor, ele partiu para
a desmontagem da parte inferior do outro carburador.
Eu já estava me aprontando para
desmontar a bomba de gasolina, recolocar uma antiga, para ver se não era a nova
que havia ido pro saco.
Aí ele me fala:
- Barbosa, pára tudo que já descobri
o problema!
E me veio com uma particulazinha
micrométrica duma proteção siliconada externa das mangueiras de combustível que
ficam no compartimento do motor.
E pensem em sujeirinha micrométrica
...
Enquanto o regime era de baixa rotação, ela
não atrapalhava o fluxo da gasolina. Em média, por algum motivo, praticamente
fechava o giclê daquele carburador, ficando apenas o outro (suponho eu)
funcionando bem. Em alta, a sucção devia ser bem maior o que fazia a sujeirinha
mudar de posição, permitindo praticamente o passar normal da gasolina. Claro que
isso é apenas um “supositório” ...
O fato é que, tirada a tal
sujeirinha, voltou tudo à normalidade.
A primeira lição da experiência:
Se você mexeu no circuito de
combustível, procure girar o motor com a mangueira desconectada do carburador,
a fim de que eventuais “sujeirículas” saiam do circuito e fiquem no receptáculo
que substituiu o carburador. Faça isso nos dois carburadores, quando for o
caso.
Segunda lição:
Existem milhares de pequeníssimas,
pequenas, médias e grandes peças, mecanismos, etc. que podem parar de funcionar
a qualquer momento. Assim, faça todo o possível para manter o conjunto em
excelentes condições. Quanto melhor a manutenção, menor a chance duma zebra.
Mas, mesmo com a melhor das manutenções, o bichinho listrado pode aparecer ...
Por isso o título “Não Pense Demais”.
Se a gente parar para pensar em tudo o que pode dar errado, pronto: ninguém
mais voa.
Pense positivo, mas não demais.
Também pense negativo (isso inclui
pensar em zebras nem tão zebras assim). Ao pensar no que pode dar errado, você
agirá para que não dê errado.
Positiva ou negativamente, fique
frio, calmo, confiante em sua forma de pensar, mas não extrapole no
aprofundamento das filosofanças.
Faça o que aprendeu no seu
treinamento, cumpra sua parte e saia por aí, mostrando ao mundo porque os
passarinhos cantam!
“Pense
com moderação!”
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