quinta-feira, 4 de abril de 2024

Divulgação do Livro "Lembranças de Guri"

 Boa tarde, povo:

 "Causo" ainda não saibam, tenho um livro escrito sobre minha infância na campanha. 

O título do livreco é "Lembranças de Guri". 

Ali contam-se as artes dum piá arteiro pra mais de metro. Por exemplo, a história verídica onde o dito, com uns três anos de idade só não incendiou a Fazenda Bom Retiro, porque o vento apagava os fósforos que o medonho acendia. Isto na maior das boas intenções, como se vê ao final da narrativa. 

Até havia esquecido que ainda tenho uns 200 exemplares encalhados por absoluta falta de tino mercadológico deste escrevinhador. Agora,  que  amigos inventaram de me encomendar alguns,  estou divulgando o "Livrim". 

A proposta é a pessoa pagar apenas as despesas de correio, inicialmente. Depois, na falta do que fazer, lê as quarenta e sete histórias. Se gostar de todas, algumas ou apenas uma, fica à vontade para enviar algum pila ao escrevinhante. Aceita-se qualquer valor abaixo de R$ 5.000,00.

 Para encomendar, envie seu nome, endereço completo, com CEP, em contato pelo privado,  que envio a obra-prima literária pelo Correio. Importante: livro independente, em impressão rústica, no tempo das máquinas IBM. Os que leram ou são muito mentirosos ou o livro prende a atenção. Não custa experimentar.

Fone (55)99997-6269

vilsombarbosa1@gmail.com

domingo, 31 de março de 2024

O Maratonista e o Piloto


 

Acompanhando o Forum da ABUL, numa oportunidade, o Ceotto repetiu que não existe almoço grátis. Em outras palavras, tudo tem seu preço.

 

Ser piloto tem o preço em pilas e o preço em outras moedas.

 

Como estou com o espírito maratonista bem aguçado, por haver completado a minha 33a. Maratona há poucos dias, achei bom dar uma escrevinhada comparando piloto e maratonista, categorias a que tenho a honra e o orgulho de pertencer.

 

Ser piloto e maratonista é um privilégio e uma conquista de poucos.

 

Sobre ser piloto muito já escrevi neste bloguezinho. Sobre maratonas, pouco, mas vou dar uma misturada nas coisas e acho que com fundamento.

 

Todo o piloto ou pretenso piloto que se meteu a voar sem preparo, acabou se dando mal. Para os afoitos, voar é a coisa mais simples do mundo. E já houve casos de loucos que, sem uma única aula, sem um único duplo quiseram se meter de pato a ganso. Infelizmente, num dos casos o preço foi altíssimo e não preciso esclarecer qual.

 

O maratonista que se meter a fazer os 42 km sem um mínimo de preparo, ou não terminará, ou terminará aos bagaços, com dores até na ponta dos cabelos, esgotamento total e, por cima, correndo o risco de sofrer um mal súbito, mesmo que seja guri novo. Um velhote de 58 anos que nem eu, então, se não tiver cuidado, está frito em pouca banha.

 

Mas como um e outro conseguirão o preparo?

 

Aí é que a porca torce o rabo.

 

O piloto terá que estudar um monte se quiser passar no exame teórico. A saúde deverá estar dentro dos conformes. Depois vem a instrução prática e aí é que se vê quem tem vocação ou está no meio só de curioso. O corredor vai ter que ler um pouco, também. No mínimo conseguir informações com veteranos, que sabem o caminho da roça. Na parte prática é que vem a problemática: sair a correr sozinho, horas e horas, dia após dia, com sol ou chuva, com frio ou calor, com boa disposição ou num bruto cansaço, requer uma disciplina e uma força de vontade medonha. Maratonista é um cabeça-dura, não duvide. Se encasquetar em fazer algo, favor sair da frente, que o sujeitinho só vai se acomodar depois de conseguir, não importando as dificuldades. Isto porque somente um teimoso conseguirá completar uma planilha de treinos para uma prova de 42 km. E planilha com menos de 700 km, nem pensar.

