terça-feira, 15 de novembro de 2011

Chegar Voando


"Velocidade se mata na pista" - foi o que me disse uma vez o Altair Coelho, se não me falha a memória e não me pisca a vista. Como se sabe o homem entende, tanto que já projetou e construiu mais de quinze modelos diferentes. Se não foi ele, foi alguém com mais experiência do que eu e gente que escuto com as orelhas bem erguidas, para não perder o conselho.

Por estranho que possa parecer vejo nos aeroclubes os instrutores dando a maior bronca em alunos que fazem a aproximação com uma velocidade um pouquinho além da que eles prescrevem. E, vejam, a velocidade que aconselham: 60 milhas na perna do vento.

Isto mesmo, 60 milhas, com vento de cauda, numa aeronave fraquérrima de motor como o Aero Boeiro ou Aeroboero, sei lá como se escreve, com 115 hps, com estol em 47 milhas, se não estou enganado.

Então vamos por partes: trinta por cento sobre 47 são 61 milhas. Até aí, estamos dentro do razoável, pois temos que há uma certa margem de segurança antes do estol. Bem, se estamos na perna do vento (de cauda, portanto) e o vento é de oito milhas, se ele dá uma rajada de mais umas 8 milhas  ficamos com uma velocidade aerodinâmica de 52 milhas, apenas três além do perigo. Dependendo da temperatura, pressão atmosférica, eventuais turbulências orográficas e outras, a combinação é nitroglicerina pura. Se a rajada for  mais forte, babaus.
Também não devemos esquecer que logo a seguir há a curva para a perna-base, e que os professores mandam fazer com média inclinação. Quanto se perde de sustentação numa curva eu não sei precisar, mas sei que se perde bastante e a perda é geométrica em relação ao ângulo de inclinação. Assim, um tequinho beirando o estol  em termos de velocidade, altera a posição dos perfis que o sustentam, pode esperar o quê?

Não foi uma nem duas vezes que me falaram que eu estava chegando muito veloz na pista. Isto em pistas de mais de mil metros e para um avião que, em situações de necessidade, pousa em menos de cem.

Eu pergunto, para que chegar quase estolando, sem a mínima necessidade, se há uma babilônia de pista sobrando?

Não digo que a gente não deva treinar pousos curtos. Nunca se sabe quando vamos precisar dum deles. Mas, noventa e nove por cento de nossos pousos permitem uma aproximação mais garantida em termos de velocidade. O que justifica fazer a perna-do-vento e a base já beirando o estol?

Vá lá que o sujeito, depois de alinhado com o eixo da pista, na rampa adequada, com vento de proa, na reta final, diminua a velocidade para os tais trinta por cento acima da velocidade de perda, mas ficar voando com vento de cauda, fazer curva e pegar través ao mesmo tempo, quase colando no estol, é pedir para levar.

Não gosto de falar em erros, pois todos cometemos e parece que é castigo: quando a gente aponta o dedo sujo para o defeito de outro, aparece o nosso.

Mas sabem por que eu faço isso - falar sobre erros embora não goste?

Por um motivo muito importante: preservar vidas.

Muitos amigos e colegas já se foram para as grandes alturas por causa do estol a pequena altura. Com certeza mais da metade das mortes na aviação geral ocorre por causa de perdas próximas ao solo.

A gente tem a tendência a voltar para a pista na pane de decolagem mesmo abaixo dos 500 pés (eu já fiz isso - embora mantendo a velocidade - e me dei mal detonando um Kitfox), mas no pavor da pane qual o procedimento instintivo? Cabrar o manche, esticar o voo.

Planeio não se estica, apenas aproveita-se da melhor forma possível. É melhor chegar voando num terreno não muito liso, do que encompridar o planeio até aquela rodovia e estolar antes de chegar lá.

Já vi muito pouso curto de impressionar.

Também já vi cada placaço ...

O pior é que seguidamente vejo a imprensa noticiando sobre "avião que caiu de bico", isto é, estolou.

Amigos já se foram. Outros se "lastimaram" feio - como diria o Deoclécio, que, dizem, voltará ao Curso de Apareio logo que passar o plantio do arroz - por causa da famosa perda a baixa altura.
"Cautela e caldo-de-galinha não fazem mal a ninguém", diz o ditado.

Velocidade, combustível e pista, também.


Acrescento a imagem dum casal de "Tarrãs" que sempre, ao anoitecer chega voando e pousa sem estol no açude da Chácara onde "veve" o Lambe-Lambe. Se algum infeliz inventar de atirar nos bichos, pego o tresoito, o Kitfox e viro um "ás" da primeira guerra, até pegar o desgramado ... Deixo virado numa peneira ...

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