domingo, 3 de março de 2024

Do Céu para o Céu

 

            Do Céu para o Céu

 

            É difícil de se encontrar uma criança que não queira andar de avião. Uma que outra, pelos mais variados motivos, como por exemplo adulto imbecil, fica traumatizada antes de sequer entrar num objeto voante.

            O idiota, que sempre foi um cagão quer transmitir seu legado de covardia e escolhe uma criança inocente como vítima, privando-a, assim, do maior prazer que qualquer humano pode ter: enganar a lei da gravidade e sair pelo espaço, livre como só os pássaros sabem ser.

            O fato é que nove em cada dez crianças sonha com o dia em que poderá entrar num avião, saltar de para-quedas, voar de asa delta, parapente, paramotor, paratrike, trike e outros insetos voadores.

            E do alto dos seus treze anos, a menina-mocinha Dafiny, uma mineira sorridente e simpática andava por sua cidade, Sete Lagoas, vendendo cones e bombons de chocolate juntamente com sua mãe, Karine.

Para incrementar as vendas a mãe decidiu subir com a filha até a Serra de Santa Helena, onde havia uma rampa de decolagem. Isto pela manhã, quando Dafiny vendeu um cone de chocolate ao piloto Gilberto Araújo, experiente com mais de vinte anos de voos pela região. O piloto comeu o chocolate enquanto conversava com a menina e, tocado pela simpatia da pequena vendedora deu-lhe uma gorjeta de 10 reais.

            Agora prestem a atenção ao que nos ensina esta adolescente: ela não chegou pedindo para que o Gilberto a levasse num voo sem qualquer pagamento. Ela falou que tinha o sonho de “andar nisso aí”,  pois não sabia nem o nome correto do equipamento. E, em prática de comerciante que era, perguntou “quanto custa um voo?”

            - Duzentos e cinquenta, trezentos reais, depende.

            Olhem o respeito para com o trabalho dos outros: ela não pediu para voar de graça, não reclamou do inatingível preço para as suas condições financeiras.     Sequer pediu desconto.

            Simplesmente achou justo o preço, pois por trezentos reais ela estaria realizando um dos seus maiores sonhos.

            - Moço, eu vou trabalhar bastante, vou economizar e um dia eu volto aqui para voar.

            Aquela atitude comoveu o experimentado piloto. Eu, que vivo aturando sovinas que acham caras minhas fotos aéreas, sei o quanto é bom quando alguém acha o preço justo ou não reclama. E conto nos dedos os compradores que em quarenta anos de fotos aéreas falaram que realmente o que se cobra é o que fica bom para vendedor e comprador. Em quase quarenta e um anos de vendas somente um cliente achou barato e não estou mentindo. Por  sinal o sujeito é meu amigo e quando achou baratas as fotos que comprou, ainda não era piloto nem tinha avião, helicópteros essas coisas. Pela raridade do comportamento cito o nome  e apelido: Carlos Roberto Praetorius, vulgo Karlchen.

            Claro que a atitude corretíssima da Dafiny deve ter impressionado o Gilberto, que,  certamente, vezes sem conta deve ter ouvido gente de posses achar “um roubo cobrar 300 reais por um voozinho num equipamento que nem gasolina gasta”.

            A Dafiny tavez ou quase certamente não sabia que sua correta maneira de encarar os negócios é raridade e o Gilberto ficou impressionado.

            Pois bem, mãe e filha, quando voltaram à tarde foram surpreendidas com o Gilberto perguntando à mãe da menina se ela autorizava o voo, pois ele decidira realizar o sonho dela, sabedor, que para uma vendedora de doces na rua, economizar o valor do voo não seria fácil.

            Autorizada a menina a realizar seu sonhado voo, a Dafiny que já tinha sempre um sorrisono  rosto,  ficou com a boca nas orelhas de tão contente.

            - É hoje que viro super-heroína, falou para o vídeo que sua mãe gravava.

            Decolaram.

            Tudo dentro da normalidade, foram até  a igrejinha, que deveria ser um ponto de retorno usual para os voos que o Gilberto fazia e começavam a voltar.

            - Viu como é bom! Não precisa ter medo.

            Foram suas últimas palavras.

            A Dafiny estranhou o silêncio e, quando olhou para trás, entrou num filme de terror ao vivo.

            Gilberto Araújo, o piloto que realizara seu sonho partira em seu último voo.

            Somente seu corpo estava no parapente junto à apavorada Dafiny.

            - Moço, não faz isso comigo, não! – alimentando a esperança de que ele estivesse apenas querendo assustá-la um pouquinho.

            Mas ele estava com o jeito de morto, mesmo, olhos arregalados. Não fazia  qualquer movimento de pilotagem, quieto.

            O sonho realizara-se e junto trouxera o pesadelo.

            Vieram os gritos de socorro da apavorada mocinha.

            Há quem diga que o Gilberto ao sentir-se mal, já tentara direcionar o voo para um local o menos perigoso possível para um pouso forçado. Pode até ser que ao falar “Como é bom, não precisa ter medo” ele já estivesse com problemas e aquilo seria apenas uma forma de, se possível, levar o equipamento até o solo sem que ela soubesse que não havia mais piloto.

            Dafiny ainda tentou reanimar o comandante, dando tapinhas em seu rosto pensando que pudesse ser apenas um desmaio.

            Não era.

            E, logo após, nos termos que eu conheci no meu cursinho de asa delta, arborizaram, sem ferimentos à passageira.

            Quem sabe o mesmo ser que chamou o Gilberto para outro plano veio e assumiu o comando.

            Dizem que o Porteiro, lá em Cima, quando viu um paramotor se aproximando deu ordens severas para  não houvesse a normal burocracia celeste e que uma esquadrilha de anjos recepcionasse o novo habitante.

Ordenou que lhe fosse reservado um lugar de honra nos hangares eternos. Mandou ainda  que a ACAC (Agência Celestial de Aviação Civil) fosse mais rigorosa nos exames de saúde de todos os voadores celestiais, fossem anjos, humanos, aves de grande e pequeno porte, para evitar que meninas como a sorridente Dafiny não chegassem antes da hora àquelas paragens.

E lá de cima o comandante Gilberto Araújo era todo sorriso.

Sua última ação na Terra fora realizar o sonho da sorridente Dafiny.

Se isso não é passagem direta pro Céu, me indiquem outra.

Roque Gonzales, 03 de março de 2024.

           

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As vendas devem ter diso boas porque as duas resolveram voltar à trde

 

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