 

Tem piloto que, para não levantar cedo, só quer chegar no aeroclube depois do meio-dia, fazer um voozinho na hora mais turbulenta e depois ir embora. Ora, voar com térmicas, ventos e quetais até ajudam, mas depois de um certo patamar de preparo, nunca no início, quando se precisa avaliar a ação progressiva dos comandos e a reação da aeronave. Com uma térmica dando um pataço numa das asas, o novato nunca saberá se a asa subiu porque o dito deu um pouco de aileron ou se houve alguma ação miraculosa ...

 

E faço um dos meus milhares de parênteses:

 

Estava este manicaca no estágio que vai do primeiro vôo solo à confirmação do dito.

 

Vôo, outro vôo, mais outro, ad perpetuam, como diriam os meus colegas causídicos, e nada dos instrutores confirmarem o solo.

 

Até que um aluno, mais antigo do que eu me chamou num canto.

 

- Barbosa, tu não tá vendo que eles querem é ver tu gastar um monte com horas e nunca vão te dar a dica sobre como evitar o desperdício de dinheiro. É claro que voando nas horas turbulentas, quando até eles sofrem para pôr o tequinho no chão, eles não vão se arriscar a te largar num solo, e com razão. Bem que podes fazer uma cacaca.

 

E acrescentou:

 

- Pelo que eu vejo, tu estás voando bem. Num horário sem turbulências, com certeza podes sair a voar solo sem nenhum risco. Então, enquanto não confirmar o solo, só marca vôo no início da manhã ou à tardinha.

 

"Tiro dado e jacu deitado." No primeiro dia calmo em que voei, confirmado o solo, mas lá se tinham ido quase oito horas e respectivos pilas. E com isso dá para ver que fui um aluno queixo duro, dos que demoram a aprender as coisas... Ainda bem que quando aprendo, dificilmente esqueço.

 

Retomando o fio da meada, tanto um maratonista, quanto um piloto precisam abrir mão de certas coisas, se quiserem obter algum sucesso nas corridas e nos vôos. Lembrando que, se um maratonista planejar mal uma prova e "quebrar" no meio, o máximo que acontecerá é ter que voltar para casa de táxi. Já um piloto ... Então, esse tem que ter muito mais dedicação, perseverança e força-de-vontade para estar sempre aprendendo e evoluindo.

 

Um corredor que queira viver nas baladas estará virado num chapéu velho no dia seguinte. O piloto, além do cansaço, vai estar com o psicológico também meio esgualepado. Ainda mais se foi dormir em branco ...

 

Quanto a ser "louco", nas duas categorias, só poder dar merda.

 

O maratonista louco vai forçar a barra nos treinos, arrumando uma lesão muscular, um esgotamento e, até, as famosas fraturas por estresse. O piloto louco, vai impressionar os loucos sem coragem, nunca os corajosos sem loucura, mas, mesmo que tenha nascido com a quina virada para a Lua, um dia vai lenhar o avião e, se o anjo-da-guarda estiver cansado ...

 

Resumindo, até porque fui fazer um treininho - corri quase uma hora depois de haver relaxado por umas semanas, após a Maratona de Porto Alegre - e estou cansado, nem um, nem outro chegarão a algum lugar se quiserem levar a coisa na flauta, na moleza, na sombra-e-água-fresca.

 

Disciplina, perseverança, força-de-vontade e caldo-de-galinha não fazem mal a maratonistas, a pilotos ou a quem quer que seja que leia este escrevinhador preguiçoso, desorganizado, que não tem ânimo nem para concluir dentro dos conformes um artigo que começou ...

 

E mais não escrevo porque não sei!

 

Bons vôos aos meus cinco leitores e eventuais pilotos e maratonistas!

 

domingo, 17 de março de 2024

Não Embrabeça seu Anjo


 


 

Estive lendo um tijolão publicado no forum da ABUL, escrito pelo Matta Machado, sobre sua experiência com os CBs.

