sábado, 27 de agosto de 2011

Relembrando a "Legalidade"

   Nesta semana completam-se os 50 anos da Legalidade. Aproveito a oportunidade e publico uma história sobre minha experiência de piá de nove anos com aquele movimento de patriotismo e cidadania, coisa bem típica da gauchada, que não aceita ser pisada nos calos assim, no mais. Faz parte do livro Lembranças de Guri, do qual ainda tenho expmplares para vender por vinte pilas.


LEGALIDADE

De repente o Jânio Quadros resolveu deixar a sua vassoura de lado e, disparando das "forças ocultas", renunciou.

Armou-se um baita reboliço. Assume o vice-presidente Jango, não assume, quando nos demos por conta, o Rio Grande estava mais uma vez pegando em armas para dar uma lição de patriotismo e democracia.

O homem não era o vice-presidente? E quem deve assumir quando o presidente renuncia? O vice, é claro. Então, tinha que assumir o Jango e pronto.

Ah, não queriam que assumisse por bem? Então assumiria por mal.

E já tinha taura relembrando os tempos antigos, louco da silva para dar uns tirinhos campo a fora e matar uns paisanos ou milicos, se preciso fosse, para cumprir a lei e a constituição.

O único rádio das redondezas era o da Vó. Durante o dia era um tal de chegar guri de recados, para saber da situação, que o Dudu nem tinha tempo de parar de acoar nuns e já outros apareciam.

À noite vinham os grandes, mesmo. Todo o mundo em roda do rádio, cada qual querendo chegar mais perto e ficar em posição onde pudesse vê-lo o mais de frente possível. Devia ser uma atitude premonitória à chegada da televisão ...

O locutor com voz dramática começava enumerando as rádios que estavam na famosa "Cadeia da Legalidade". Aquela enumeração longa, de todas as emissoras só servia para dar mais tensão ao momento. Com os nervos à flor da pele começávamos a ouvir as notícias.

Tal exército estava de nosso lado, o comando de outro ainda não tomara uma decisão. No Palácio Piratini estavam erguidas barricadas e sacos de areia colocados em todas as aberturas.

O Rio Grande lutaria até o último homem, mas a lei seria cumprida.

Alguns tinham parentes no quartel e estas pessoas eram as mais preocupadas. Nós, os da casa estávamos preocupados com o pai e a mãe, que andavam vendendo livros para as bandas de Cacequi. Um ou dois dias depois apareceram, mas restava o problema com os manos Paulo e Maria que estavam estudando em Taquara, no internato adventista. Aí o pai resolveu que iria buscá-los. Foram dias de muita expectativa. E se a revolução estourasse justo agora, com eles viajando? Demorou, mas conseguiram chegar sãos e salvos.

Quem ficou muito impressionado com a Legalidade foi o Irineu. Pelo fato de ser surdo, não conseguia acompanhar as notícias diretamente. As pessoas tinham que fazê-lo entender as coisas por senhas. Agora, imaginem o que aconteceu: gente simples tentando transmitir notícias políticas e militares a um surdo, por sinais. Infelizmente ele acabou interpretando que a coisa estava muito mais preta do que na realidade.

Um belo dia alguém passou ao lado da casa dele, coisa de uns cinquenta metros e se depara com uma toca de tatu um tanto estranha. Foi olhar melhor e vê, surpreso, que ali estava sendo construída uma galeria subterrânea.

Acontece que toda a terra que o Irineu tirava do interior, ficava amontoada ao lado da entrada, no alto da coxilha, bem à vista. Aquele baita monte de terra denunciava o esconderijo a léguas.

As escavações seguiam num ritmo acelerado pois a situação estava preteando.

Quando a toca já estava espaçosa o suficiente, sem mais nem menos, a terra desapareceu misteriosamente.

Veio a explicação:

Por senhas mostrou que jogara a terra dentro do açude e que, se alguém viesse buscá-lo para a guerra ou, pior ainda, diretamente para a degola, como nas antigas revoluções, não o encontrando em casa, iria procurá-lo lá pelos matos da Restinga, pelos cerros da região, nunca no alto da coxilha, bem ao lado da casa.

E por sinais, completava:

"Que não ouvia, que não falava, mas que burro, ah, isso não era, mesmo. Alguém via orelhas compridas nele?

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