Lá pelos mil
novecentos e oitenta e dois anos da Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, andava
este escrevinhador metido com
fotografanças e revelaçõeos coloridas no Balneário de Camboriú, no tempo
em que lá ainda cabia gente ...
Pois tirava
retrato de crianças na praia, pelo método analógico, ia correndo para casa,
revelava em laboratório manual colorido, e, no mesmo dia, antes da noite, lá
estava o "Lambe-Lambe" com uns trocados no bolso para pagar aluguel,
peixinhos, camarões, etc. ...
Não deu para
ficar rico, mas que veraneei de dezembro a primeiros de abril, ah, isso
veraneei ...
Como já
tinha cancha com fotos esportivas, pois durante a temporada automobilística
cobria corridas no Rio Grande do Sul, especialmente nos Autódromos de Guaporé e
do Tarumã, na Grande Porto Alegre, ao ver o pessoal do voo livre pousando na
Praia das Laranjeiras, fui prosear com a rapaziada e oferecer meus serviços.
Conversa
vai, conversa vem, acabamos fechando um acordo onde eles teriam excelentes
fotos de seus voos e pagariam com o Curso de Piloto de Voo Livre ou Asa Delta.
Fechado dito
acordo entre partes, lá se foi o futuro homem-voador para a Praia dos Amores,
em Itajaí, para iniciar a parte prática do curso, que consistia, inicialmente,
em correr na praia, contra o vento, dominando a asa.
Como fala-se
no jargão juridiquês, cumpre salientar que o novel aluno-fotógrafo até aquele
momento só tinha como experiência de voo duas viagens a São Paulo, em aviões de
carreira. Nunca entrara num teco-teco, ultraleve ou coisa parecida. De aviação
pequena e desportiva entendia tanto quanto de capação de touro ...
Passou-se a
primeira etapa das corridas na praia sem maiores surpresas tanto para mim,
quanto para os demais alunos e instrutor.
Tanto não houve novidade que, confirmando a fama dos praticantes de
muitos esportes radicais, naquela turma, o único que não fumava um baseado era
o fotógrafo ... Mas, a bem da verdade, diga-se que o instrutor era severíssimo
no zelo pela segurança sua e dos aprendizes. Se pegasse alguém tomando um gole
de cerveja ou dando uma única tragada, antes e/ou durante as aulas pronto, gancho de vários dias sem poder voar.
Passamos
para a etapa dos voos rasantes em descida. A gente decolava e voava a um, dois
metros do solo, pousando em frente. Aí tive um pequeno incidente que poderia
ter custado caro: lá pelas tantas perdi o controle da asa e, em velocidade,
bati com o joelho direito numa pedra. Não quebrei ou desloquei nenhum osso, mas
a coisa incomodou durante meses.
Esse pessoal
do voo livre não é de desperdiçar muito tempo. Acho que foram uns dois ou três
dias de voos rasantes. Logo a seguir, a hora da onça beber água: voo a partir
dum morro de trezentos pés de altura, mais ou menos, na mesma Praia Brava, de
Itajaí. Dito morro tinha uma rampa de decolagem improvisada, com mera limpeza
de arbustos e outros vegetais parecidos, com um carreirinho por onde a gente
devia dar a corrida inicial e partir para o abraço.
Dia nublado,
vento Lestão pegando forte. Os outros colegas de turma já haviam feito o seu
primeiro voo e naquele dia o único estreante era o fotógrafo. Um ou dois
decolaram na minha frente, pousando sem maiores novidades, na praia, lá
embaixo, num campinho de pouso bastante estreito, margeado por uns arbustóides
de mais ou menos meio metro de altura, em cuja base crescia uma dessas ramagens rasteiras cheias
de espinho.
Como era uma
única asa tipo "bacalhau" para todos, entre o aluno fazer seu voo,
desmontar a asa lá na praia, subir o morro, montar novamente, lá se ia uma hora
ou mais. Assim, quando chegou minha vez, era bem à tardinha e o Lestão
aumentara.
- Acho que o
vento tá muito forte. Quem sabe deixamos pra outro dia - falei.