 

Todos cometemos erros e, felizmente, em muitas das cagadas, o preço pago não é o mais alto. Foi o caso, onde o preço ficou no susto e suadouro. Mas como nem sempre as coisas terminam tão bem, ele resolveu tornar pública a aventura, para nos alertar.

 

Como dizia o esquartejador, vamos por partes:

 

Atender ao pedido de estranhos à aviação para fazer um vôo de risco é pedir para levar. Claro que todo o pai se amolece quando o pedido vem de algum projetinho de gente, com os olhinhos brilhantes de sede por aventura.

 

Cuidado: o adulto, o responsável, o capaz de avaliar riscos e ameaças somos nós, não as crianças. Elas confiam cegamente no seu maior herói, no super-homem, naquele que tem a coragem e competência de enfrentar os céus e as distâncias. É melhor decepcionar nossos fãs, diminuir um pouco a intensidade da aura de herói e continuarmos vivos, inteiros, em família.

 

Fazer um vôo de longa distância, num Corisco, aviãozinho bom, mas monomotor, em período conhecido como de intensas variações climáticas, pairando por horas sobre uma camada branca, ainda que em vôo sereno, é assumir risco graúdo. E se o motor, por mais confiável que seja, por melhor manutenção que tenha, inventar de perder rendimento ou, pior, ficar bem quietinho? A velha lei de Murphy é implacável - se pode dar errado, vai dar errado. E esta leizinha desgranida pode ser aperfeiçoada: o errado quase sempre acontece na pior hora. Pane no solo ou no circuito de tráfego é raríssima. Aliás, se a gente soubesse quando aconteceria a pane, elas estariam completamente banidas. Ninguém voaria sem antes fazer conserto, a revisão, etc., é evidente.

 

Pois bom, lá se ia o homem, meio alheio aos riscos que buscava.

 

Para completar, se foi tarde a dentro voando acima da camada, mesmo sabendo da possibilidade do surgimento dos CBs.

 

Atendendo à Lei de Murphy, eles surgiram.

 

Um erro nunca anda solito. O somatório iniciou com a decisão pelo vôo numa estação imprópria para aquele tipo de percurso, seguiu na insistência em permanecer sobre a camada com monomotor espartano de instrumentação, quis ir um pouco além, voando à tarde em época de CBs e, completou-se quando avistou um de nossos maiores inimigos e inventou de enfrentar a fera. Está certo que tinha medo de ficar com o combustível no crítico, mas, acredito que ainda assim, seria preferível isto a entrar na pauleira, cuja verdadeira força destrutiva não se podia avaliar. Vários equívocos que todos podemos cometer, mas todos simultaneamente, é nitroglicerina pura.

 

Como dizia minha avó, teve mais sorte do que juízo e o CB não era tão brabo, aliás, devia ser um dos mansos. De um CB de respeito, dificilmente um Corisco sairia ileso.

 

Felizmente tudo terminou bem, mas podemos dizer que ele não precisa mais jogar na loteria. Já ganhou sua mega-sena! Ele e a família estão inteiros.

 

Fico, sinceramente, com receio de escrever sobre erro dos outros, porque estou consciente de que já cometi muitos e que ainda vou cometer alguns, embora faça o possível para evitar.

 

Sou um piloto relativamente experiente. A sorte tem me ajudado e um pouco de preparo já me livrou de poucas e boas. Em oito panes, sendo duas de decolagem, consegui manter o nível de coragem acima do nível da bosta pelo cagaço, terminando os "causos" ileso em cinco casos e com um leve arranhãozinho na sobrancelha num deles, ainda que tenha lenhado feio o tequinho em duas ocasiões.

