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Deoclécio, o Peão Voador
Busca dos Pilas pro Curso de Apareio
Conforme já amplamente divulgado pela imprensa escrita, televisada, falada e gritada, o campeiro Deoclécio andou levando uns pealos nessas coisas de pila. Diz que ficou de avalista dum cunhado flor de vigário que comprou uma camionetona, amontoou os mijados com uma china da zona de S. Borja, se atracou a gastar e, quando ficou sem nada, se bandeou para a Argentina, onde procura correntinos incautos para lograr.
O pobre do Deoclécio ficou numa pindaíba de dar dó: coisa de fritar a merda para comer o torresmo.
Mas nunca que foi de entregar a rapadura sem peleia. Continuou trabalhando firme na Estância do seu Ponciano, contratou um advogado de S. Vicente, um tal de Vilsom Lambe-Lambe Barbosa, sujeito que não gosta de ver sujeirama braba, a fim de ver se diminui a dívida, amortiza, parcela, anula, desfaz, enfim, consegue pôr uma luz no fim do túnel financeiro do guasca.
E o sonho de ser piloto de aparelho cada vez mais vivo e presente.
Como fazer para pagar as despesas, agora metido neste brete?
Enquanto mateava quase a cavalo no "pai-de-fogo", para não se congelar com a friagem da madrugada, teve o estalo: campear financiamento.
"Pois o Lula não anda dizendo que quem quer pode estudar, que o governo ajuda? Não tem o Pro-Uni, esse tal de Enem, sempre envolvido com falcatrua? Por que não "havéra" de ter um "Pro-Piloto de Aparelho"?
Olhou para o cusco Ventania, bem enrodilhado no borralho e falou:
- Temo combinado. Sexta-fera, no más, mal aponte a Estrela-da-Manhã, nos tocamo pro Alegrete, a ver se arrumo uns troco no banco pra reempeçá os estudo.
O Ventania levantou a cabeça, pensando que o peão estava enloucando, que naquela escuridão e naquele frio não eram horas nem jeito de se sair a camperear. De madrugada, quase sempre ele só falava com o cusco na hora das lidas.
Como não visse movimento com freio ou cabresto, concluiu que era enloucamento mesmo e voltou para seu bem-bom, na quenturinha do fogo.
O Deoclécio, sorvendo um amargo com a erva Taquapy, não pôde deixar de rir ao lembrar-se da história do índio que acalmava a prenda com mate misturado a canela.
Tal calmante, segundo ele contava nos bolichos, funcionava ansim:
- Toda a veiz que ela se pára meio arisca, negadora de estribo, reclamenta, perparo um mate com esta erva e largo umas casca de canela junto.
E completava:
- Prá acalmá os nervo da china: Taquapy e canela!
"Tá loco de atirar pedra. Deu até em rir solito! - continuou cismando o guaipeca.
De conta o Deoclécio nunca foi ruim, como já demonstrou em passadas aulas do Curso de Aparelho, onde deixou até os instrutores embasbacados.
Atracou-se a riscar na cinza do borralho, somando despesas com aulas teóricas, taxas, material de estudo, livros, mapas, horas de vôo e chegou à conclusão de que com menos de oitenta mil reais, não conseguiria finalizar o tal de PP.
- Puta que pariu! - donde vou vou cagá esses pila tudo?
"Falando solito e rindo, vá lá. Mas gritando? Careço de me cuidar" - pensou, já meio assustado, o Ventania.
"O mês do cachorro-louco é agosto ... Mas, pelo jeito, acho que é do dono-louco".
Prevenido, disfarçadamente, começou a farejar o ar, assim como quem sente cheiro de caça, foi saindo de mansinho e encarou um frio de rachar, hora em que tudo quanto é bicho está encolhido pelas tocas, macegas, árvores e é pura perda de tempo uma caçada. Mas ficar em roda dum louco é coisa perigosa. Preferível renguear numa geada do que arriscar a levar um tiro só por causa dum destempero de momento.
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Aguarde o próximo "capítalo". Conseguirá o peão o tal emprétimo?
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Pensamento do Dias
Piloto madrugador vive sempre bocejando!
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O
Ultraleve Kamikase do Pacheco
Pois, como dito, o Pacheco gostava
muito de furungar nos seus “aparelhos”. Se estivesse ruim, tinha que melhorar, se bom,
tinha que revisar, se estivesse
excelente, tinha que abrir para ver como é que se fazia para deixar daquele
jeito ...
E mais futricava do que voava.
Num belo dia encasquetou que o seu ML
200, 300, 400, 401, sei lá, estava com algum problema de carburação. E mãos
à obra.
