A Primeira
Experiência
Já
era piloto privado, com muitas horas de vôo, bastante convívio com aeronaves e
aeroclubes, por causa do trabalho com fotos aéreas, mas em matéria de
ultraleve, era um analfabeto de pai e mãe.
Andava
por Novo Hamburgo, tentando vender minhas fotos para algumas empresas da região e, como todo
apaixonado por vôo, sempre que possível, dava uma bisbilhotada no céu. E o que
vejo? Um inseto voador todo diferente, biplano, aberto, voando no circuito de
tráfego do Aeroclube de São Leopoldo, meu ninho de “águia”, mas não tão
“águia”, assim ...
Que
vender foto, que nada. Parei tudo e me mandei para lá, a fim de conhecer o
“aparelho”, como dizia o saudoso Ivan Azambuja.
Ao chegar, vejo alguém levando
uma surra da aeronave, pois não conseguia pousar. Todo o mundo no maior pavor,
porque já era a segunda tentativa e o “comandante” comia toda a pista flutuando
e nada de tocar. A gurizada fazendo sinal para que cedesse o manche, mas o
dito, por cacoete de instrutor no Aeroclube, insistia em chamar mais ainda, só
que o avião não entrava no famoso “estol controlado ao nível de toque”.
E
lá se foi para mais uma arremetida.
Enquanto
fazia novo circuito de tráfego, fui especular o que estava acontecendo. “É que
o Cel. Albrecht trouxe o May (nome do
ultraleve), para demonstração e os instrutores e pilotos de mais experiência
estão fazendo um “test drive” - foi o que me disseram.
-
E quem autoriza ou escolhe os que podem voar? – perguntei.
-
Ah, isto é com o Marcos.
Era
ele o instrutor-chefe à época.
-
Marcos, põe meu nome aí na lista, que eu quero voar.
-
Nem pensar – foi a resposta categórica.
-
Como “nem pensar”, se tenho muito mais horas de vôo do que qualquer um desses
instrutores aí. Se eles conseguem, por que é que eu não vou conseguir?
-
Tu não tás vendo que o cara não consegue pousar? Para tu teres uma idéia, até
eu não vou voar – complementou – como se isso fosse um argumento definitivo.
Retruquei:
-
Tu não voas porque é cagão. Mas eu não sou. Marcos, em nome de nossa amizade e
do monte de horas que ganhaste nas navegações pagas por mim, fala com o
Albrecht e diz que eu tenho condições de fazer um circuitozinho.
-
Tá bom, mas algo me diz que tô buscando encrenca.
Falou
com o homem e ele autorizou minha humilde pessoa a voar.
Passou-se
então ao ‘briefing”. Acho que o mais curto que já fiz até agora, tanto que
dezesseis anos depois ainda lembro
perfeitamente de todo ele:
-
Dá-lhe manete, chama com setenta, sobe a setenta, cruza a noventa e pousa a setenta.
Não esquece que o freio é na mão, para as duas rodas e que esse avião flutua
muito. Para tocar na pista tens que ceder o manche. Podes decolar daqui da
intersecção, mesmo, que não há necessidade de aproveitar toda a pista, que ele
sobe que é um louco.
Falou
isso enquanto ajustava os pedais, que ficavam muito longe, para as pernas
curtas do baixinho aqui.
Assim,
me fui, todo cheio de razão, achando que já era um ás.
Pelo
pouco que andei no solo – somente a distância entre o pátio e o intersecção -
não tive tempo para maiores avaliações. Chegando à pista, alinhei e dei-lhe
manete.
E
aí a coisa encrespou de vez. Eu, que era acostumado com aviões lentos, que
aceleravam devagar, tipo Paulistinha, Piper 140, Tupi, quando me dou por mim,
estou grudado no encosto por causa do torque, vendo o velocímetro disparar, no
maior pavor (controlado), que decido abortar a decolagem, pôr o rabo no meio
das pernas e admitir que ainda não estava pronto para aquele tipo de vôo. Só
que a potência do motor, combinada com a leveza do avião, combustível no mínimo
de segurança e o pouco peso do piloto magrela, andaram mais rápido do que o
neurônio em funcionamento naquele dia.
A
decisão de abortagem já me pegou no ar.
Então
me bateu uma repentina vontade de visitar clientes, oferecer fotos, mesmo aos
mal-educados, aos unhas-de-fome, qualquer espécie de gente ruim, desde que
estivessem conversando comigo no solo.
Como
falei, o pavor era controlado. Se um problema não tem solução, solucionado
está.
“Se
quero rever a Ju e o resto da família tenho que me manter voando”, pensei
enquanto cravava os olhos no velocímetro, seguindo as instruções do longo
“briefing”: sobe a setenta milhas.
