domingo, 15 de abril de 2012

   Voar é vida.

   Voar é a vida em sua mais elevada dimensão.

   É deixar lá embaixo todas as picuinhas do dia a dia e isolar-se no contato único com a amplidão do horizonte, o riscar de um caminho que será percorrido apenas desta vez e por mais ninguém.

   Seguir o próprio nariz ou o do avião é privilégio exclusivo dessa minoria que somos nós, pilotos.

   Mas isso não nos contenta: queremos mais, muito mais. Se somos privilegiados, queremos gozar ao extremo, bem no limite, esse privilégio. Não nos basta cruzar as alturas: temos que desafiar a física, a natureza, nossas limitações. E esse assumir  riscos tem seu preço, que, infelizmente não avaliamos direito.

   Se um piloto de automobilismo chega perto do limite, ao errar, quase sempre escapará. Em aviação é o contrário: no erro, dificilmente escaparemos. Mas não nos damos conta e cutucamos a cobra com vara curta. Muitas vezes o bote nos pega.

   O piloto que nunca aprontou está por nascer. O piloto que sempre aprontou está por morrer, essa é a verdade. Infelizmente muitos aprontaram um única vez. Outros têm mais do que sete vidas. Mas o estoque um dia termina.

   Quando um carrão top dá pane, o motorista simplesmente pára no acostamento, aperta um botão e dali a pouco o guincho o resgata. Ainda não surgiu avião assim...

   Apesar da imensa evolução de equipamentos, voar ainda é arriscado. Assim, não por que acrescentarmos outros riscos além dos que já vêm no pacote original?

   Não há como condenar os que buscam emoções. Mas antes de buscarmos, avaliemos bem se vale realmente a pena. Quem sabe um pouco menos de emoção imediata, para compensarmos com muitas emoções futuras, embora nem tão radicais e fortes.

   Há duas semanas foi para voos mais altos o Zé, de Araranguá.

   Em 1997, quando precisei de apoio no sul catarinense, ele foi incansável. Deu um jeito de reacomodar os ultraleves no hangar e hospedar o Netuno "Marimbondo".

   Até houve um temporal que derrubou uma porta sobre o seu ultraleve, danificando um pouco o mesmo, mas, se não fosse por haver trocado de posição, por causa do Netuno, nada teria acontecido.

   Prontifiquei-me a ajudar no prejuízo, mas não aceitou. Segundo ele, fora fatalidade. Não fora eu o mandante do temporal.

   Não sei realmente o que causou sua morte prematura, mas, segundo li, estava voando a baixa altura. E quem não houve o canto dessa sereia, de vez em quando? Infelizmente algo deu errado.

   A gente se entristece quando amigos se vão. Mas não esqueçamos que também perdemos amigos no trânsito, por infartos, por outras doenças e fatalidades.

   Os amigos que perdemos voando, sabemos que partiram em momentos felizes e onde quer que andem carregarão sempre a lembrança desta felicidade.

   Neste final de semana mais mortes.

   A ceifeira deu uma trégua nos dois últimos anos, mas parece que voltou com vontade em 2012.

   A nós que ficamos, resta não darmos mais chance ao azar (nome supersticioso de possibilidade estatística). "Tanto o rato vai ao moinho, que um dia deixa o focinho".

   Vamos deixar o moinho de lado e procurar lugares mais interessantes.

   Nietzke, que não era piloto, já dizia "Viver é muito perigoso".

   Como filósofo estava coberto de razão. Viver é tão perigoso, que ninguém escapa da morte. Mas dá para a gente ir empurrando com a barriga o final encontro.

   Vamos ficar com as emoções mais suaves, mais doces, mais ternas. Num voo dá para consegui-las.

   As radicais, vamos deixando para depois.

   Piloto louco fica famoso. Fica respeitado. Fica invejado.

   Quase nunca fica velho.

   Aos que se foram um pouco antes, torcemos para que seus últimos momentos tenham sido de muita realização e felicidade. E que esta seja a sensação que os acompanhe durante toda a nova jornada.
Nesta semana, senti a paz dum voo tranquilo sobre o rio Ibicuí.

Felizmente estamos sobre o aquífero Guarani e este Rio Grande é cortado por muita sanga e rio.


  

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