quarta-feira, 12 de março de 2025

"Leve" Turbulência

 

 

Leve Turbulência

 

O dia tava lindaço:

O ar bem limpo e parado.

Matutei "tá adequado"

Pro índio ganhar o espaço;

Pé-e-mão, a perna, o braço

Coordenando em sintonia.

Como o Deoclécio diria:

"É hoje que lavo a égua!

Vou voar prá mais de légua!

E bater fotografia!........."

 

Sou índio privilegiado.

Tenho baita companheira,

Que bota a mão na sujeira

E me ajuda um bocado.

Se o causo tá mal-parado,

Se tá tudo numa boa,

Sempre conto c'oa patroa.

É dessas que não se acha.

Não se assusta com graxa

E, num aperto, até voa!

 

Decolamos suavemente,

Dando rédea ao Kitfox,

E deixamos que ele fosse

Subindo e sempre pra frente.

Num trote firme e valente

S. Pedro do Sul aproamos.

O ar liso aproveitamos.

Eu dizia para mim:

Por que é que dia assim

Poucos por ano ganhamos?

 

Nuvem, nem pra remédio.

Só um ventinho fracote,

O teco sem um pinote:

Tão bom que até dava tédio.

Até um piloto médio,

Ali voaria bem.

Tudo como convém

Ao vôo pelo prazer

De ver o avião responder

Comandos, feliz, também!

 

O vôo era compridote.

O vento foi aumentando.

Aos poucos fui trabalhando

Mais, mantendo o trote.

É importante que se note

O tempo e sua mudança.

A natureza alcança

A gente, o braço é comprido

E o quera desprevenido

Se embreta na lambança.

 

Nas terras de S. Sepé

Parei pruma desaguada

E dar uma completada

Nos tanques, que nunca é

Demais gasolina e a pé

Não planejava ficar.

Ainda tinha que voar

Pras bandas da Vila Nova

E aí começou a prova

Que nem gosto de lembrar.

 

Assim, no mais, de repente,

Como saída do nada,

Turbulência inesperada

Incomodava o vivente.

Peleando incessantemente

Em mexeção de schimia;

De aparência, lindo o dia,

Mas ascendente aqui,

Descendente logo ali

Roubaram minha alegria.

 

E depois da Vila Nova

Encardumou-se o retoço.

Eu que já não sou tão moço

Vi minha experiência à prova.

Tava levando uma sova

Pra dominar o aparelho:

"Ou tô por demais de velho,

Ou tá feia a turbulência

Pra tudo é preciso ciência,

Mas tô apanhando de relho."

 

Vendo o causo mal-parado

Resolvi subir um pouco.

E quase que acabo louco

Com o tal vento cruzado.

Não sabia de que lado

Iria vir a paulada.

Na situação delicada

Optei mais baixo voar

Lá sabia o que esperar

E me negar da pealada.

 

Baixei a velocidade

Quase de nada adiantou.

O pingo corcoveou

Uma barbaridade.

Até me dava vontade

De pousar numa coxilha.

Temendo quebrar a encilha

Fui brigando a soco e tapa:

Do lombilho não escapa

Quem tem sangue Farroupilha.

 

E não mais que de repente

Fomos chamados pro Céu.

Subimos um escarcéu,

Um pensamento presente

"Sempre após a ascendente

Vem a corrente oposta".

Tudo o de que não se gosta

Acaba nos acontecendo

E veio um soco tremendo

Que nos afrouxou até a bosta!

 

Pra baixo fomos jogados

Com enorme violência.

Foi a maior turbulência

Em tantos anos voados.

Se não estamos amarrados,

O teto a gente furava

E eu ainda estragava

Esta minha linda estampa

deixando parte das guampa

No teto que atravessava ...

 

 

Nem faltava meia hora

Para na pista chegar.

E manicaca a suar

Dando-lhe relho e espora.

Pensando "Será que é agora

Que vou mudar de querência?

Mas gosto desta existência.

Tá certo que a coisa é feia:

Mas me entregar sem peleia

É contra minha consciência."

 

O céu azul continuava,

O Kitfox agüentando,

O piloto se borrando,

O GPS bombeava.

O tempo nunca passava.

Parecia pesadelo.

Era peão montado em pêlo,

Num redomão encruado.

Pra cima e baixo jogado

Mas se agüentando com zelo.

 

Confesso não entendia

Porque tanta turbulência.

O céu numa transparência ...

Nenhuma nuvem se via.

Era um baita dia

O jeito era agüentar.

Pensava em como pousar:

"Se aqui já tá desse jeito

Nem quero pouso bem-feito

Só o teco não quebrar."

 

Trezentos metros de pista

Com vento de atravessado.

O domador assustado

Se obriga a baixar a crista.

E só querer por conquista

O prêmio mais valioso:

Nada de grandioso.

Como sempre se diz:

"Um vôo só é feliz

Se ele termina em pouso."

 

No tráfego, dando espora

A biruta a noventa.

A coisa que se apresenta

Não me era animadora,

Mas era chegada a hora

Da onça água beber.

Não tinha muito a escolher:

Era pousar ou pousar

E tentando não quebrar

Avião, piloto e mulher.

 

Com medo e com coragem

Que é este o segredo:

Coragem é vencer o medo,

Buscava o fim da viagem

Sem fazer uma bobagem,

Que naquela situação

Quebraria o avião.

E isso não combinaria

Com o azul daquele dia

Nem com os pilas do peão.

 

Indo pra reta final

Esperava uma pauleira,

Mas foi baixando a poeira

E subindo meu astral.

Talvez eu não pouse mal.

Talvez a coisa dê certo.

E eu me saia deste aperto

E não se vá tudo à breca.

Talvez eu não suje a cueca.

Do final feliz tô perto.

 

Não foi uma Brastemp o pouso,

Mas também não foi placaço.

O avião tava inteiraço,

Mas foi um vôo tinhoso.

Deu pra ficar  orgulhoso.

Então, ficamos assim:

O avião é bom, pra mim

A Sandra é corajosa

E o Lambe-Lambe Barbosa

Até nem é tão ruim ....