Mas
tinha um sério problema: a setenta milhas, a impressão que tinha era de que
estava subindo na vertical e que a qualquer momento iria entrar num estol de
badalo, ou coisa parecida. “Se tiro o motor para diminuir o ângulo de subida
sei lá que atitude ele pode tomar. Vou fazer o seguinte: mantenho a aceleração
e subo num ângulo mais suave.”
E
lá me fui, subindo a noventa milhas, que era só o risco e o fedor. Completada a
subida reduzi a manete, para manter as noventa de cruzeiro.
Aí tive uma folguinha para
olhar para baixo e quase me borrei todo: estava montado num banquinho mais
estreito do que meu sentante, o que dava
a sensação de estar pendurado num par de asas veloz e sensível, nada tendo que
passasse por baixo do meu corpo. De novo o pavor controlado ...
Mas
aí já eram horas das manobras de pouso. Reduzo um pouco a velocidade, mas não
para os setenta, giro a base, pego a final e, como estava um pouco mais veloz
do que o aconselhado, o ângulo de descida foi maior e permitiu que estivesse em
altitude quase de toque bem no início da pista.
Se
entrando a setenta o avião flutuava toda a pista, imaginem a oitenta ...
Só
que eles “não contavam com minha astúcia”. É claro que eu não iria bancar o
bocó de ficar chamando o avião para tentar um toque convencional e comer toda a
pista, tendo que me submeter a todo aquele pavor de novo, se fosse necessária
uma nova arremetida. “Ele falou que tem que ceder o manche do contrário o avião
não pousa.” Dei uma olhada para baixo e vi o pneu do trem a mais de um metro do solo. “Tô alto. Dá para
ceder bastante”.
E
cedi.
Mas a cedida foi uma espetada.
Para
quem olhava à distância, pilonagem certa.
O
Albrecht contava o avião perdido, o instrutor-chefe já se via expulso do
aeroclube por haver autorizado a experiência.
Repito:
“não contavam com minha astúcia”.
Quando
vi o trem quase tocando, arredondei e toquei “manteiguinha”, de acordo com
“todos os meus movimentos friamente calculados”.
E
alguém acreditou que eu fizera aquilo de
forma consciente e sob controle?
Cheguei
ao estacionamento achando que mereceria cumprimentos pelo curtíssimo pouso. O
que recebi foi uma baita mijada:
-
Barbosa, se tu queres te matar, escolhe outro jeito, não o Aeroclube. Como é
que tu me dás uma espetada a tão baixa altura? Tiveste muita sorte!
-
Ué, vocês não disseram que tinha que ceder o manche. Eu cedi.
Não
sei porque, de repente apareceu um problema no “aparelho” e ninguém mais voou
naquele dia....
Eu,
no entanto, voltei para casa todo bobo. Entrara pela primeira vez num
ultraleve, não fizera duplo algum nem em aeronave levemente semelhante, não
“quebrara a garça”, pousara manteiga e ainda dera um cagaço na rapaziada.
Sentia-me
um verdadeiro ás.
Ou seria asno?...
Respostas
nos comentários
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Confirmada a Morte da Família que Voava no Paradise em Mato Grosso
Abaixo o link sobre quem eram, o tipo de avião, etc.
http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/mundo/brasil/noticia/2017/12/10/familia-desaparece-em-voo-de-monomotor-em-mato-grosso-319374.php
Outro link confirma as mortes
http://www.showdenoticias.com.br/Noticia/18722
Segundo informações que circulam na web, o piloto entrou em IMC, pois a camada estava baixa e ele procurava um "buraco" por onde passar. Infelizmente chocou-se com o solo sem conseguir. Isso de acordo com informações de moradores da região.
Colega: sempre avalie muito bem as condições meteorológicas. Nunca banque o otimista. "Vai melhorar" pode transformar-se em "Piorou muito". É melhor ir de carro ou não ir do que enfrentar a natureza. Ela não tem culpa de nossas decisões.
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Confirmada a Morte da Família que Voava no Paradise em Mato Grosso
Abaixo o link sobre quem eram, o tipo de avião, etc.
http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/mundo/brasil/noticia/2017/12/10/familia-desaparece-em-voo-de-monomotor-em-mato-grosso-319374.php
Outro link confirma as mortes
http://www.showdenoticias.com.br/Noticia/18722
Segundo informações que circulam na web, o piloto entrou em IMC, pois a camada estava baixa e ele procurava um "buraco" por onde passar. Infelizmente chocou-se com o solo sem conseguir. Isso de acordo com informações de moradores da região.
Colega: sempre avalie muito bem as condições meteorológicas. Nunca banque o otimista. "Vai melhorar" pode transformar-se em "Piorou muito". É melhor ir de carro ou não ir do que enfrentar a natureza. Ela não tem culpa de nossas decisões.
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