sábado, 13 de agosto de 2011

Mais uma do Piá



Continuando com as histórias dos "Lembranças de Guri", livrinho que pode ser adquirido por R$20,00 mais o correio. Encomende pelo e-mail vilsombarbosa@terra.com.br  São 47 causos como este. Teve gente que voltou tanto à infância, que chegou a mijar na cama depois de ler o livro ...
GURI DE RECADOS

Esta mania de correr que pegou todo o mundo, o Vô Donato já tinha há muito tempo, não por moda, mas para conservar a saúde.

Levantava às quatro da manhã, em cuecas e camisa de física (hoje regata), indo correr na grama da frente. Além da corrida, também fazia a sua ginástica. Depois, uma banho de água fria e vinha acordar o piazedo, para o culto matutino "que um bom dia começa com a Bíblia". Desses cultos às vezes eu era poupado, por ser mui novo. Noutras, não, e lá nos íamos testavilhando de sono para a sala, lugar da devoção doméstica, a fim de cantar até cansar a goela "Bem de manhã, enquanto o Céu, sereno ..." , "Fé é a vitória ..." e "Cristo, Comandante, sempre nos será ...".

Ser o miúdo mais miúdo tem lá suas vantagens. Após o culto minha humilde pessoa era autorizada a retornar à cama. Os pobres do outros - Dileu e Roberto - não, mesmo: café reforçado e lá se iam para a lavoura carpir. Nalgumas vezes ainda era tão cedo e escuro, que tinham de levar o velho farol a querosene e a vizinhança até andava fuxicando que ele estava era ficando caduco.

Bem depois, de Sol alto, também me levantava, tomava o meu apojo na mangueira, dava de mão na minha enxadinha e me mandava para a lavoura, mais para atrapalhar do que para ajudar.

Levantando poeira, dê-lhe enxada, o Vô, o Dileu e o Roberto. Pendurado em algum moirão ou pé de milho já crescido, o farol apagado.

Como minha enxada não rendesse lá essas coisas, ficava encarregado do apoio logístico: buscar água, dar recados e assim por diante. Ah, e perguntar as horas. E aí estava a mais importante das funções por dois motivos: primeiramente porque o Vô era muito rigoroso nessas coisas de horário e depois porque eu me enchia de grau nessa missão, estando justo na época em que me amansava com ponteiros de horas, minutos, segundos.

- Vai lá buscá água e pede pra Velha vê que horas são.

Pedi a água e deixei o relógio por minha conta, que já não era mais um burro que nem as horas sabia olhar. Lá estavam os ponteiros: onze horas.

Entreguei a água, dei as horas e fui dispensado porque estava esquentando muito e sol muito quente num miolo mole, o melhor era não arriscar ...

Ao chegar, estranhei que o almoço já estivesse pronto, mas nada deles voltarem.

Bem depois, lá pela uma hora da tarde, quando já esfriara a comida, apareceram, mais atrasados do que bola-de-porco. Indagado pela causa do atraso, a resposta do Vovô foi:

- Pelos meus cálculos, agora é que é meio-dia.

Aí é que a Vó me entregou contando que eu não pedira para ela ver as horas.

Meus primos queriam o meu escalpo por trabalharem mais uma hora num solaço escaldante daqueles.

Sem grandes motivos, pois não se vai exigir que um aprendiz de olhador de relógio jamais confunda onze com doze horas ...

6 de janeiro de 1984.

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