 

Tenho, entretanto, o maior respeito pela força da natureza. Já peguei algumas turbulências brabas, ventões de través de arrepiar na hora do pouso com pandorguinhas leves como Netuno, 15 BIS e Kitfox com trem convencional. Nunca, porém, tive o peito de enfrentar camada por horas, aliás, ultraleve não deve fazer isso nem por minutos e se o CB está pensando em se formar, compro uns dez tubos de Super Bonder, colo meus pés e os pneus do aviãozinho no solo, que é onde a gente deve estar quando aquelas nuvens bonitas de se olhar enfeitam os céus deste Rio Grande de Deus nas nossas imprevisíveis e quentes tardes de verão.

 

Nunca se sabe o dia em que o anjo-da-guarda está de férias, pegou um resfriado, ou, pior, já cansou das nossas aprontações...


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Pedido de Ajuda

    Atendendo ao pedido da multidão de leitores, perseguidores ou coisa parecida (quatro garantidos - o resto ...), estou organizando o livreco com minhas escrevinhações relacionadas com a aviação. 

   Na década de 80, escrevi no jornal Esportemotor, em Porto Alegre e era bem lido. Na década seguinte publiquei um livrinho analógico, independente, com minhas aprontações de Piá de Estância (tenho exemplares amarelados disponíveis). Lá por 2010, sei lá, comecei o Blog do Barbosa Lambe-Lambe. Teve mais leitores do que tenho agora e não sei explicar o motivo, pois a internet tá muito mais acessível. Acho que estou emburrecendo e escrevendo pior a cada dia que passa ... 

    Apesar dessa "grande experiência" , nunca publiquei um livro, digamos, oficial. Com ficha catalográfica, essas coisas. 

    Esse tal de e-book, então, nem pela frente das casas passou ...

    Se alguém tiver experiência no assunto e quiser me dar algumas dicas, informações sobre eventuais editoras idôneas, publicação virtual, esses troços, eu e os quatro leitores agradecemos.

    No meu Face aparecem muitas editoras oferecendo seus préstimos. Mas a gente anda escaldado ...

    Ah, até me ocorreu a ideia de lançar um livro tipo novela: a cada semana uma publicação nova. Seria como assinar um jornal semanal  - que tal o cacófato bagual ? Existe isso? 

    Agradeço a quem puder ajudar.

    Bom domingo!

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domingo, 3 de março de 2024

Do Céu para o Céu

 

            Do Céu para o Céu

 

            É difícil de se encontrar uma criança que não queira andar de avião. Uma que outra, pelos mais variados motivos, como por exemplo adulto imbecil, fica traumatizada antes de sequer entrar num objeto voante.

            O idiota, que sempre foi um cagão quer transmitir seu legado de covardia e escolhe uma criança inocente como vítima, privando-a, assim, do maior prazer que qualquer humano pode ter: enganar a lei da gravidade e sair pelo espaço, livre como só os pássaros sabem ser.

            O fato é que nove em cada dez crianças sonha com o dia em que poderá entrar num avião, saltar de para-quedas, voar de asa delta, parapente, paramotor, paratrike, trike e outros insetos voadores.

            E do alto dos seus treze anos, a menina-mocinha Dafiny, uma mineira sorridente e simpática andava por sua cidade, Sete Lagoas, vendendo cones e bombons de chocolate juntamente com sua mãe, Karine.

Para incrementar as vendas a mãe decidiu subir com a filha até a Serra de Santa Helena, onde havia uma rampa de decolagem. Isto pela manhã, quando Dafiny vendeu um cone de chocolate ao piloto Gilberto Araújo, experiente com mais de vinte anos de voos pela região. O piloto comeu o chocolate enquanto conversava com a menina e, tocado pela simpatia da pequena vendedora deu-lhe uma gorjeta de 10 reais.

            Agora prestem a atenção ao que nos ensina esta adolescente: ela não chegou pedindo para que o Gilberto a levasse num voo sem qualquer pagamento. Ela falou que tinha o sonho de “andar nisso aí”,  pois não sabia nem o nome correto do equipamento. E, em prática de comerciante que era, perguntou “quanto custa um voo?”

            - Duzentos e cinquenta, trezentos reais, depende.