- De jeito
nehum, respondeu o instrutor. Ou voa agora ou ficas encagaçado para sempre e
não apareces mais. É o que mais acontece. Arrepiou do voo no primeiro dia,
quase certo que é um voador a menos. Podes confiar que dá tranquilo.
Confiei, mas
sem tranquilidade ...
Pois bem,
vesti o equipamento, prenderam o "mosquetão" à asa e lá fiquei eu,
segurando a "bacalhau" contra aquele baita vento, aguardando o
"Vai!"
E o
"Vai" veio, mesmo.
Dei uns dois
ou três passos e em fração de segundo estava eu, sem saber como, em pé, em cima
da asa, no mesmo lugar do início da curtíssima decolagem e execução do mais fechado
"looping" pós-decolagem de todos os tempos, tudo feito num
"cubo" de cinco ou seis metros ...
- Viram, eu
disse que não dava. Taí a prova. O Lestão tá demais. Desisto por hoje.
- Na, na,
ni, na, no. Vais voar, sim, e hoje.
E o
instrutor era categórico.
- És gaúcho
ou o quê?
Quase que
respondo:
- Sou o "quê", mesmo. E não
vou voar.
Mas tinham
mexido com os brios do guri de Santa Maria. Resolvi encarar.
E lá estava
o sujeito pronto para novo "primeiro voo".
E se veio o
temido "Vai".
Fui, não fiz
outro "looping", mas em um segundo o forte "lift" me
erguera a alturas estratosféricas, pois vi o instrutor e demais alunos
pequeninos lá embaixo, gritando e gesticulando furiosamente:
- Pica ela!
Pica!
Pelo tom de
voz estavam apavorados.
Encomendei
minha alma e tratei de picar o "aparelho".
Acontece que
sou baixinho, braço curto e, para levar o trapézio para trás, a fim de picar, tive que espichar braços, mãos, dedos, até as
unhas. Felizmente a coisa funcionou e a asa começou a andar para a frente.
"Acho
que vou conseguir pousar. Como e onde, não sei".
A estas
alturas estava desalinhado com a pistinha de pouso. Lembrei-me do espinharedo e
tratei de corrigir.
Não é que a
asa respondeu? Como não possuía experência com aproximações e pousos, tive a
impressão de estar dentro dum grande videogame, onde em vez de sentir a asa se
deslocando, via apenas a pistinha mudando de lugar, lá embaixo, muito lá
embaixo...
Mas gaúcho
não se afrouxa e, passado o cagaço, deu até para curtir um pouco o voo.
Tudo
correndo nas normalidades, a pistinha aproada, quase chegando, aguardando o
"Cabra" do instrutor-auxiliar, lá na prainha.
Quando ele
deu a ordem, empurrei o trapézio para a frente, ao mesmo tempo em que veio uma
rajada meio forte, a quarenta e cinco graus pela direita.
Pronto, lá
se foram as pernas e a bunda do voador para o meio do espinharedo. Nada grave,
apenas o equivalente a tomar umas quinze ou vinte injeções dessas bem doídas no
sentante.
Um detalhe:
foi também meu primeiro e único voo completo numa asa delta. E tão encagaçante
e/ou emocionante que, passado muito tempo, toda a vez que ia falar sobre ele,
por milagre, vertia suor na palma das mãos ...
Quase
quarenta anos depois, ainda não ouvi falar de quem tenha quebrado o meu recorde
"loopístico".
E foi uma
manobra tão exclusiva, perigosa e exigente, que, sabedor da impossibilidade de
superá-la, assumi o compromisso de nunca mais fazer um "looping", essa
acrobacia "elementar demais".
Acredite
quem quiser, inclusive eu ...
adorei
ResponderExcluirEitaaa "guri" tua história é assustadora mesmo.😂
ResponderExcluirSorte minha que já fiz isso, mais ou menos, entende ? Foi vôo duplo e ameiiii
É gostoso! Melhor quando dá certo! ... kkk
ExcluirPois é, fia Juliana: teu Veio já aprontou algumas ...
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