domingo, 11 de fevereiro de 2024

Trabalho no Carnaval

 Pajadinha pra Aliviar a Alma





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       Bicho Mentiroso

     O saudoso Ariano Suassuna dizia para quem quisesse ouvir que ele admirava o mentiroso e a mentira. Não aquela mentira que visa lograr o outro, mas a mentira inocente, para divertir, para enfeitar, para captar a atenção dos ouvintes, leitores, etc. 

    Também dizia, se não me engano, que todo o escritor é um grande mentiroso, que vive de invencionices, aumentações, exageros.

    Pois é a mais pura verdade: quando conto algumas de minhas peripécias voantes, tem gente que acha que o "Lambe-Lambe  Retratista" é um baita mentiroso e que nada do que conto aconteceu.

    Sim e não. Não aconteceu o jeito de contar a história. Mas que o fato, aparentemente corriqueiro, deu-se, ah, isso deu-se. Os enfeites, os exageros, disfarçados ou não, esses, confessa o humilde escrevinhador, são por conta da invencionice, da falta do que fazer, talvez dum pouco de talento ... Mui pouco ...

    Mas voltando à mentira: piloto é um sujeito mentiroso. E não me venham com histórias de que ninguém deu a sua enfeitadinha nalguma pane, quase pane, etc. e tal. 

    Claro que tem alguns que exageram na dose e ficam ridículos, mas a grande maioria nos diverte  com suas "pequenas faltas com a verdade" ...

    Hoje, no entanto, não vou escrever sobre grandes cagaços, sustos menores, proezas, ventões, essas coisas. Vou falar sobre a maior mentira que aqueles que voam costumam aplicar.

    E isso me veio à superfície da matéria que vem encaixotada no crânio, justamente quando fazia a pajadinha inicial.

    Vendo aquela atmosfera calma, a água mal e mal arrepiando-se com a quenturinha do Sol, dei-me conta do quanto o verdadeiro aviador é mentiroso.

    E provo!

    Todos já tivemos que interromper os voos por algum motivo. Uns por poucos dias, outros por semanas, por meses e, pior, até por anos.

    Com o "Lambe-Lambe Retratista" aconteceu de ficar seis anos sem voar, salvo alguma que outra viagenzinha de saco, quando, raras vezes os comandantes me ofereciam a pilotagem e por minutos apenas, sendo que os mais bandidos o faziam apenas por segundos. 

    Vão ter ciúmes assim do seu avião lá na casa do cacete!

    Pois talvez Freud, aquele filhinho da Mamãe, explique e se não explicar, tento eu: acho que por uma defesa, para disfarçar a frustração, nossa mente bola uma mentira inocente como diria o Suassuna:

    - Sabem que passei todo esse tempo sem voar e nunca senti falta?!

    E  falamos isso com um ar de convicção que, numa volta - como fala o gaúcho - até a gente acredita ...

    Então tá, né!

    Pode até ser que um piloto não sinta falta de voar, mas um verdadeiro aviador, se um dia teve o privilégio de cruzar os céus seguindo o próprio nariz e o do avião, construindo sua própria estrada, esse, se diz que não sente falta de voar, é um grandessíssimo mentiroso.

    E que saudades do meu voo solo num Paulistinha, das longas navegações em Piper 140, 180, Tupis, Coriscos, etc. 

    Falta do meu primeiro tequinho, um ultraleve Netuno, depois o primeiro Kitfox, de novo o mesmo Netuno, o Pober Pixie, o famoso 15 Bis e, finalmente, do retorno a outro Kitfox.

    E, durante todos os intervalos sem avião o escrevinhador, descaradamente mentindo:

    - Engraçado, sempre achei que iria me deprimir, ficar jururu pelos cantos, invejar os que ainda voam e isso nunca aconteceu!

    Falam que mentiroso não vai pro Céu.

    Tomara, então,  que no inferno tenham saudades de ouvir histórias, causos, invencionices e me arrumem um canto ao estilo brasileiro, onde tudo funciona daquele jeito,  onde as labaredas não cheguem, o vento contrário leve o calor proutras bandas e o "Lambe-Lambe Retratista" possa continuar mentindo por séculos e mais seculórios, pegando, no máximo, um bronzeadinho ...

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