            Olhem o respeito para com o trabalho dos outros: ela não pediu para voar de graça, não reclamou do inatingível preço para as suas condições financeiras.     Sequer pediu desconto.

            Simplesmente achou justo o preço, pois por trezentos reais ela estaria realizando um dos seus maiores sonhos.

            - Moço, eu vou trabalhar bastante, vou economizar e um dia eu volto aqui para voar.

            Aquela atitude comoveu o experimentado piloto. Eu, que vivo aturando sovinas que acham caras minhas fotos aéreas, sei o quanto é bom quando alguém acha o preço justo ou não reclama. E conto nos dedos os compradores que em quarenta anos de fotos aéreas falaram que realmente o que se cobra é o que fica bom para vendedor e comprador. Em quase quarenta e um anos de vendas somente um cliente achou barato e não estou mentindo. Por  sinal o sujeito é meu amigo e quando achou baratas as fotos que comprou, ainda não era piloto nem tinha avião, helicópteros essas coisas. Pela raridade do comportamento cito o nome  e apelido: Carlos Roberto Praetorius, vulgo Karlchen.

            Claro que a atitude corretíssima da Dafiny deve ter impressionado o Gilberto, que,  certamente, vezes sem conta deve ter ouvido gente de posses achar “um roubo cobrar 300 reais por um voozinho num equipamento que nem gasolina gasta”.

            A Dafiny tavez ou quase certamente não sabia que sua correta maneira de encarar os negócios é raridade e o Gilberto ficou impressionado.

            Pois bem, mãe e filha, quando voltaram à tarde foram surpreendidas com o Gilberto perguntando à mãe da menina se ela autorizava o voo, pois ele decidira realizar o sonho dela, sabedor, que para uma vendedora de doces na rua, economizar o valor do voo não seria fácil.

            Autorizada a menina a realizar seu sonhado voo, a Dafiny que já tinha sempre um sorrisono  rosto,  ficou com a boca nas orelhas de tão contente.

            - É hoje que viro super-heroína, falou para o vídeo que sua mãe gravava.

            Decolaram.

            Tudo dentro da normalidade, foram até  a igrejinha, que deveria ser um ponto de retorno usual para os voos que o Gilberto fazia e começavam a voltar.

            - Viu como é bom! Não precisa ter medo.

            Foram suas últimas palavras.

            A Dafiny estranhou o silêncio e, quando olhou para trás, entrou num filme de terror ao vivo.

            Gilberto Araújo, o piloto que realizara seu sonho partira em seu último voo.

            Somente seu corpo estava no parapente junto à apavorada Dafiny.

            - Moço, não faz isso comigo, não! – alimentando a esperança de que ele estivesse apenas querendo assustá-la um pouquinho.

            Mas ele estava com o jeito de morto, mesmo, olhos arregalados. Não fazia  qualquer movimento de pilotagem, quieto.

            O sonho realizara-se e junto trouxera o pesadelo.

            Vieram os gritos de socorro da apavorada mocinha.

            Há quem diga que o Gilberto ao sentir-se mal, já tentara direcionar o voo para um local o menos perigoso possível para um pouso forçado. Pode até ser que ao falar “Como é bom, não precisa ter medo” ele já estivesse com problemas e aquilo seria apenas uma forma de, se possível, levar o equipamento até o solo sem que ela soubesse que não havia mais piloto.

            Dafiny ainda tentou reanimar o comandante, dando tapinhas em seu rosto pensando que pudesse ser apenas um desmaio.

            Não era.

            E, logo após, nos termos que eu conheci no meu cursinho de asa delta, arborizaram, sem ferimentos à passageira.

            Quem sabe o mesmo ser que chamou o Gilberto para outro plano veio e assumiu o comando.

            Dizem que o Porteiro, lá em Cima, quando viu um paramotor se aproximando deu ordens severas para  não houvesse a normal burocracia celeste e que uma esquadrilha de anjos recepcionasse o novo habitante.