Desmontou o carburador, limpou,
assoprou, regulou e tudo o mais que uma furungação
de respeito exige...
Veio a hora da montagem que, para mim,
é a pior de todas: como mecânico desmontador, até quebro o galho, mas como
montador, sempre enfrento a famosa sobra de peças ...
Pois o Pacheco era um futricador mais
preparado: montou o carburador e não
sobrou peça. Infelizmente.
Após montado, nada restava, senão
colocar o carburador no ultraleve. Colocado, havia que testar o funcionamento.
Como o aviãozinho ficara um bom tempo
sem funcionar, a bateria se fora e o jeito era fazer pegar na manivela. O
improvisado mecânico aeronáutico passou à categoria de relojoeiro: dê-lhe corda ...
O ML estava meio temperamental naquele
dia e não queria pegar. Ou queria preservar o dono.
Finalmente, quando o homem já estava
com o braço que nem o do Popeye de tanto dar hélice, o ML pegou.
Como todos sabem, neste tipo de avião,
ao se dar hélice, fica-se numa posição bastante perigosa, entre a dita e o
conjunto leme/profundor. Pois foi nessa
posição perigosa que o motor pegou a pleno, pois o novel especialista em
carburação montara alguma coisa errada.
Veio, então, a luta por segurar a
cavalaria do motor, que, no caso tinha comido muito milho e estava com energia
de sobra. Não deu outra: o avião foi mais forte e a traseira do ultraleve passou
por cima do apavorado mecânico que, por pouco não foi arremessado contra a
hélice girando a mil.
Avião é feito para voar e foi o que
aconteceu com o recém-consertado ultraleve. Horas e horas decolando, pousando,
cruzando pelos céus, que, no subconsciente da máquina, ficam gravadas todas as
dicas do piloto ou instrutor, e ninguém ignora que avião tem alma, vontade,
temperamento ...
Ganhou os céus de Gravataí o avião do
Pacheco.
Mas não pensem que decolou de uma pista em meio a
grande área deserta. O aeródromo além
de curto, cercado de redes elétricas e árvores, ainda tinha a vantagem de estar
rodeado por vilas na maior parte dos lados e, num outro, pela obra da GM.
Todos nós, pilotos, não resistíamos à
tentação de ver o progresso da primeira fábrica de automóveis a se instalar no
RS. Por isso o aviãozinho já sobrevoara várias vezes tal obra e, como ultraleve
também é bicho curioso, mesmo sem piloto, o ML encasquetou de ver a montadora.
Quando o Pacheco viu o avião rumando
para aquelas bandas, dizem que foi um tal de pegar-se com todos os santos
conhecidos e os que estão por ser canonizados, pois, se caísse no meio das
instalações da multinacional, mesmo vendendo tudo o que tinha, o homem teria de
reencarnar um montão de vezes, para pagar o prejuízo.
Dê-lhe rezar.
Ou por serem fortes as rezas, ou por
ter quase todo o avião alguma tendência, o aeromodelo criado a Toddy começou a
fazer uma curva.
Vendo as preces atendidas, o Pacheco,
homem reconhecido, começou a rezar pela graça alcançada.
O solitário brinquedo voador curvando,
curvando.
Quando o fervoroso cristão abre os
olhos, eis que um ultraleve kamikaze
vinha na final dum mergulho certeiro e mortal.
Que rezar, que nada. O Pacheco, mais o
seu Oly, seu guarda-campo e guarda-sítio, correram para trás das colunas do
hangar, na esperança de não serem atingidos diretamente pela mortífera
aeronave.
O guerreiro invisível sabia muito bem o
que queria e prosseguia com os dois na alça de mira.
Foi um tal de pedir perdão dos pecados,
que os céus, donde vinha o perigo, tivessem piedade e acolhessem duas almas
cristãs no paraíso.
O Céu ou o Inferno deviam estar com
problemas de superlotação e, uma providencial rajada de vento bateu no leme da
máquina exterminadora.
O ultraleve recém-regulado, com motor
afinadíssimo, rendendo todos os hps possíveis foi, incrivelmente, estatelar-se numa lavoura de cana a apenas 100
metros da pista, mas ainda dentro do sítio de seu piloto, sem causar qualquer
dano a terceiros. Nem destruíra a GM, nem matara ou ferira os dezoito ocupantes
de cada uma das casinhas ou barracos das vilas próximas.
Dizem que, depois desse susto o Pacheco
furungava, mas, em carburador, nunquinhas.
O referido é a mais pura verdade e dou
fé.
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