domingo, 27 de março de 2011

Pane de Decolagem


Toda a pane é perigosa, mas a de decolagem, esta é de arrepiar até as unhas. O sujeito está no limite do meio mecânico, o motor dando o que pode e não pode e, de repente, poff, o barulho de metal se esfregando ou o silêncio aterrador ... Quem já teve uma dessas, sabe ...

Este escrevinhador já tá quase bacharelado em panes, sendo duas delas, as malvadas ...

Como sobrevivi com a ossamenta inteira, conto os causos, tentando ser útil.

Numa delas, ia o piloto feito mosca em tampa de xarope, de tão faceiro, subindo com o Kitfox, quando houve uma tossida do Rotax 912. Momentos de expectativa nlo Olímpico...

A seguir a tosse passou.

E a respiração do motor também ...

E agora? Cagar na mão e botar fora?

Estava o Amarelinho com este que vos escreve a uns 150 pés de altura, como diria o Deoclécio "cosa dum ocalito e meio, dois, no mais da conta".

Se eu tivesse cagado na mão e posto fora, não faria a cagada real que fiz.

É, isso mesmo! A 150 pés encasquetei que dava para voltar.

Até parece que nunca fizera um Curso de Apareio, como diz o peão. Até parece que matara todas as aulas e os vôos onde o instrutor chegava a ficar rouco de repetir que abaixo de 500 pés se pousa em frente. Que nunca checara na cabeceira, o famoso "pane a menos de 500 pés, pousar em frente, escolhendo a melhor situação". Tudo repetido e, na hora h, fazer o contrário...

O instinto de volta ao ninho é muito forte, tanto nos pássaros, quanto nos pilotos. Só que em aviação, nem sempre o instinto é a melhor saída.

Voltando estava, o olho cravado no velocímetro, mantendo a velocidade de melhor planeio, que sem velocidade a coisa encrespa. Até parecia que a tática era acertada.

Mas a transição entre vento de proa para vento de través e, depois, para vento de cauda já é delicada com motor, imaginem sem ele. Mantive a velocidade, só que o tequinho afundou uma barbaridade e avaliei que não chegaria à cabeceira da pistinha, apenas a uma sanga e, se fosse um pouquinho mais longe, a uma cerca. Nesse ponto é que muita gente estola, com conseqüências quase sempre dramáticas.

Mudança de Plano Infalível A, para Plano Infalível B. Outra cagada, isso de ficar mudando de idéia.

Ambos os planos falíveis, é claro, como sempre acontece com o Cascão e o Cebolinha contra a Mônica.

Já perdera bastante altura e agora restava tentar um pequeno trecho de campinho entre duas lavouras de arroz ativadas.

Nos fomos, o Kitfox e eu, tentar pouso de precisão sem motor, em campo, com taipas de antiga lavoura. Se desse certo, até hoje ninguém agüentaria a gabolice do manicaca.

Chegamos ao ponto de toque muito no final do campinho.

Sentindo que as estroncas de uma porteira me aguardavam para ver quem era mais resistente, se elas ou se o Kitfox, dei-me conta de que as fortes eram elas e tinha que pulá-las.

Foi o que tentei, mas o tequinho apenas embarrigou, manteve o trem-de-pouso a meio metro do solo e deu-se a lambança:

A asa direita ficou em poder duma das estroncas (moirões parrudos). A outra estronca escolheu a parte baixa do nariz e, felizmente alavancou o aviãozinho que, passou por cima, mas, como ainda tinha trem-de-pouso, foi pealado e pilonou lindaço.

O pouso mais curto que fiz até hoje foi no dorso, e em canard ...

Como sei que nunca conseguirei me superar, nunca tentei outro ...

Saí praticamente ileso, não fosse o arranhão dos óculos contra o rosto, na hora de soltar os cintos, pendurado de cabeça para baixo.

Ainda bem que me lembrei do caso do piloto que estava inteiro depois duma pilonagem, até falando com a segurança do aeroporto e que depois, surpreendentemente, foi encontrado morto. Ninguém conseguia entender o acontecido até se darem conta de que houvera fratura do pescoço. Ao soltar os cintos, o piloto não atinara em amortecer o peso do corpo com os braços e batera a cabeça com violência no teto do avião, agora embaixo, no solo.

O Kitfox não ficou com um aspecto aterrador, mas saiu da geometria, o que obrigou ao desmonte completo e reconstrução, etc. Por andar com a guaiaca meio curta dos pilas, tive que vender o aviãozinho, só conseguindo comprar outro Kitfox dez anos depois do acontecido.

Detonei um rico tequinho por causa de cagadas contra as quais a gente vive sendo treinado, mas, no vamos ver, acabamos optando pelo caminho errado: a velha história - o que é proibido é mais emocionante. Às vezes esta emoção forte fica para os parentes, na hora do enterro.

Não há de ser sem motivo que no PP, na cabeceira, nos obrigam a repetir:

Pane a menos de 500 pés, pousar em frente, escolhendo a melhor situação.

Um piloto de 500 horas de vôo terá repetido quase mil vezes esta frase. Quando fiz as burradas tinha algumas vezes mais do que isso e, mesmo assim ...

Talvez a repetição se torne mecânica e não substitua a tendência instintiva de voltar ao ninho.

Seria bom que a gente se concentrasse na hora do cheque e, realmente, antes de dar manete ao decolar, estivesse concentrado no que fazer caso ocorra algum imprevisto.

Até acho que aprendi a lição, pois na segunda pane de decolagem, fiz tudo mais ou menos certo e preservei o avião do "Três por Um", também conhecido por Tarsilo.

Mas isso é outra história e só conto se ...



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