sábado, 14 de maio de 2011

Sobre Solidariedade



Voar é um ato solitário.

Nossa maior emoção não é aquela sentida quando o instrutor nos leva para o primeiro vôo do curso. Também não é a do final do cheque quando ele nos dá os "parabéns, comandante". São fortes, marcantes, mas nem de perto se comparam à maior de todas elas.

O primeiro vôo solo foi, para muitos de nós, o maior momento de nossas vidas.

Ali rompemos o cordão umbilical da dependência para ganharmos os céus.

Estamos no ar e tudo depende de nós. A enorme sensação de liberdade, o horizonte que se alonga, a beleza da vida e, por que não?, a discreta presença da morte, são coisas nossas, com exclusividade. Continuar voando e vivos depende de nossa exclusiva competência.

A pista ficou lá embaixo. Voltar ao ninho não será obra de outro. Voltaremos por nossos próprios meios. Sabemos disso e encarar e vencer este desafio nos coloca numa dimensão acima dos mortais comuns, escravos da gravidade.

Essa falsa sensação de superioridade, de pertencer a um seleto grupo de privilegiados talvez seja a culpada pela arrogância e também falsa auto-suficiência que ataca boa parte dos comandantes.

Também soma-se a isto outra falsa sensação de poder que contamina os com caráter não muito inatacável, vinda da síndrome do bolso recheado.

Normalmente quem voa, salvo raras exceções, tem a guaiaca estufada. Pobre não compra avião de duzentos mil e de manutenção caríssima, para brincar nos finais- de-semana. E o dinheiro acaba inflando, além do bolso e da conta bancária, o ego do possuidor. Se o sujeito não tem pedigree, acaba achando que com os pilas pode comprar tudo, inclusive competência como piloto e vacina anti-pane.

Por essas e outras, normalmente piloto é um sujeito autoconfiante, exageradamente auto-suficiente, a pensar que com sua extrema habilidade, com dinheiro que botou no equipamento tudo estará sempre bem.

E voa, voa.

Felizmente os bons aviões e motores são maioria.

Mas, o meio mecânico é o meio mecânico.

Um dia pode dar-se a coisa.

É quando a gente precisa de ajuda, solidariedade.

A solidariedade nunca foi a marca dos ricos, dos poderosos e dos que se acham.

Até hoje nunca vi ricos fazerem mutirão para construir palacete. Já viram rico fazer churrasquinho na laje para construir a piscina? Para que ficar devendo favor, se o dinheiro compra tudo, até amor sincero?

Não estranho que pilotos sejam uma categoria individualista. Até pela própria atividade. Quem passa horas e mais horas com o mundo a seus pés, tendo a sensação de poder sobre a vida e e morte sua e de muitos outros, com o tempo, pode acabar se achando.

Forma-se então o círculo vicioso, viciado, sei lá.

Eu vôo sozinho. Tu voas sozinho. Nós voamos sozinhos.
Encontramo-nos nas festas, para exibir nossas máquinas, equipamentos, bravatear proezas e distâncias e é só isso.

Solidariedade vem da necessidade mútua. Quem já nasce apoiando e sendo apoiado não terá dificuldades em ser solidário. Quem nunca precisou de ajuda, nunca ajudará, não por maldade, mas porque acreditar que todos estão no mesmo patamar de suficiência. Se meu dinheiro compra tudo, o dinheiro dele também deve comprar, é o pensamento.

Só que a vida não é bem assim. De repente, o avião do sujeito tapado de pila entra em pane, assim como o basiquinho daquele que empenhou a alma para comprar o pano e cabo.

Como a maioria é composta de auto-suficientes, estes pensam que os outros são auto-suficientes, portanto, não precisam de auxílio.

Quando, de fato, todos precisam de todos.

É uma pena que o ser humano, desde que se deixou dominar pela ambição, pela ganância, esqueceu dos valores básicos.

Voar é tão bom, é tão maravilhoso, que deveria ser um fator de agregação, de cumplicidade, companheirismo. Paradoxalmente, não é.

É por isso que seguidamente vemos quem sofreu alguma pane, acidente ou incidente, queixar-se de que não recebeu apoio dos colegas.

Todos achamos que o outro também poderá resolver tudo a poder de troco. Mas na hora em que estamos fragilizados, quando vimos a foice passando perto, quando nosso companheiro de jornadas está virado num amontoado de tubos retorcidos, não precisamos apenas de alguém para recolher o material, chamar o táxi, a ambulância. Precisamos é dum amigo que nos fale ao coração, que nos anime, que nos dê coragem, que nos transmita força para continuar voando.

Devo estar chovendo no molhado e, dificilmente o comportamento da maioria dos pilotos irá mudar por causa desta simples croniquinha. até porque pouca gente lê este blog.

Mas, se algum de nós, basta apenas um, tomar a decisão de estender a mão amiga ao que precisa, já estará de bom tamanho.

 

2 comentários:

  1. Belas e sábias palavras, Comandante!!!!!!!!!!

    Aceite um forte abraço e sinceros cumprimentos...

    Alessandro Bertasso

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  2. Parabéns pela sinceridade Cmte, com certeza vou ser um dos que sempre que possível vou estender a mão amiga a algum amigo em apuros, afinal, amanhã pode ser nós que precise disso.

    Grande abraço
    Claudir
    PU-LFJ
    Foquinho HKS

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