Ordenou que lhe fosse reservado um lugar de honra nos hangares eternos. Mandou ainda  que a ACAC (Agência Celestial de Aviação Civil) fosse mais rigorosa nos exames de saúde de todos os voadores celestiais, fossem anjos, humanos, aves de grande e pequeno porte, para evitar que meninas como a sorridente Dafiny não chegassem antes da hora àquelas paragens.

E lá de cima o comandante Gilberto Araújo era todo sorriso.

Sua última ação na Terra fora realizar o sonho da sorridente Dafiny.

Se isso não é passagem direta pro Céu, me indiquem outra.

Roque Gonzales, 03 de março de 2024.

           

            -

 

As vendas devem ter diso boas porque as duas resolveram voltar à trde

 

domingo, 11 de fevereiro de 2024

Trabalho no Carnaval

 Pajadinha pra Aliviar a Alma





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       Bicho Mentiroso

     O saudoso Ariano Suassuna dizia para quem quisesse ouvir que ele admirava o mentiroso e a mentira. Não aquela mentira que visa lograr o outro, mas a mentira inocente, para divertir, para enfeitar, para captar a atenção dos ouvintes, leitores, etc. 

    Também dizia, se não me engano, que todo o escritor é um grande mentiroso, que vive de invencionices, aumentações, exageros.

    Pois é a mais pura verdade: quando conto algumas de minhas peripécias voantes, tem gente que acha que o "Lambe-Lambe  Retratista" é um baita mentiroso e que nada do que conto aconteceu.

    Sim e não. Não aconteceu o jeito de contar a história. Mas que o fato, aparentemente corriqueiro, deu-se, ah, isso deu-se. Os enfeites, os exageros, disfarçados ou não, esses, confessa o humilde escrevinhador, são por conta da invencionice, da falta do que fazer, talvez dum pouco de talento ... Mui pouco ...

    Mas voltando à mentira: piloto é um sujeito mentiroso. E não me venham com histórias de que ninguém deu a sua enfeitadinha nalguma pane, quase pane, etc. e tal. 

    Claro que tem alguns que exageram na dose e ficam ridículos, mas a grande maioria nos diverte  com suas "pequenas faltas com a verdade" ...

    Hoje, no entanto, não vou escrever sobre grandes cagaços, sustos menores, proezas, ventões, essas coisas. Vou falar sobre a maior mentira que aqueles que voam costumam aplicar.

    E isso me veio à superfície da matéria que vem encaixotada no crânio, justamente quando fazia a pajadinha inicial.

    Vendo aquela atmosfera calma, a água mal e mal arrepiando-se com a quenturinha do Sol, dei-me conta do quanto o verdadeiro aviador é mentiroso.

    E provo!

    Todos já tivemos que interromper os voos por algum motivo. Uns por poucos dias, outros por semanas, por meses e, pior, até por anos.

    Com o "Lambe-Lambe Retratista" aconteceu de ficar seis anos sem voar, salvo alguma que outra viagenzinha de saco, quando, raras vezes os comandantes me ofereciam a pilotagem e por minutos apenas, sendo que os mais bandidos o faziam apenas por segundos. 

    Vão ter ciúmes assim do seu avião lá na casa do cacete!

    Pois talvez Freud, aquele filhinho da Mamãe, explique e se não explicar, tento eu: acho que por uma defesa, para disfarçar a frustração, nossa mente bola uma mentira inocente como diria o Suassuna:

    - Sabem que passei todo esse tempo sem voar e nunca senti falta?!

    E  falamos isso com um ar de convicção que, numa volta - como fala o gaúcho - até a gente acredita ...

    Então tá, né!

    Pode até ser que um piloto não sinta falta de voar, mas um verdadeiro aviador, se um dia teve o privilégio de cruzar os céus seguindo o próprio nariz e o do avião, construindo sua própria estrada, esse, se diz que não sente falta de voar, é um grandessíssimo mentiroso.

    E que saudades do meu voo solo num Paulistinha, das longas navegações em Piper 140, 180, Tupis, Coriscos, etc. 

