sábado, 5 de outubro de 2024

As Hélices do “Pober Pixie”

 


                   Depois daquele desentendimento que tive com a cerca, detonando o “Kitfox”, por falta de pilas tive que vender o aviãozinho, mesmo acidentado, a preço de banana, que foi a oferta que apareceu.

 

                   Resumindo, o Fábio, instrutor em Gravataí, na Aldeia dos Anjos, pagou o motor Rotax 912 e levou junto o resto, como cortesia ... Mas, a bem da verdade, comprou com o motor trancado, sem saber o que podia ter por dentro. Felizmente, nada sério, o motorzinho havia sofrido um calço mecânico, pela excessiva carbonização.

 

                   E como é que eu iria adivinhar que num motor de quatro tempos, com TBO prevista para 1000 horas, devesse fazer descarbonizações, dependendo da freqüência de uso, com apenas 150 horas, para o caso de quem voasse com intervalos muito grandes? Como já estava com 560 horas, sem uma única descarbonização, usando uma gasolina, que é, digamos, uma m ..., deu isto mesmo ...

 

                   Eu e o meus parênteses ... Isso detona o meu estilo, se é que existe algum. E aí veio outro ...

 

                   Logo após a venda do Kitfox, o melhor aviãozinho leve em que já tive o prazer de voar, fiquei, como diz o gaúcho: “de a pé”, por uns meses.

 

                   Lá pelas tantas consegui comprar o “Pober Pixie” “construído” pelo  dentista Saffer, com assessoria (ortopedística) Paulo Machado, e que naquela época estava nas mãos do anestesiologista Régis, também conhecido como Grumatã ... E por que é que há tanto médico na aviação?

 

                   A estas alturas a tesão por voar novamente num aviãozinho próprio  saltava pelas orelhas. A ansiedade também era proporcional a esta tesão, o que, normalmente, não dá bom resultado.

 

                   Já havia feito um voozinho de teste em São Leopoldo, mas fora apenas turno de pista. Quem levara o aviãozinho para Montenegro fora o próprio Régis.

 

                   Assim, no dia em que fui lá fazer meu primeiro vôo, você não imaginam a ansiedade por estar no ar, de novo, numa aeronave minha.

 

                   Havia feito umas modificações no pára-brisa e também queria testar as reações aerodinâmicas com elas, antes de sair para vôos mais longos.

 

                   Os pneus estavam um pouco murchos e no hangar do Régis e colegas da aviação  experimental não havia compressor de ar. Teria, então, que ir ao hangar do aeroclube para calibrá-los.

 

                   Saí “dando dezoito em terra lavrada”, expressão gaúcha para cavalo bom, que faz em dezoito segundos algo ao redor de um quarto de milha: mas, ao aproximar-me do hangar do Aeroclube, esqueci que havia chovido um monte, que a pista estava encharcada, especialmente nas laterais e, em vez de seguir cuidadosamente o acesso ao pátio de estacionamento, saindo da pista a noventa graus, fui pelo atalho e enfiei o Pober Pixie na banhado.

 

                   As rodinhas se enterraram no barro e a pilonagem  foi suave e parcial, com o aviãozinho de nariz enterrado, sem maiores danos, aparentemente.

 

                   A gasolina derramando do tanque e o pessoal com medo de chegar perto para me ajudar, temendo o fogaréu. E o “Pobre Bicho” em posição pouco cristã, de bunda erguida ...

 

                   Lá pelas tantas, como o fogo não veio, o Wagner, então presidente do aeroclube e mais um curioso que andava por lá vieram me ajudar. O tal curioso veio com uma garrafa de cerveja numa das mãos e um cigarro aceso nas outra. Ao aproximar-se para ajudar, largou a garrafa, mas não o cigarro. E a gasolina derramando ...

 

                   Consegui avisá-lo a tempo e o trabalho de resgate foi feito sem grandes imprevistos.

 

                   Examina daqui, examina dali,  apenas a proteção metálica da ponta da hélice havia saído, ficando irrecuperável. Tentei improvisar outra, mas o peso ficou diferente e desbalanceou-se o catavento...

 

                   O remédio foi apelar para o Orley, em Ponta Grossa e pedir uma nova hélice com a maior brevidade. Ele entendeu minha situação e, numa semana eu já tinha ventilador novo no Pober Pixie.

 

                   A pressa pelo vôo deu em nova cacaca.

 

                   Coloquei a hélice  em posição errada. Na hora da partida manual além de exigir muito maior esforço, o giro não fechava bem com o tempo de explosão, dificultando a ‘pegada’ do motor.

 

                   Deixo assim, só por hoje e noutra hora coloco em posição certa, que hoje quero é voar – pensei.

 

                   Na posição normal, o Pober já era meio reinoso para pegar. Do jeito em que estava, com a gente dando hélice com medo, havendo menos força no giro, a coisa encrespou-se de vez: nada de Continetal 65 roncar.

 

                   Já estava num baita suadouro, fazendo mil e uma experiências , ora desafogando o motor, ora girando com a manete em posições diversas, etc.

 

                   Resolvi partir para um método científico de acionamento: calcei o avião com umas pedras pesadas e altas, para ter certeza de que não pularia os calços e dei hélice com a manete toda reduzida: não pegou. Manete meio centímetro avançada: necas. Um centímetro à frente: nem sinal. E,fui avançando milimetricamente. Movimentos “friamente calculados”.

 

                   De repente ...

 

                   O Continental 65 em vez de roncar, berrou que nem terneiro de sobreano na capação.

 

                   E berrou valendo.

 

                   O Pober Pixie do “causo” é monoplace, com o assento do piloto ligeiramente recuado para que o peso do manicaca deixe o centro de gravidade na posição correta. Como nesta “experiência sobre o que não se deve fazer” o piloto estava “dando corda” na aeronave, já tínhamos um fator prejudicante. Dito piloto deveria cabrar o manche, se estivesse dentro do avião. Como estava fora, que pelo menos travasse os comandos corretamente, o que não fez. Outro item entornador de caldo. A única coisa aparentemente correta, foram os calços superdimensionados, para substituírem os freios, o que, ao final, contribuiu decisivamente para o desandamento  da maionese ...

 

                   O motor queria puxar o nariz do avião para a frente, os calços impediram, o profundor estava solto e não havia peso no local certo para impedir que a cauda se erguesse. Assim ...

 

                   Saltou caco de hélice a mais de quarenta metros.

 

                   Depois dessa acho que o meu recorde merece um lugar no Guiness: sem uma única hora de vôo, em apenas sete dias, o grande piloto  destruiu duas hélices

 

                   Quando liguei de novo para o Orley ele até pensou que fosse para reclamar de algum problema. Contei-lhe o acontecido e até pensei em propor-lhe sociedade: a duas hélices por semana para o mesmo avião,  duvido que ele arrumasse outro cliente igual ...

 

                   Por consolo, restava a esperança de já tivesse gasto o estoque da cagadas a fazer, devendo  o primeiro vôo já estar sob a conjunção aeronáutica do cuidado, da atenção e nada de pressa em voar ...

 

                   E tudo foi uma beleza, tanto que ainda estou escrevendo, vivinho e sadio da silva.

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Tá Perto


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"Invite" Gaudério


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