    Falta do meu primeiro tequinho, um ultraleve Netuno, depois o primeiro Kitfox, de novo o mesmo Netuno, o Pober Pixie, o famoso 15 Bis e, finalmente, do retorno a outro Kitfox.

    E, durante todos os intervalos sem avião o escrevinhador, descaradamente mentindo:

    - Engraçado, sempre achei que iria me deprimir, ficar jururu pelos cantos, invejar os que ainda voam e isso nunca aconteceu!

    Falam que mentiroso não vai pro Céu.

    Tomara, então,  que no inferno tenham saudades de ouvir histórias, causos, invencionices e me arrumem um canto ao estilo brasileiro, onde tudo funciona daquele jeito,  onde as labaredas não cheguem, o vento contrário leve o calor proutras bandas e o "Lambe-Lambe Retratista" possa continuar mentindo por séculos e mais seculórios, pegando, no máximo, um bronzeadinho ...

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domingo, 4 de fevereiro de 2024

O Voo da Caturrita - "capítalo" final

 

            Hora da avaliação dos estragos e providências de eventual desmanche e transporte da maquininha voadora.

 

                   Trens completamente intactos, hélice impecável, cabos de comandos livres e inteiros, respondendo normalmente.

 

                   Nisto chega o caseiro do sítio onde improvisara meu aeródromo. Expliquei-lhe o acontecido e pedi-lhe o favor de me chamar um taxi, a fim de voltar à pista em busca de auxílio para resgatar o tequinho.

 

                   Enquanto ele ia providenciar meu pedido, reexaminei a situação: um ventinho meio misturado com garoa, cinco horas da tarde no inverno, o que significava ficar trabalhando no frio e no escuro até sabe-se lá quantas da madrugada. Os comandos estavam totalmente livres, a estrutura nada sofrera pois o pouso fora suave. Avaliei as possibilidades duma decolagem: havia, no sentido das vergas uns cento e cinqüenta passos, com uma leve descida ao final, um banhado duns duzentos metros a seguir e depois uma lavoura de cana em aclive, coisa perfeita para outro pouso de emergência, se algo ocorresse.

 

                   “Ah, não vou ficar aqui fazendo força no vento, à noite, se posso voltar voando.”

 

                   Alinhei o marimbondo e saí num tal de roçar buva seca que era coisa linda de se ver. No velocidade adequada chamei, respondeu e estava  voando. Seria outro vôo de caturrita? Não foi. Seguiu em linha reta, como se nada houvesse acontecido.

 

                   Como não sou bobo, havia tomado um solene propósito de usar o leme o mínimo possível e, quando necessário, com a maior suavidade que, aliás, deve ser uma das qualidades do bom piloto e do bom amante.

 

                   Não foi necessário utilizar a alternativa canavial e, em três minutos estava eu pousado na pista, numa invejável economia de tempo e energia em relação ao retorno via reboque ou caminhão.

 

                   - Mas que bicho foi que te mordeu? Disseste que só farias um turno de pista e demoraste todo esse tempo? Já estávamos ficando preocupados, ainda mais que era um vôo de teste.

 

                   - A intenção era realmente esta, mas o leme trancou no final do curso para a direita e tive que pousar numa rocinha, logo ali. Até reexaminar o avião, avaliar a pistinha e concluir que dava para voltar voando, lá se foi quase uma hora. Aliás, preciso ir lá acertar com o taxista que mandei chamar.

                    Pela cara concluí que ninguém estava acreditando no acontecido.

                    - Ficou foi voando todo esse tempo e não quer confessar.

                    O Netuno é semi-aberto, isto é, não tem a parte superior da porta. Isso permite que folhas de grama ou outros materiais levantados com a turbulência da hélice na decolagem possam entrar na cabine. Pois não é que tinha um monte de hastes secas das tais buvas que eu roçara na decolagem?

                    - Então me digam como é que consegui carregar toda essa sujeirada para a cabine!

 

                   O Ivan Azambuja, que agora voa em céus mais amplos que os nossos se ofereceu para me levar lá. A carona oferecida era mais para conferir se realmente não estava dando uma de trovador ... Também usou como desculpa para fazer a conferência, o desejo de lançar no GPS a localização da lavourinha, para um eventual emergência com o Netuno dele.

 

                   O caseiro também endossou o causo e mesmo sem eu perguntar,  informou que não chegara a chamar o taxi, pois me vira decolando antes de chegar ao ponto. Indaguei se lhe devia algum pelo trabalho, mas foi muito parceiro e disse que jamais aceitaria dinheiro de alguém por prestar socorro numa situação daquelas.

 

                   Voltamos e chegou a hora da conversa de hangar. O que acontecera? Todos os comando estavam livres e o restante mais normal ainda.

 

                   Durante a semana começou a correr o boato de que eu quisera bancar o macho, saindo naquele vento, me assustara e fizera o pouso por mero cagaço, não por comando trancado.

 

                   Soube disso, mas nada podia fazer, pois não se descobria a mínima possibilidade de trancamento do leme.

 

                   Na sexta-feira combinamos um encontro do Rudi, Zabiela e eu, para tentarmos solucionar o mistério. Um reexame criterioso do ultraleve e nada – tudo perfeito.

 

                   Já estávamos por desistir quando o Zabiela teve uma idéia:

 

-         Barbosa, baixa a cauda do avião que eu quero ver uma coisa.

 

                   Com a triquilha no ar, foi lá mudá-la de direção e notou um ruído estranho, como se houvesse algo roçando.

 

-         Deixa eu conferir, falei.

 

                   De fato, aquilo não era normal e além do barulho, estava pesada.

 

                   O caminho era aquele. Restava descobrir onde era o roça-roça. Não demorou e chegamos, indo de baixo para cima, ao assoalho interno do Netuno. Ali, os braços de acionamento da triquilha encostavam no piso. Como o piso era fixado com rebites, quando eu comandara em vôo, passara por cima do rebite e o comando trancara. Se houvesse comandado com força teria livrado o leme sem problema, mas, em pleno voo, lá ia eu saber disso?

 

                   E por que havia aquele encosto do braço de comando no piso? Coisa normal é que não era. Continuamos subindo ao longo do tubo e na extremidade superior, onde havia um limitador de curso da suspensão, alguém achou a tal bucha de teflon? Simplesmente sumira. Deve ter-se partido e saltado fora.  Assim, o único limitador era o assoalho. No solo, o próprio peso do avião evitava que houvesse atrito com o piso. Assim que se iniciava o vôo, expandia-se a suspensão para baixo, repetia-se a porqueira de roçar as hastes no assoalho e, se o pedalaço fosse grande, as hastes pulavam os rebites e tranca-se o leme de novo.

                   Esclarecido o mistério, foi minha vez de tripudiar:

                  -  É,  comandar no bar todo o mundo sabe. Sentado em frente ao copo de cerveja não há quem não faça melhor o que alguém já fez. Meu desafio é o seguinte: fixamos o leme no final do curso e o ás decola  aqui desta pista crítica já sabendo da situação. Aí, como não é “cagalhão que se assusta com o vento”, pousa na lavourinha, destrava os comandos e depois volta para a pista. Pode até valer um ultraleve: quem cumprir toda a tarefa fica com o meu, quem não cumprir, entrega o seu ou o que sobrar dele.        

                    É evidente que não tive que entregar o Netuno, tampouco ganhei algum ultraleve ou sucata porque não apareceu nenhum ás no desejo de encarar o desafio.

 

                   Quem é do meio sabe: o que tem de piloto corajoso, decidido, o maior "pé-e-mão" que já andou neste mundo, especialmente se o dito está com a bunda grudada no chão ... 

                   


Este é o inseto da aventura, em foto recente...
 De 23 de julho de 1996.
A aventura do leme trancado ocorreu lá por abril de 1997.
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